Por: Neomésio José de Souza

Mestre em Direito pela UFC

Professor da UFAM, aposentado

Procurador Federal da AGU, aposentado.

 

RESUMO: O conhecimento da prescrição das infrações disciplinares é de relevante interesse para os advogados e julgadores do TED. É matéria de ordem pública e pode ser declarada de ofício ou a requerimento da parte interessada. Prazo inicial das prescrições quinquenais e intercorrentes. Apuração de responsabilidades dos que ensejaram a ocorrência do implemento prescricional. Procedimentos administrativos sobre reconhecimento de prescrição, decidindo pelo arquivamento ou instauração de processo disciplinar. Decadência no processo disciplinar de advogado.

Palavra chave: Prescrição do processo disciplinar e decadência.

 

ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

 

A abordagem do tema é de grande importância e relevância na área do processo administrativo disciplinar de advogado.

O Tempo é fundamental, para a boa e salutar defesa dos direitos, pois estes, para ter eficácia e produzir os efeitos desejados pelo seu titular devem ser exercidos dentro de um determinado lapso temporal, seja na via administrativa, seja na via judicial.

Afinal, como assinala o Prof. ISIS DE ALMEIDA, “o passar do tempo é, realmente inexorável, tanto do ponto de vista biológico como social, nessa destruição. Perde-se a vida, com as energias aniquiladas; perde-se o direito, com a atrofia pelo seu desuso” (Manual da Prescrição Trabalhista, São Paulo, LTr, 1990, p. 15).

E assim é, porque todas “as relações humanas têm caráter temporário, tornando-se necessário que determinadas situações de fato sejam resolvidas, de vez que não podem ser permanentes e deixadas a sua solução para gerações futuras” (Carvalho de Mendonça, apud Isis de Almeida, ob. cit. p. 15).

O processo disciplinar do advogado, no tocante à prescrição, não foge a essa linha de orientação.

 

NOÇÃO CONCEITUAL DE PRESCRIÇÃO

 

Prescrição, do Latim praescriptio, em termos amplos, vem a ser a perda da pretensão (art. 189 do Código Civil) de reparação do direito violado por inércia do titular do direito no prazo legal.

E na área do processo administrativo disciplinar de advogado, pode-se entender a prescrição como a perda do direito de promover representação disciplinar contra advogado, no caso de cometimento de eventual desvio de conduta, por inércia do titular do direito ofendido no decurso do tempo.

Aqui interessa a prescrição extintiva do direito, deixando de lado a apreciação sobre as outras espécies prescricionais previstas na lei substantivam civil.

 

A PRESCRIÇÃO NO PROCESSO DISCIPLINAR DE ADVOGADO

 

O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94), em seu art. 43, parágrafos 1º e 2º, ocupa-se do disciplinamento da prescrição das infrações disciplinares cometidas por advogados, ocorrência que pode dar margem, à extinção da pretensão à punibilidade, com o consequente arquivamento das representações disciplinares contra os profissionais da advocacia.

A prescrição, advirta-se de logo, é matéria de ordem pública, cuja declaração deve ser feita, inclusive, de ofício.

Extrai-se da norma legal estatutária referida dois tipos de prescrição que podem ocorrer, na esteira de uma representação disciplinar instaurada em decorrência de eventuais atos faltosos cometidos pelo profissional da advocacia:

a) a prescrição quinquenal;

b) a prescrição intercorrente.

O Estatuto da Advocacia preceitua que “a pretensão à punibilidade prescreve em cinco anos, contados da constatação oficial do fato” (art. 43, caput). Esta é a prescrição quinquenal.

Importa observar que, a fim de dirimir eventuais dúvidas interpretativas quanto ao início do lapso temporal do implemento prescricional, o Conselho Federal da OAB editou a Súmula nº 01/2011/COP, com o seguinte enunciado:

 

 

PRESCRIÇÃO. I - O termo inicial para contagem do prazo prescricional, na hipótese de processo disciplinar decorrente de representação, a que se refere o caput do art. 42 do EAOAB, é a data da constatação oficial do fato pela OAB, considerada a data do protocolo da representação ou a data das declarações do interessado tomadas por termo perante órgão da OAB, a partir de quando começa a fluir o prazo de cinco (5) anos, o qual será interrompido nas hipóteses dos incisos I e II do §m 2º do art. 43 do EAOAB, voltando a correr por inteiro a partir do fato interruptivo. II – Quando a instauração do processo disciplinar se der ex officio, o termo a quo coincidirá com a data em que o órgão competente da OAB tomar conhecimento do fato, seja por documento constante dos autos, seja pela sua notoriedade. III – A prescrição intercorrente de que trata o § 1º do art. 43 do EAOAB, verificada pela paralisação do processo por mais de três (3)anos sem qualquer despacho ou julgamento, é interrompida e recomeça a fluir pelo mesmo prazo, a cada despacho de movimentação do processo.

