A PRODUÇÃO DA FARINHA DA MANDIOCA NA REGIÃO DO URUARÁ: Uma atividade que está perdendo seu valor cultural, artístico, sentimental e identitário

Artigo produzido e divulgado em abril de 2021 em webartigos.com em Santa Maria do Uruará - Pará

 

Por: Sydney Pinto dos Santos[1]

Introdução

Às vezes ficamos pensando sobre os valores que a natureza tem para o ser humano; seja a terra em si ou as atividades/produções sobre ela, seja a água (pluvial e fluvial), sejam pelos animais, sejam pelos produtos in natura que esta oferece. Mas que, em dado momento as características de produção e execução nas atividades, como por exemplo, dos utensílios tradicionais utilizados na produção da farinha da mandioca, vão perdendo seus valores e significados, assim que novas tecnologias vão sendo gradativamente inseridas.

Como expressa Braga (2012, p. 154):

Essa ideologia conservacionista... pode levar a uma exploração limitada dos recursos (naturais)... Isto significa dizer que existem populações que simplesmente seguem regras culturais locais para o uso e apropriação dos recursos naturais, e estas, por sua vez, é que se definem como sustentáveis. Trata-se de uma relação que ultrapassa a consciência conservacionista e se expressa como uma fonte de vida.

Assim, vale destacar que a produção de farinha de mandioca, muito comum na Amazônia e nos estados da região Nordeste, por muito tempo, desde de nossos antepassados, os silvícolas brasileiros, além de trabalharem rudimentarmente a terra, também produziam seus próprios utensílios e/ou apetrechos ligados à produção desta tão notável, eficiente e valorosa atividade ligada hoje, a produção na agricultura familiar, o que significa muito mais do que o fato de não-agressão à natureza, mas expressa=se um espirito de respeito e interação entre estes agentes.

Estas características ligadas à produção da farinha de mandioca vão se perdendo, que se retratou anteriormente, quando novos elementos tecnológicos ligados à produção vão sendo paulatinamente introduzidos, no sentido de aprimorar a produção, reduzindo o tempo como também, elencando ganhos no quantitativo e qualitativo do produto oriundo da natureza.

Porém, vale ressaltar que, embora existam, não só na atividade da agricultura, como também na pesca, destes novos instrumentos, muitas comunidades denominadas tradicionais da agricultura familiar, resistem consideravelmente a estas “novidades”, seja pelo ônus, pela falta de orientação técnica e uso do equipamento, seja por manter os elementos tradicionais da produção.

Em meados do ano 2000, era vigente observar a produção expressiva da farinha de mandioca na Região do Uruará, município de Prainha, principalmente nas comunidades do chamado Alto Rio Pará do Uruará, dentre as quais se destacam: comunidade de Santa Cruz, Beira Rio, São Paulo, São Raimundo, Floresta, Monte Sinai, Pedra Branca; como outras, como a comunidade de Igarapé – Açu, onde nesta última, ainda a produção é presente em pequena escala, em proporcionalidade com a população atual consumidora.

Nestes tempos de 2000, os barcos a motor de pequeno calado que desciam o rio, partindo da comunidade de Floresta do Uruará, tinham como carga, o produto advindo da agricultura, e o principal era a farinha de mandioca, que lotava as embarcações contornando o Rio Pará do Uruará, até a vila de Santa Maria do Uruará, localizada no médio Uruará, onde eram vendidos os sacos com 60 quilos aos comerciantes locais, ou mesmo aos chamados atravessadores, quando estes, compravam razoável quantidade para exportar via fluvial para outros centros urbanos, como Santarém, Monte Alegre, Porto Santana (Amapá), Breves, e até mesmo a cidade de Manaus (Amazonas).

Assim este produto, que era transportado via barco a motor ou mesmo em canos a remo pelo Rio Pará do Uruará, ou ainda em carroças de boi, no caso da produção da comunidade de Igarapé Açu, eram ás vezes trocadas também por produtos de primeira necessidade, entre os quais se podem destacar, o arroz, o feijão, o açúcar, o óleo de soja e sabão, fazendo com que até a presente data ainda existisse o processo de escambo nesta região, embora o dinheiro em espécie vigorava e circulava em grande volume. Todavia, pela necessidade do agricultor/produtor, o mesmo acabava se subordinado ao ato, pela agilidade e o uso necessário destes produtos em sua rotina diária. Sabido que, além destes produtos, a troca acontecia também por instrumentos utilizados diretamente no espaço de produção como, cordas, terçados, foices, limas, botas, chapéus, sacas para empacotamento, facas, e outros apetrechos.

Como pode observar nas palavras de Pereira (2010, p. 38-39), sobre a produção da farinha de mandioca na Comunidade de Floresta:

é um sistema ou processo que tem suas várias implicações ecológicas, já que existe a derrubada de uma grande área de mata virgem. Quando podemos chamar todo esse desmatamento, e que consiste na prática de roçagem e derrubada da área em que será efetuada o plantio do roçado de mandioca, com isso há todo um processo que necessita de diversas formas de planejamento e técnicas. Lembrando ainda que, todo o processo de plantio, necessita de mão-de-obra especializada.

