A problemática entre o Público e o Privado enquanto fator determinante para depreciação do Centro Histórico de São Luís - MA*


Roberta Costa Novaes**


SUMÁRIO: Introdução; 1. Patrimônio Cultural Brasileiro; 1.1. Patrimônio Cultural e seus aspectos constitucionais; 1.1.2. A Partilha de Competências; 1.1.2. Órgãos Históricos, Artísticos e Culturais; 1.2. Tombamento; 2. Patrimônio Cultural Maranhense; 2.1. Patrimônio Histórico de São Luís; 3. A dicotomia entre o Público e o Privado; 3.1. Propriedade Privada versus Função Social da Propriedade; Conclusão; Referências.



RESUMO

Apresenta-se uma análise geral acerca do que seria o Patrimônio Cultural, levando em conta seus aspectos constitucionais e ambientais. Bem como inserido neste contexto a problemática existente no Centro Histórico de São Luís ? MA, patrimônio esse tombado pela UNESCO desde 1997, que vem sendo depreciado com a não preservação de seus monumentos, fator esse causado principalmente pela inobservância da função social da propriedade, pois os proprietários desses imóveis, não compreendem que uma vez tombado esse patrimônio passa a ser bem de uso comum do povo, da coletividade e não mais privado.


PALAVRA-CHAVE
Patrimônio Ambiental Cultural. Centro Histórico de São Luís. Propriedade Privada. Função Social da Propriedade.

Introdução

O Patrimônio Cultural insere-se na problemática do patrimônio ambiental, à medida que deixa de ser considerado propriedade privada e passa a ser bem de uso comum do povo. Corresponde aos bens culturais de um povo que foram manifestados e construídos há anos, bem como aqueles que possam surgir, a intenção de preservar é estimular a memória das pessoas que estão vinculadas a essa história assegurando a identidade cultural a futuras gerações, fator que determina seu caráter transgeracional. O maior objetivo da conservação dos bens materiais e imateriais é a preservação e continuidade das manifestações culturais.
O Centro Histórico de São Luís foi tombado em 1997 pela UNESCO e reconhecida internacionalmente como Patrimônio Histórico Cultural e Artístico, possui cerca de 5.600 imóveis tombados pelo Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Paisagístico pela Superintendência do Patrimônio Cultural e pela Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (DPHAP), dos quais 1.000 estão incluídos na área de tombamento federal, de responsabilidade do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No entanto esse patrimônio vem sofrendo grandes problemas tanto por parte dos donos dos imóveis, que insistem em manter a postura de proprietário expressa no antigo Código Civil quanto do Poder Público que com suas ações negativas não conseguem efetivar a função social da propriedade do local.

1. Patrimônio Ambiental Cultural Brasileiro


A idéia de patrimônio remete a formação das primeiras civilizações, quando o pater procurava defender o local de onde tirava sua subsistência e de sua família, além de que era o que tinha para deixar a seus descendentes, essa noção estava totalmente vinculada ao setor privado. Com o advento de sociedades mais organizadas, a propriedade até então confundida com patrimônio privado, começa a tomar delineamentos também de setor público, ficando agora não mais sob o poder de determinada família ou sociedade, mas também do Estado.
Patrimônio pode ser entendido em seu sentido lato como um conjunto de bens que compõe uma realidade econômica, ambiental, política, social, cultural. Possui um cunho tanto público quanto privado. Entende-se por cultura tudo aquilo que é criado, transformado pelo homem através de suas ações e práticas sociais; ela retrata a identidade de determinado povo, através de comportamentos, regras, valores, instituições. É nessa perspectiva que se inicia a idéia do que seria Patrimônio Cultural, como o conjunto de bens construídos, modificados, transformados pelo homem através de seus atos e de suas relações sociais, é o retrato, a história de diferentes civilizações. Para Machado,
O patrimônio cultural representa o trabalho, a criatividade, a espiritualidade e as crenças, o cotidiano e o extraordinário de gerações anteriores, diante do qual a geração presente terá que emitir um juízo de valor, dizendo o que quererá conservar, modificar ou até demolir. Esse patrimônio é recebido sem mérito da geração que o recebe, mas não continuará a existir sem seu apoio. O patrimônio cultural deve ser fruído pela geração presente, sem prejudicar possibilidade de fruição pela geração presente, sem prejudicar a possibilidade de fruição da geração futura.