 

 

A prescrição intercorrente, como lê no § 1º do art. 43 do EAOAB e no enunciado da Súmula nº 01 do CF da OAB, é aquela que resulta da paralisação do processo disciplinar por mais de três (3) anos, sem ter havido impulso processual, ou seja, sem ter havido nenhum despacho de movimentação para instrução do processo ou o seu julgamento. Diante desta ocorrência impõe-se o arquivamento do processo, de ofício ou requerimento da parte interessada.

Os casos de interrupção da prescrição estão elencados nos incisos I e II do § 2º do art. 43 do EAOAB, cujo dispositivos legais, por sua clareza, dispensam comentários.

Um aspecto relevante a destacar é o que diz respeito à apuração das responsabilidades de quem deu causa à paralisação do processo disciplinar, providência esta expressamente exigida pelo legislador estatutário (art.43, § 1º, in fine, do EAOAB) e que tem sido olvidada pela OAB, na órbita do processo disciplinar.

E não tenho dúvida de que tal providência também deve ser adotada em ambos os casos de prescrição (quinquenal e intercorrente), resultantes de situações em que os processos ficaram dormindo na placidez das gavetas, sem qualquer justificativa.

A celeridade na tramitação e julgamento dos processos disciplinares mais do que um imperativo moral, é uma obrigação legal a ser observada com rigor pela OAB, por todos os seus órgãos, porque só assim o advogado se tornará merecedor de respeito e contribuirá para o engrandecimento e prestígio da classe e da advocacia (art. 31 do EAOAB).

Uma representação disciplinar que venha ser arquivada com base na extinção da punibilidade pelo decurso de tempo, em face de ter ficado injustificavelmente retida nos escaninhos da OAB, é um estímulo à impunidade, à proliferação dos desvios de conduta, um desserviço à sociedade e uma inadmissível quebra aos princípios de que o advogado, além de indispensável à administração da justiça presta um serviço público e exerce função social (art. 2 º e § 1º, do EAOAB).

Oportuno lembrar, tomando de empréstimo a lição do Prof. PAULO LUIZ NETTO LÔBO, que “não se aplicam as regras do direito comum, nesta sede, porque a prescrição, por sua natureza, não admite interpretação analógica e extensiva ou supletividade normativa (Comentários ao Estatuto da Advocacia, 2ª ed., Brasília, DF, Brasília Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996, p.173).

Relativamente a procedimentos administrativos, não é despiciendo esclarecer que o implemento prescricional, na esfera de competência do Tribunal de Ética e Disciplina (TED), pode ser declarado de ofício pelo seu Presidente e também deve ser suscitada pela Comissão de Admissibilidade de Processos Disciplinares para a necessária decisão do Presidente do Tribunal ou do Presidente da Turma de Julgamento, se for o caso.

A prescrição - quando for a situação – pode ser levantada pelos relatores da instrução processual, com a emissão de parecer propondo a instauração de processo disciplinar ou o arquivamento liminar da representação, na ocorrência do implemento prescricional ou ausência dos pressupostos processuais, submetida a proposta opinativa do respectivo relator ao Presidente do TED (art. 58, § 3ª do Código de Ética e Disciplina da OAB), ou ao Presidente da Turma de Julgamento, quando o Tribunal de Ética tiver composição fracionária.

 

DECADÊNCIA NO PROCESSO DISCIPLINAR DE ADVOGADO

 

A aplicação da decadência no processo disciplinar de advogado ainda não é uma questão confortável, à luz da doutrina especializada e da esfera administrativa, em processos que envolvem desvios de conduta de advogados.

A decadência, ao contrário da prescrição, extingue o direito e não a pretensão. Entende-se como decadência, também denominada de caducidade, a perda do direito pelo seu não exercício em determinado espaço de tempo. Na área cível, está regulada nos arts. 207 a 211, do Código Civil.

Importa observar que a norma legal estatutária, que regula o exercício da advocacia (Lei nº 8.906/94), é omissa e não prevê a figura da decadência do direito de representação contra o advogado.

Nesse sentido, são oportunas e elucidativos os comentários de GUSTAVO TULLER, que me permito transcrever:

 

 

A legislação que regulamenta o processo disciplinar contra advogados (Lei 8.906/1994) se omite em prever a decadência do direito de representação disciplinar e, embora a jurisprudência tenha fixado tal prazo em cinco anos[1], abre brecha à eternização de seu exercício quando condiciona o termo inicial deste prazo à comprovação do conhecimento do fato pelo interessado, de forma irrestrita. É dizer: O prazo decadencial para denunciar o advogado somente se inicia quando o cliente alega que tomou conhecimento sobre o ato do advogado.