Nas palavras da autora, percebe-se que a mesma, refere-se ao tratamento preliminar da produção relacionada à farinha de mandioca, que vaio desde a preparação do terreno, passando pelo plantio, à espera e o período de colheita e execução da atividade, dentro do espaço destinado a esta atividade, mas nos dando uma dimensão enorme da dinâmica e complexidade da atividade, como do manejo e das técnicas utilizadas. Muitas delas passadas de geração em geração, dentro de um processo conhecido como conhecimento empírico.

Segundo Dos Santos (2016, p. 18), destaca sobre a produção na região do Uruará:

na região do Uruará, se concentra o extrativismo vegetal (extração de madeira) e o extrativismo animal (pescado). Fazendo com que a própria produção da farinha de mandioca se torne escassa em determinadas épocas do ano, tornando o produto mais oneroso ao consumido nesta época de escassez.

Esta escassez já se vem fazendo presente ao longo de décadas, precisamente, desde o ano de 2000, quando algumas características atitudinais dos próprios moradores foram mudando, em relação a agricultura familiar local, como por exemplo, passaram a alocar seus filhos para outros centros ou núcleos urbanos, assim desfazendo-se da mão – de – obra “auxiliar”, ficando os mais idosos, ou aqueles que anteriormente cultivavam ou praticavam a produção da farinha de mandioca; o que de certa forma declinou este repasse de conhecimentos e informações entre gerações.

Outro fator importante, o qual contribuiu para o declínio da produção da farinha de mandioca na região do Alto Rio Pará do Uruará, foi a criação da Reserva Renascer, a qual criou uma indecisão e incerteza futura para os moradores das comunidades locais; quando muitos destes produtores, se deslocaram com suas inteiras paras a vila maior da região, no caso, a Vila de Santa Maria do Uruará, criando assim um “vácuo” em relação à produção advinda da agricultura familiar na região. Um verdadeiro êxodo, um verdadeiro inchamento do núcleo urbano que se viu de uma hora para outra oferecer condições de ingresso e sobrevivência para seus novos moradores.

Neste contexto, ainda podemos destacar, a transferência de renda aos “mais necessitados, quando a maioria desta população passou a se conformar com o recebimento dos valores advindo dos programas federais, elevando com isto um tipo de “conformismo”, tipo com “isto dar para viver, mesmo que seja pouco”. Notadamente, um progresso pouco satisfatório e infeliz; visto que, as pessoas, acreditavam que esta transferência de renda seria o suficiente para viver, em vez de produzirem na terra, o que dava muito mais recursos financeiros para suprir suas variadas necessidades sociais.

Considerações posteriores

Percebe-se que com os passar dos tempos, algumas atividades, inclusive àquelas ligadas as comunidades tradicionais, e que tem a produção local como economia de subsistência, vão aos poucos perdendo seus valores, sejam eles culturais, interacionais com a natureza e o meio ambiente, sejam os pela inserção de novas tecnologias na sociedade e nas atividades ditas “manuais”, sejam pela falta de interesse dos mais jovens de seguir a laborar o que seu pais faziam. Não importa a causa, o que importa são os registros notáveis e dentro de uma lógica, nem que seja do saudosismo e do conhecimento empírico, o que muitas vezes ficam gravadas nas memorias daqueles que ainda pertencem a uma geração da oralidade e do “contar de histórias”, ou famosos causos.

Ainda assim, estas são vivencias que devem e precisam serem estudadas e pesquisadas pelos centros acadêmicos e universitários, com a pretensão de elencar elementos históricos que tiveram grande sentido na evolução do homem, este ser que sempre conseguiu retirar o suficiente do meio ambiente, olhando seus limites e assim, respeitando a terra em si. Pois sabemos que as mudanças são inevitáveis, e com isto acabam desaparecendo os vestígios desta vivência e boa convivência do ser humano com a natureza, porem que precisam ser resgatados, pois enfatizam a harmonização do homem em relação a sua própria sorte e sobrevivência como elemento natural e consequentemente social.

Mas é sabido que, no bojo das transformações existentes, independente do campo, o homem certamente vai ser o propulsor destas “reformas”, as quais são importantes, quanto eficazes para o notável e eficaz relacionamento com o meio, no sentido amplo de respeita a natureza em detrimento com as produções, mesmo que seja aquela aqui abordada como objeto deste estudo: a farinha de mandioca.

REFERÊNCIAS

BRAGA, Tony Marcos Porto. Conhecimento Tradicional: Conceitos e Definições. In: SOUZA, M. F. M.; MORAIS, Andrei Santos (orgs.). Origem e Evolução do Conhecimento – OEC. Vol.1. UFOPA, - Santarém- PA, 2012.139 – 160.

DOS SANTOS. Sydney Pinto. (Org.) SANTA MARIA DO URUARÁ - SÍNTESE/RELATÓRIO DO MINI-ESTUDO SÓCIO ECONÔMICO DA VILA DE SANTA MARIA DO URUARÁ E REGIÃO DO URUARÁ - 2015 – 2016. Santa Maria do Uruará – Prainha. 2016. Disponível em: https://www.webartigos.com › artigos

PEREIRA, Maria Helena Guedes. AGRICULTURA FAMILIAR NA COMUNIDADE DE FLORESTA. UCB  2010.

 

 

 

[1] Professor e pedagogo da rede Pública de Ensino de Prainha – Pará desde 1998.

Mestrado em Educação (Formação de Professores) pela UNINI/FUNIBER - 2021