O Patrimônio Ambiental Cultural corresponde a um dos patrimônios ambientais nacionais, que se divide em: Patrimônio Ambiental Natural (que são os elementos abióticos e bióticos, como ar, água, solo, flora, fauna); Patrimônio Ambiental Artificial (que é aquele construído pelo espaço urbano construído e por equipamentos públicos); e o que merece mais atenção Patrimônio Ambiental Cultural (as criações do homem, traduzidas em suas obras, em registros, pinturas, etc.).

1.1 Patrimônio Ambiental Cultural e seus aspectos constitucionais


A Constituição representa a norma fundamental de um Estado, é nela que contém toda a organização, garantias, direitos e deveres dos cidadãos. A primeira Constituição republicana brasileira, de 1934, representou grandes mudanças e inovações em comparação com as duas outras do império, foi nessa Carta que a idéia de patrimônio cultural começa a ser delineada na realidade brasileira, quando atribui competência à União e aos Estados para proteger as belezas naturais e os monumentos de valor histórico e artístico. Já a Constituição de 1937 abrangeu a competência agora aos municípios e equipara os atentados cometidos contra os monumentos históricos e artísticos ou naturais aos cometidos contra o patrimônio nacional; em 1946 previu que esse patrimônio ficasse sob a proteção do Poder Público; na Carta de 1967 compete ao Estado o amparo à cultura; já na Constituição de 1988 o conceito e abrangência do patrimônio cultural são aprimorados em seu art. 216. E segundo Milaré acerca da importância da Carta magna de 1988,

Rompeu-se, como se vê, com uma tradição do Direito Constitucional brasileiro que, desde 1934, limitava-se a declarar protegidos bens de valor histórico, artístico, arqueológico e paisagístico, sem procurar, entretanto, definir as abrangências desses conceitos.


Antes da Carta Magna de 1988, patrimônio cultural era entendido como propriedade no sentido percebido pelo art. 524 e 525 do Antigo Código Civil, em que o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, idéia de bem privado; porém com o advento da Constituição de 1988, esse passou a ser entendido enquanto bem público, deixou de ser tutelado pelo Código Civil enquanto propriedade. Sendo bem ambiental público, direito de todos, o patrimônio cultural passou a ser assegurado enquanto direito fundamental, tendo garantida a sua não propriedade individual. Quanto a isso bem destaca Fiorillo,

Ao estabelecer como dever do Poder Público, com a colaboração da comunidade, preservar o patrimônio cultural, a Constituição Federal ratifica a natureza jurídica de bem difuso, porquanto pertence a todos. Um domínio preenchido pelos elementos de fruição (uso e gozo do bem objeto do direito) sem comprometimento de sua integridade, para que outros titulares, inclusive os de gerações vindouras, possam também exercer com plenitude o mesmo direito.


A Constituição em seu art. 216 conceitua o patrimônio cultural brasileiro como sendo os bens de natureza material ou imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, que se refiram à identidade, ações, memórias dos grupos formadores da sociedade brasileira. Entende-se por bem material, as criações em si, como obras, pinturas, monumentos, documentos, dentre outros, e como imaterial as criações e expressões da cultura popular principalmente as transmitidas oralmente. É conveniente destacar que patrimônio cultural não deve ser entendido apenas nos bens já existentes ou criados há centenas de anos, mas também os que possam vir a existir.

1.1.2 A Partilha de Competências


O Estado brasileiro possui a forma de estado composto, também chamado de Estado Federal ou federação, em que os entes da federação, são dotados de autonomia político-constitucional, e essa autonomia pressupõe a repartição de competências estruturada pela Constituição de 1988. Para Silva,

Competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma entidade ou a um órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar funções.

As competências dividem-se em legislativas e materiais. A competência para legislar sobre o patrimônio cultural, turístico e paisagístico, é concorrente, a União, aos Estados e ao Distrito Federal, está expressa no art. 24, VII da Constituição Federal. A União institui normas gerais cabendo aos entes federados suplementá-las. Quanto à competência material, os entes da federação, União, Estados, Distrito Federal e Municípios, possuem competência comum, art. 23, III, IV e V.