Assim, não há prazo definido para que se tome conhecimento do ato infracional sujeito ao jus puniendi da OAB, e como o prazo decadencial somente se inicia em dito momento, o advogado permanece eternamente à mercê daquele que alegue o tardio conhecimento de sua ocorrência” (Decadência – processo disciplinar, artigo divulgado na Internet).

 

 

Vale assinalar que, sob o ponto de vista teórico, tal como a prescrição, não se admite construção analógica ou extensiva e nem o preenchimento da lacuna, em matéria decadencial, através de regramento supletivo.

A norma estatutária reclama uma alteração para incluir essa questão tormentosa da decadência, suprindo uma omissão, que é prejudicial à segurança jurídica, bem como evitar a eternização dos desvios de conduta imputados ao advogado, com o entendimento adotado pelo Conselho Federal da OAB de que o direito de representar tem como marco inicial a data em que a parte representante toma conhecimento dos fatos.

O Conselho Federal da OAB, portanto, à míngua de orientação normativa expressa, tem se inclinado nessa direção, buscando suprir a lacuna da legislação estatutária, como se extrai das seguintes decisões:

 

 

RECURSO N. 49.0000.2017.006567-2/SCA-STU. Recte: M.H.G. Recdo: Conselho Seccional da OAB/Paraná. Interessado: J.C.H. Relator: Conselheiro Federal João Paulo Tavares Bastos Gama (SC). EMENTA N. 201/2017/SCA-STU. Recurso ao Conselho Federal. Decadência do direito de representação. Ocorrência. Provimento e extinção da punibilidade. Reconhecimento da decadência do direito de representar na OAB, tendo como marco inicial a data em que a parte representante toma conhecimento dos fatos. Acórdão: Vistos, relatados e discutidos os autos do processo em referência, acordam os membros da Segunda Turma da Segunda Câmara do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, observado o quorum exigido no art. 92 do Regulamento Geral, por unanimidade, em dar provimento ao recurso nos termos do voto do Relator. Brasília, 23 de outubro de 2017. Alexandre César Dantas Soccorro, Presidente. João Paulo Tavares Bastos Gama, Relator. (DOU, S.1, 26.10.2017, p.183) 49.0000.2019.012647-2/SCA-STU. Decadência do direito de representar disciplinarmente o advogado perante a OAB. Precedentes das Turmas e do Pleno da Segunda Câmara do Conselho Federal da OAB. Prazo de 05 (cinco) anos a contar da data em que a parte toma conhecimento dos fatos. Se a parte interessada toma conhecimento dos fatos e somente representa o advogado perante a OAB após o transcurso de lapso temporal superior a 05 (cinco) anos, resta fulminada a pretensão punitiva pela decadência. Pendência de proposta de revisão da Súmula n.º 01/2011-COP, analisando definitivamente a existência ou não da decadência nos processos disciplinares da OAB. Ausência de análise pelo Pleno deste Conselho Federal da OAB. Prevalência, até decisão final, dos precedentes mais favoráveis aos advogados. Recurso provido, para declarar extinta a punibilidade pela decadência.

 

Considero que a questão é relevante e volto a ressaltar que se impõe à OAB, através de sua Direção Nacional, propor uma alteração no Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906/94) no sentido de incluir a aplicação da decadência aos processos disciplinares contra advogados, evitando decisões que evidenciam e revelam a prática de ilegítima função legiferante, conquanto tenham o deliberado intuito de contornar a lacuna do ordenamento jurídico estatutário que disciplina o exercício da advocacia.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

As questões jurídicas aqui abordadas, é forçoso reconhecer, reclamam maior discussão e aprofundamento, por ser de relevante interesse e importância para os que se dedicam com probidade e dignidade ao exercício da advocacia, em especial para os que tem a espinhosa missão de julgadores nos Tribunais de Ética e Disciplina, os quais devem, com absoluto senso de justiça, zelar e prezar pela boa aplicação das normas legais e éticas na condução dos processos disciplinares.

E ao final, como remate e síntese dos temas tratados neste artigo, é oportuno recomendar aos advogados guardarem na lembrança o velho e sempre atual axioma dos romanos: Dormientibus non succurrit ius (“A lei não socorre os que dormem”).

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALMEIDA, Isis de. Manual da Prescrição Trabalhista. São Paulo: Editora LTr, 1990;

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao Estatuto da Advocacia, 2ª ed., Brasília: Livraria e Editora Brasília Jurídica, 1996;

SILVA, de Plácido e. Vocabulário Jurídico, Vols. III e IV, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993.