A profissão de professor

 

Ao longo da institucionalização da Sociologia como ciência no Brasil, várias pesquisas tiveram como objeto de estudo o professor e seu papel dentro das instituições educacionais e na sociedade global. Mas parece que ainda precisamos saber muito sobre essa profissão tão paradoxal: para uns é fundamental em qualquer sociedade que se proponha séria; para outros, uma profissão como outra qualquer, sem nenhuma especificidade e, para completar, em qualquer caso, quase sempre mal remunerada. A perda do prestigio social da profissão que se verificou ao longo das últimas décadas, particularmente no Brasil, é sintomática do descaso do poder público com a educação.

Dentro da estrutura formal da escola, isto é, sua organização enquanto instituição, o professor é uma das partes do sistema educacional. Mas é muito mais do que isso, uma vez que exerce o poder dentro da sala de aula e junto aos seus alunos. Influencia estudantes, aprende com eles, troca experiências num processo de interação social constante. Mas deve-se lembrar de que cada um percebe a sociedade de acordo com seu grupo de referências e os conhecimentos acumulados por ele ao longo de gerações. As condições em que isso ocorre podem variar com o tempo e conforme o contexto; mas em todos os casos acontecem conflitos e cooperação entre os vários atores envolvidos. Nesse sentido, o professor tem o poder e o exerce de formas variadas, de acordo com os objetivos que estabelece para si e para seu trabalho.

A questão da formação profissional

Um dos temas mais trabalhados na área da Educação e pela Sociologia da educação é a formação dos professores. A carreira do magistério atualmente não tem sido vista como uma vocação ou missão social. Há também quem a veja como outro emprego qualquer. Seja qual for o ponto de vista que se adote ou como nós nos colocamos diante disso, não se pode negar as particularidades que caracterizam o trabalho profissional do docente, sendo que sua formação desperta interesse por parte de pesquisadores de varias áreas. Não cabe aqui uma revisão bibliográfica desses estudos, mas precisamos a cada dia repensar a profissão do professor.

Sabemos que o processo de ensino aprendizagem não se restringe apenas à transmissão do conhecimento. O que capacita um aluno para aprender são as diversas formas de abordagens do problema, e não apenas a transmissão de conteúdos.

Um professor que simplesmente segue um modelo ou um padrão e direciona suas aulas, indica todos os caminhos, e não desafia seus alunos, impede a construção do conhecimento. O professor deve “preparar o terreno” para que seus alunos caminhem sozinhos estabelecendo uma relação pautada no prazer de ensinar e de aprender. Na medida em que a escola tem o papel de propiciar o autoconhecimento e enriquecimento do ser humano, questões como essas precisam fazer parte da formação do professor.

Um dos aspectos relacionados à formação de base diz respeito à necessidade de chamar de chamar a sua atenção para o papel da investigação. A formação do professor é continuada ao longo de nossa atividade docente. Mas é preciso questionar e pouco se pensa sobre essa prática pedagógica. Partindo-se da ideia básica de que a sociologia tem condições teórico- metodológica de investigar as condições nas quais essa prática se efetiva, é preciso abrir espaço para o tema. Isso deveria começar até mesmo antes do professor iniciar sua atividade profissional. Afinal de contas é essa prática que alimenta e realimenta tomadas de decisões, escolhas de caminhos ou propostas relativas à Educação como um todo.

O saber docente é plural, isto é, composto por vários saberes, resultados da experiência, da formação acadêmica, propriamente dita e do senso comum. A formação do professor deveria dar um maior enfoque para o chamado saber da experiência, que é o saber crítico por excelência, uma vez que é uma verdadeira síntese de tudo que o professor aprende, ensina e vivencia. Nesse sentido, seria interessante vincular a prática, a pesquisa a docência.

Num país como o Brasil, por exemplo, onde as desigualdades sociais são tão grandes e ainda não se conseguiu democratizar a Educação, seria muito interessante se o professor aprendesse também a ser um pesquisador. Poderia tirar proveito do fato de estar em contato direto com os atores que vivenciam o processo educativo (pais, alunos, colegas, professores direção e funcionários da escola).

Outro aspecto fundamental relaciona-se ao surgimento e a proliferação de novos meios de comunicação – os multimeios –, que exigem do professor não só o domínio dessas tecnologias, mas, principalmente, uma tomada de consciência no sentido de se adequar e poder tirar proveito desses novos componentes do processo educativo. A formação continuada de professores propõe dar subsídios e pode ser proveitosa porque fornece novos componentes e ideias para lidar com essa realidade. Como agentes da socialização e também produtos dela, os professores se relacionam o tempo todo com essas formas de linguagem, assim como seus os alunos.

O problema dos docentes pode ser desdobrado em vários outros temas, tais como: a relação matricula x professores, as condições de trabalho, a renumeração, as condições e possibilidades em termos de aperfeiçoamento profissional, e outros.