O município sofre limitações maiores tanto no plano executório quanto no legislativo, ficando sujeito às normas da União e do Estado, eis que sua competência legislativa é suplementar, decorrente da competência executiva e convalidada pela regra do interessa local.


A Constituição Federal em seu art. 30, I, VIII, IX, assegura competência aos municípios de legislar sobre assuntos de interesse local, pois é neste âmbito que mais se refletem os problemas ambientais; promover o ordenamento territorial, mediante planejamento e uso do solo, o que é feito através do Plano Diretor das cidades com mais de 20.000 habitantes; e a proteção do patrimônio histórico-cultural local. Suas normas devem ter consonância com as normas federais e estaduais, podem inclusive ser mais rígidas, mas nunca mais flexíveis.

1.2 Instrumentos de Proteção ao Patrimônio


Os instrumentos de proteção ambiental correspondem a todos aqueles que são utilizados como forma de preservação do patrimônio, erroneamente entende-se somente o tombamento como instrumento, mas apesar de mais utilizado, não é o único, segundo o art. 216 §1º da Constituição Federal, que afirma que pode ser através de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação e de outras formas de acautelamento e preservação.
Os bens de natureza imaterial, dispostos no Decreto Federal 3.551 de 04.08.2000, por ser um bem intangível, não se faz necessário o tombamento, mas sim registro, que é o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial, onde existem quatro livros diferentes a depender das manifestações, por exemplo, no Livro de Registro de Saberes serão inscritos conhecimentos e modos de fazer enraizados na sociedade; no Livro de Registro das Celebrações, os rituais e festas que marcam a vivência coletiva de uma sociedade. A condição primordial para se obter o registro é a continuidade histórica do bem cultural, que é identificada a partir de estudos históricos e etnográficos.
Quanto ao tombamento, tem esse nome, pois durante séculos em Portugal, os arquivos estatais eram guardados na Torre do Tombo. Tombar significa registrar, inventariar ou inscrever. É uma forma de implementar a função social da propriedade. Segundo Moreira Neto,

É uma intervenção ordinária e concreta do estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada a preservação, sob regime especial, dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico.


Consiste em um processo administrativo, que varia em função da modalidade do tombamento, que pode ser quanto ao procedimento (de ofício, voluntário ou compulsório); quanto à eficácia (provisório ou definitivo) e quanto aos destinatários (individual ou geral). Essas modalidades estão bem definidas nos arts. 5º e 6º do Decreto-Lei 25/1937. Ao procedimento de ofício incide sobre os bens públicos, o voluntário e o compulsório sobre bens particulares, sendo que o primeiro sempre que o proprietário pedir e a coisa for considerada de valor cultural, o segundo sempre que houver resistência por parte do proprietário. No tocante à eficácia, corresponde os dois ao processo de inicio e fim do tombamento; e quanto aos destinatários, individual quando atingir um bem determinado e geral quando fizer menção a todos os bens de determinada área.

O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico nacional foi criado em abril/36, sendo Presidente da República Getúlio Vargas e ministro da Educação Gustavo Capema. O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN é mencionado como órgão administrativo federal que se encarrega das várias funções executivas na área do patrimônio histórico. O organizador do SPHAN e seu primeiro diretor foi Rodrigo de Mello Franco Andrade.


Esse processo de tombar, registrar, desapropriar, inventariar no Brasil são feitos pelos seguintes órgãos administrativos, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional criado pela Lei 378 de 13.01.37, que em seu art. 46, delineia sua finalidade de promover, em todo o país e de modo permanente, o tombamento, a conservação, o enriquecimento e o conhecimento do patrimônio histórico e artístico nacional; tem como órgão executivo o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), que tem sua estrutura bem definida no Decreto 5.040/04, que substituiu o antigo Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural de 1990. A finalidade do IPHAN é de proteger, fiscalizar, promover, estudar e pesquisar o patrimônio cultural brasileiro, nos termos do art. 216 da Constituição Federal. Em nível de reconhecimento internacional tem-se a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)

