No último sábado, 27 de agosto de 2022 foi noticiada a confirmação da morte que ocorrera na terça-feira dia 23 de agosto de 2022 do que se convencionou a chamar de “Índio do Buraco”. Sobre apelidos e rótulos podemos discutir em outro momento, afinal renderia muito assunto, mas hoje o foco nesta nota é sobre o respeito pela sua partida e a perda significativa que restou aos vivos.

Quando alguém deixa de existir nesta realidade o mundo sente sua ausência e pior que a ausência é a presença da sua ausência que permanece e permanecerá durante muito tempo em nossa memória. Esta pessoa que nos leva a escrever e refletir neste dia poderia ter morrido só e se um dia não tivesse sido encontrado poderia ter deixado de existir sem que ninguém desse por sua falta. Mas ele certo dia foi encontrado e seu valor foi imensurável, afinal, era ele o último de seu povo. Nestes termos a presença de sua ausência se torna ainda mais incômoda e icônica agora, ao menos para aqueles sendo empáticos e sensíveis à questão humana mesma.

Morre uma pessoa e com ela literalmente nestes casos morre o nome de seu povo que nem sabemos qual, mas soubemos dar um apelido “Índio do Buraco”, nada mais genérico e cômico para descrever o último de seu povo, uma pena, a humanidade poderia ter sido melhor e mais respeitosa neste ponto de descrição. Conta-se que se sabia de sua existência a 30 anos. No mínimo estranho ninguém ter perguntado ou entrado em contato em algum momento para saber algo. Mas enfim, também não se pretende aqui entrar nos méritos e métodos científicos, apenas refletir.  

Sua morte representa para toda a humanidade uma tremenda falha como humanos mesmos, porque sempre os ditos civilizados se propõem a melhorar e transformar a realidade de forma que a vida seja muito melhor do que sempre foi e não é bem assim que as coisas acontecem. Na verdade, o que temos por trás destes “trapos paternalistas de arautos da salvação” é uma falha terrível que nos impede de acessar o outro na sua integralidade e originalidade. Exemplo disso, é este ser humano que faleceu nesta semana. Reflita sobre isso “ele era o último de seu povo”, nós não sabemos o real peso dessas palavras. No máximo que conseguiremos fazer é dar uma floreada, romancear sobre isso, mas sentir enquanto sentir não sentiremos e não sentiremos porque não sabemos nada sobre essa pessoa. Quem eram seu povo, sua língua, sua cosmovisão, e sobretudo como deveria se sentir ele não vê mais diante de si aqueles com quem cresceu e amadureceu.

Sua morte é o símbolo do que estamos fazendo a nós mesmos, estamos nos tornando ausência através da criação de ausências dos outros que não queremos ser ou reconhecer que existem. E nesta dinâmica ímpar de morte do outro a perplexidade que resulta é a do caos gerado pela fatalidade da impossibilidade de contato com o elemento chave de uma cultura que parte sem deixar traços.

Podemos nos perguntar agora sobre quais serão as melhores atitudes a serem tomadas para evitar que no presente e no futuro a exemplo do passado tenhamos novas formas de criação de morte e sobretudo como resultado tenhamos que viver com a incômoda presença de novas ausências. Certamente a esperança é que atitudes mais amadurecidas de proteção, resgate e valorização das culturas ancestrais são esperadas. Até porque seria um tremendo retrocesso para uma dita sociedade avançada em politicas e direitos humanos permitir que novas situações degradantes como as de outrora possam ressurgir como uma fênix fatal.

Como dito anteriormente uma saída para não cometer erros como os do passado é a valorização dos povos ancestrais com tudo aquilo que os compõe e os mantém enquanto povo. A eles pertencem uma cosmovisão que é totalmente distinta do que estamos habituados justamente porque estão conectados a uma dimensão que não faz parte do nosso contexto educacional, por exemplo. Enquanto precisamos de livros didáticos e métodos mirabolantes vindos em sua grande maioria de países estrangeiros, o indígena por sua vez educa os seus a partir do livro que é a própria via, ou seja, a natureza. Suas tradições, suas experiências, sua religiosidade é passada de geração em geração através da oralidade, ou seja, através do sopro da vida. Não existe escrita mais poderosa do que aquela gravada para a eternidade e é isso o que as culturas ancestrais fazem. Perpetuando suas crenças, perpetuam também sua originalidade e autenticidade.

Neste dia de confirmação fúnebre, a humanidade se torna mais pobre. Pois se perdeu a oportunidade de crescermos com o diferente aprendendo sua língua, hábitos, costumes, sua religiosidade e seu entendimento sobre o mundo. Mas o alerta permanece: quantas existências mais terão de se tornar ausências para podermos aprender que o valor da vida humana não tem preço?