O ofício de professor e seu papel na sociedade

Uma das características mais marcantes do oficio de ser professor é o fato de que ele mesmo, ao mesmo tempo em que é portador de uma determinada cultura, é também envolvido pela chamada cultura escolar que engloba vários outros elementos. De acordo com Penin (1994; p.26)’’ a escola cria ou produz, ela própria, um saber específico, considerando, de um lado, a confrontação entre os conhecimentos sistematizados disponíveis na cultura geral e de outro, aqueles menos elaborados, provenientes tanto da lógica institucional quanto das características da profissão, como ainda da vida cotidiana escolar. ’’ Ele ainda diz que a cultura geral e a cultura escolar contêm tantos conhecimentos sistematizados quanto saberes com diferentes níveis de elaboração. Esses saberes menos elaborados podem se referir a práticas discursivas, mas também práticas, a estratégia e relações interpessoais ou simplesmente a imagem. (p.28).

Durkhein, a Educação é um fato social que pode ser estudada sociologicamente, já que a realidade educacional possui natureza própria e pode ser estudada nas instituições pedagógicas. O sistema educacional pode ser estudado por ser parte de um todo que é a sociedade, à qual se integra na medida em que ambos têm um fim comum que é a socialização do individuo. É uma das instituições sociais e tal como é produto histórico. A educação para ele teria como um dos seus fins garantir uma certa homogeneidade entre os meios da sociedade  para possibilitar a vida social. Segundo Tura, o professor para Durkhein é um transmissor de saberes que devem ser valorizados, pois são essenciais à continuidade societária. É um agente de formação integral para os alunos e, por isso, tendo domínio das disposições pessoais para corresponder às exigências de seu tempo, pode criar condições para as mudanças sociais que se fizerem necessárias. Esta é a importante função social do mestre, de contribuição essencial para a formação de futuros cidadãos. (2002, p. 51).

Assim, os fins da educação também seriam determinados pela própria sociedade na busca pelo consenso, pela manutenção dos valores básicos que a sustenta e garante a sua existência. A Educação seria então um tipo de socialização “sistematizada”, algo pautado na disciplina e numa autoridade – o professor.

Marx não via na atividade da educação a possibilidade de transformação social da qual a sociedade necessitava porque, segundo ele, o próprio educador era parte do sistema e, portanto não teria condições de encaminhar a superação do capitalismo. Dizia que a atividade do educador tem limites dados por sua subjetividade enquanto ser social e pelo fato de ser também sujeito que é educado pelo sistema no qual se insere. O homem é muito mais resultado do meio em que se vive e só pode ser entendido plenamente se forem consideradas suas condições materiais de existência. Para Marx, a escola definitivamente não é o lugar a partir do qual pode ter inicio a transformação revolucionaria.

Finalmente, para completar nosso quadro referencial básico resta analisarmos Weber e entender a visão que ele tinha sobre educação e professor. Em linhas gerais, Weber, mesmo não tendo considerado diretamente a Educação como objeto de estudo, nos dá algumas pistas para podermos entender como via o processo educativo. Um dos traços mais claros é o fato de acreditar que por meio da educação e dos sistemas escolares se dava a imposição da cultura, dos valores da camada dominante da sociedade, o que lhe garantia sua legitimação e reprodução social. A inculcação desses valores e o acesso diferenciado aos bens culturais e materiais estariam relacionados com a classe social do individuo e, sendo assim, haveria diferentes bens culturais para diferentes grupos sociais de status diferentes também. Para simplificador podemos dizer que Weber acreditava que a educação, de certa forma, reproduz as desigualdades que se verifica na sociedade, por meio de mecanismos de dominação e burocratização dos sistemas escolares.

Diante disso, vale retomar um pouco a reflexão sobre o papel do professor na sociedade atual. Será que ele ainda pode ser visto como um agente de mudança? Partindo desse pressuposto de ser a escola uma agência socializadora, o professor exercia um papel que lhe garantia prestigio social, fato que muitas vezes servia para minimizar os problemas da profissão, alguns já mencionados acima. Porém, o que se vê hoje é uma revisão destas posições e destes pontos de vista, uma vez que a própria formação dos docentes mudou, procurando dar conta dos novos papeis dos professores e das novas funções da escola e da educação num mundo globalizado. Nesse contexto, o que se pode perceber é que a escola, o professor e o sistema educativo como um todo, não se colocam mais no centro como agencia socializadora, como agente de mudança. E, finalmente, a própria cultura escolar é vista como mais uma forma do conhecimento, concorrendo com outros meios e tecnologias de produção e transmissão do saber. Assim, é preciso destacar que as novas tecnologias e as novas metodologias incorporadas ao saber docente modificaram o papel tradicional do professor, o qual vê hoje que sua prática pedagógica precisa ser sempre (re) avaliada e atualizada.

Referência

PENIN, S. T. de S. A aula: espaço do conhecimento, lugar da cultura. Campinas: Papirus, 1994.

TURA, M. de L. R. Durkhein e a educação. In KONDER, L.(Org.) Sociologia para educadores. 2. Ed. Rio de Janeiro: Quartet, 2002.