2. Patrimônio Ambiental Cultural de São Luís

O Centro Histórico de São Luís, em 04 de dezembro de 1997, foi reconhecido como sendo Patrimônio Mundial. Isto devido a características peculiares existentes no mesmo, tanto em se tratando de um conjunto arquitetônico remanescente dos séculos XVIII e XIX, quanto às manifestações culturais existentes que propiciam à cidade de São Luís identidade e personalidade histórica e cultural própria.
Em relação às características arquitetônicas de São Luís - que segundo relatório da UNESCO foi um dos três critérios adotados para a atribuição de tal título-, Bogéa se refere:

O centro Histórico de São Luís apresenta textura compacta e regular, formado por quadras de tamanho reduzido (oitenta por oitenta metros), edificações implantadas sobre malha urbana viária ortogonal no sentido norte-sul, de forma contínua nas testadas de lotes, estabelecendo alinhamento regular com movimentos que variam nas alturas das fachadas e telhados. Observam-se ligeiras modificações na direção e larguras das vias, que variam entre sete e dez metros de largura.


Devido a essa importância cultural para a humanidade, o patrimônio cultural não é apenas Federal, Estadual ou Municipal, mas sim brasileiro e mundial. Ou seja, a preservação de um sítio urbano não visa apenas a preservação da memória cultural a um nível mais restrito, e sim a preservação a nível "de todos". Nesse sentido de preservação, o governo, nos anos de 1986 e 1987 através do Projeto Reviver investiu na recuperação do Centro Histórico e propiciou a restauração de 200 casarões no bairro da Praia Grande, além de outras obras que visavam a preservação e manutenção dessa identidade histórica. É interessante destacar que nessa época o patrimônio de São Luís já estava tombado pelo governo federal (1955) só ainda não havia tido o reconhecimento internacional pela UNESCO.
Entretanto, o Projeto Reviver, recebe criticas em relação ao seu caráter de "revitalização", pois no mencionado projeto, as reformas implementadas pelo governo serviam para a transformação de antigos casarões em sedes de Secretaria de Estado; o que pertine a um questionamento a cerca dos interesses da "revitalização" do Centro Histórico. Segundo Corrêa:

Revitalização é um processo desencadeado no sentido de fazer retornar, preservar, conservar e promover as características de algo que perdeu o vigor histórico. Quem vai decidir o que deve, ou não, ser revitalizado? Quase nunca são ouvidos aqueles diretamente ao problema, isto é, as comunidades que moram nos bairros históricos são sempre negligenciadas.


Nesse prisma, temos obras de conservação feitas pelo Poder Público com o mero intuito de promover a alocação de suas sedes burocráticas, inexistindo em muitos casos a participação da sociedade. Mais grave ainda são os casos onde os membros da sociedade civil que são donos de algum imóvel situado no sítio urbano e cooperam com o Poder Público, por não entender o caráter transindividual do patrimônio cultural.

2.1 Lei Orgânica Municipal, Plano Diretor e conservação do Patrimônio Cultural

O Município em conformidade com a Constituição Federal, no tocante ao tema de preservação do Patrimônio Cultural - de caráter transgeracional e transindividual- possui medidas capazes de promover a conservação do acervo histórico-cultural municipal. Neste sentido, a Lei Orgânica do Município de São Luís já define planos de ação para a proteção e restauração do Centro Histórico, conforme dispõe:

Art. 155 - O Município, através de lei específica, estimulará os proprietários, as instituições e as empresas públicas ou privadas que executem ou promovam a restauração e preservação de patrimônio cultural do valor histórico, tombado pelo poder público, existente em São Luis.

Através do Plano Diretor Municipal, será dada uma ampla diretriz em relação ao crescimento urbano (uso e ocupação do solo urbano e rural) em conformidade com a manutenção da sadia qualidade de vida, não havendo o comprometimento do ambiente tanto urbano quanto rural.
Em seu art. 3º e 4º, fica caracterizado que dentro das diretrizes há espaço para a preservação do Patrimônio Cultural:

Art. 3 ? Compreendem os objetivos gerais do Plano Diretor do Município de São Luís; VI ? Preservar, conservar, proteger, recuperar e desenvolver o patrimônio sócio-ambiental e cultural de forma sustentável. (...)
Art. 4 ? Compreender as diretrizes Gerais do Plano Diretor; II ? Garantir a qualidade do meio ambiente urbano e rural, por meio de ações que promovam preservação e prestação do recursos naturais e do patrimônio histórico, artístico, cultural, urbanístico, arqueológico e paisagístico.


Além desta previsão geral acerca do Patrimônio Cultural, o Plano Diretor reserva uma seção que trata exclusivamente sobre a preservação do mesmo, conforme dispõe o art.69:

A política de preservação do Patrimônio Cultural do Município visa assegurar a proteção, disciplinar a preservação e, resgatar o sentido social do acervo de bens culturais existentes ao possibilitar sua apropriação e vivência por todas as camadas sociais que a eles atribuem significados e os compartilham, criando um vínculo efetivo entre os habitantes e sua herança cultural e garantindo sua permanência e usufruto para as próximas gerações.


No âmbito da propriedade privada, o plano diretor visa legitimar o exercício da mesma incorporando a premissa de função social ao seu uso, pois apesar de existirem bens imóveis do Centro Histórico nas mãos de privados, estes necessitam apreender que só são legitimados quando promover o exercício da propriedade em prol da comunidade.

3. Direito de Propriedade versus Função Social da Propriedade

O Direito de propriedade, segundo o Novo Código Civil em seu art.1228, é o direito que o proprietário tem de usar, gozar e dispor da coisa e ter o direito de reavê-la do poder de quem injustamente o detenha, mas a diferença em relação ao Código de 1916 são os parágrafos inseridos a esse artigo, principalmente ao §1º, que a idéia de patrimônio passa a ser vinculada à preservação do meio ambiente.
Com o tombamento o proprietário não perde seu direito de propriedade, continua sendo dono da propriedade, porém estão sujeitos a regras impostas pelos órgãos administrativos que geram a preservação do bem. Para Machado, o bem privado passa a ter um regime jurídico de tutela pública . Quanto a isso destaca Silva, na verdade o tombamento impõe algumas limitações ao exercício do direito de propriedade, cujos efeitos jurídicos usuais são: restrição a alienabilidade, restrição a vizinhança, vedação a modificação do bem e a obrigação do proprietário em de conservá-lo.
Dentre os deveres do proprietário estão, dever de comunicar a necessidade do bem tombado, se não o fizer tem como penalidade pagamento de multa; dever de não destruir, demolir, deteriorar, mutilar ou inutilizar a coisa tombada; dever de solicitar ao Poder Público autorização para reparar, pintar ou restaurar; dever de solicitar autorização para colar cartazes; dever de comunicar ao Poder Público intenção de vender a coisa tombada, sendo que a oferta deve ser feita primeiramente à União, Estado e Município de onde se encontrar o bem, para só então oferecer para quem quiser; dever de solicitar autorização da coisa tombada do país. Ele também possui alguns direitos e dentre eles, direito de pedir o cancelamento do tombamento, caso o órgão público tratar com descaso solicitações de conservação e de reparação do bem; e direito de usar a coisa tombada, pois o proprietário não perde seu direito de propriedade, só que claro, essa agora possui restrições já mencionadas.
Existem divergências na doutrina quanto a problemática de indenizar o proprietário que possui seu bem tombado, a maioria dos doutrinadores defendem a idéia de que o bem tombado não gera ao proprietário indenização, salvo se ocorrer dano e esse for resultado de ato ilícito e de abuso de direito por parte dos órgãos públicos. Como bem destaca Milaré,

Tem prevalecido na literatura jurídica o entendimento de que o tombamento, em si, não gera direito de indenização. É que a simples declaração de interesse cultural em determinado bem, por encerrar restrição administrativa que apenas obriga o proprietário a mantê-lo dentro de suas características para a proteção da memória nacional, não engendra situação de prejuízo capaz de justificar qualquer dever de indenizatório para o Poder Público.


A Jurisprudência em suas decisões de maneira equivocada vem entendendo que a indenização deve existir, pois acredita que o tombamento impede o uso, gozo e disposição do bem, o que nem sempre acontece. Defende que a proteção mais efetiva do bem só pode ser dada com a desapropriação e não somente com o tombamento, o que explica a obrigatoriedade de indenização.
A Carta Magna de 1988 trouxe consigo a idéia de propriedade atrelada ao princípio da função social da propriedade, em que o caráter absolutista e individualista dado a propriedade passa a ser repensado, afastando-se o conceito trazido pelo antigo Código Civil, que o novo conseguiu remodelar quando afirma em seu art. 1228, §1ª que o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico. Para Figueiredo,

Duguit sustenta que a propriedade não tem mais um caráter absoluto e intangível. O proprietário, pelo fato de possuir uma riqueza deve cumprir uma função social. Seus direitos de proprietário só estarão protegidos se ele cultivar a terra ou se não permitir a ruína de sua casa. Caso contrário, será legítima a intervenção dos governantes no sentido de obrigarem o cumprimento pelo proprietário, de sua função social.

É incorreto entender que a propriedade exerce sua função social somente quando se leva em conta seu aspecto econômico, não é o fato de poder tirar proveito, vantagens da terra que significa que essa está cumprindo sua função social, é claro que este é de grande significância, mas não é o único.
A Constituição Federal trás em seu art. 182 §1º a função social da propriedade em imóveis urbanos, e afirma que será regulada por Plano Diretor, no de São Luís além dos art. 3 e 4 supracitados, observa-se o art. 23 que fala do uso e ocupação do solo urbano e rural universalizando o acesso a terra, respeitando condições ambientais, recursos naturais garantindo melhor qualidade de vida. Observa-se então, que a função social da propriedade ultrapassa os limites meramente econômicos, a preservação do meio ambiente bem como sua utilização de maneira racional é fator primordial para a efetivação da função social da propriedade.

3.1 A dicotomia entre o Público e o Privado no Centro Histórico de São Luís


O Centro Histórico de São Luís é reconhecido internacionalmente enquanto patrimônio ambiental histórico-cultural pela UNESCO. É através do tombamento que determinado bem, seja ele material ou imaterial se torna patrimônio público, porém existe uma problemática que acompanha todo o desenvolvimento ambiental, cultural, histórico e artístico do local em questão. A grande maioria das propriedades do Centro Histórico eram propriedades privadas, em que o dono possui direitos de usar, gozar e dispor desse bem. Porém como já percebido quando um bem passa a ser de interesse da coletividade devido seu valor cultural, esse passa a ser assegurando enquanto bem fundamental de toda uma sociedade, um bem difuso, de uso comum do povo, e o problema insere-se aqui, pois como entender que uma propriedade considerada individual por direito passa a pertencer a uma coletividade?
O dono do imóvel não perde a posse com o tombamento, pois não existe a desapropriação até então nesse caso, e nem seus direitos de usar, gozar e dispor do seu bem, o problema agora gira em torno de seus direitos e deveres que devem ser cumpridos, tanto por parte do proprietário quanto por parte da Administração Publica, pois agora se enquadram não propriamente em questões individuais, mas sim coletivas. O problema mais atual que existe no Centro Histórico de São Luís e que remete muito bem a essa problemática é o fato dos donos dos imóveis transformarem esses casarões em grandes estacionamentos, valendo-se de uma visão econômica que como já se percebeu não proporciona a efetivação da função social da propriedade. A superintendente do IPHAN, Kátia Bogéa em entrevista sobre esse assunto, publicada no site da Defesa Civil, afirma que:

É preciso ir além do simples fechamento estacionamento e recuperar os casarões: O que se precisa é juntar todas as instituições federais, estaduais, municipais principalmente, porque é competência da prefeitura a gestão do solo urbano, e formalize um termo de ajuste de conduta buscando a resolução dessa situação, ou seja, buscando a elaboração de um plano de mobilidade viária para o Centro Histórico de São Luís. (2009)


Outro ponto a ser discutido é a conservação dos casarões, pois é de dever do proprietário não destruir, demolir, deteriorar, inutilizar, solicitar autorização para pintar, reparar, ou restaurar e isso não vem acontecendo, pois não há conservação alguma por parte dos donos dos imóveis. É preciso que os proprietários entendam que eles continuam sendo donos do bem, e precisa conservá-lo, a diferença é que toda ação de reparação tem que está vinculado ao Poder Público. Mas isso acontece principalmente pelo não conhecimento sobre a preservação do bem tombado, pois caso o dono do imóvel queira recuperá-lo o pode fazer, mas o que não pode é descaracterizar os casarões. E ainda na mesma entrevista, a superintendente destaca:

As fiscalizações do instituto são rotineiras, segundo a superintendente. Ela lembrou que, quando o proprietário deseja reformar o prédio, deve fazer uma solicitação ao órgão. Caso seja a aprovada, é feita uma vistoria para verificar se a obra está de acordo com o projeto. Quando há alguma irregularidade, é feito o embargo e, dependendo da gravidade, é dada entrada em uma ação judicial. As fiscalizações do instituto são rotineiras, segundo a superintendente. Ela lembrou que, quando o proprietário deseja reformar o prédio, deve fazer uma solicitação ao órgão. Caso seja a aprovada, é feita uma vistoria para verificar se a obra está de acordo com o projeto. Quando há alguma irregularidade, é feito o embargo e, dependendo da gravidade, é dada entrada em uma ação judicial. (2009)

Diante desses dois problemas enfatizados percebe-se que o Centro Histórico de São Luís não há a presença do princípio da função social da propriedade, principalmente pelo fato de não cumprir com os requisitos do art. 187 da Constituição Federal, além disso, pela não conscientização da população com esses bens, pois esses são da coletividade, pertencem a todos, de uso comum do povo e deveriam ser preservados, não só por parte dos proprietários, mas também por toda a sociedade, sem falar que o Poder Público, precisamente em nível local deixa a desejar quanto à preservação do bem, não sendo efetivo nas decisões judiciais e ainda se eximindo de seu poder de polícia e fiscalizador de ações que venham a depreciar o patrimônio ambiental cultual de São Luís.

Conclusão

Quando um bem é tombado sua característica principal é deixar de ser de propriedade individual e passar a ser de uso coletivo, ressalvando que o proprietário não perde seus direitos enquanto dono do imóvel, apenas passa a ter restrições quanto ao uso, gozo e disposição do bem, isso porque sua propriedade passa a ser de direito fundamental de uso comum do povo, o mesmo passa a ter agora mais deveres que direitos sobre seu imóvel. Porém, a maioria dos proprietários no Centro Histórico de São Luís, não entende a função e a importância cultural desses monumentos para toda a humanidade, isso, pois a noção de propriedade individual trazida pelo antigo Código Civil ainda permeia de maneira significativa, pois somente com o novo Código Civil de 2002 que a propriedade passou a ter cunho social.
Dessa maneira entende-se que a propriedade necessita ter uma função social, e isso não ocorre no Centro Histórico de São Luís, os monumentos são utilizados pelos proprietários como fim econômico, tornando-os estacionamentos, fazendo com que prejudique toda a estrutura do local, é percebido que o tombamento não prejudica a atividade econômica, apenas procura estabelecer relações com outros requisitos como a preservação do ambiente em que estão inseridos os imóveis, dentre outros, e se esses requisitos não forem preenchidos não há que se falar em função social da propriedade.
Outro problema é a não conservação dos casarões, o proprietário deve conservar seu imóvel, o que não pode fazer é com restauração, pinturas descaracterizar a arquitetura do local, e o mais interessante é que o Poder Público se responsabiliza pelas custas com esses bens, basta solicitar, se o órgão aprovar em até seis meses é liberado a verba para preservação do monumento. O que ocorre na realidade é um descaso tanto por parte dos proprietários quanto do Poder Público local que acaba por não agir de maneira a intervir nas ações dos proprietários que estão preocupados somente com seus próprios interesses. É necessário que se crie uma conscientização ambiental e cultural sobre a importância desses monumentos e quanto aos direitos e deveres dos donos desses casarões, a fim de que as gerações futuras não venham a sofrer com a ausência de bem de tamanha significância.

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