A “preguiça” do caboclo amazônico.” 

                “O caboclo amazônico só trabalha quando está com fome”, disse-me um comerciante de origem nordestina. Será verdadeira esta afirmação? Quem lida com pessoas, especialmente nas atividades agrícolas em nossa região pode chegar a essa conclusão. Vale a pena, porém, analisar o ambiente em que o caboclo amazônico vive, compará-lo com os de outros lugares – por exemplo, o do nordestino – e desta análise fazer novas inferências a respeito.

                Na região do Salgado Paraense, especialmente no município de São Caetano de Odivelas, ocorre um fato bem típico, desta quase sempre enervante relação trabalhista, na qual o empregador quase nunca fica satisfeito com o desempenho de seu empregado de origem local. Lá, a mão de obra torna-se difícil em certas épocas do ano, devido o caboclo preferir “tirar” caranguejo no mangal, em vez de trabalhar em atividades de criação e plantação recebendo o salário. Este município é rico deste recurso e o acesso a ele é favorecido pela estrada que corta o manguezal. Em época do suatá – quando o caranguejo anda – é frequente encontrar-se verdadeiras procissões indo em direção do mangue.

                O ambiente amazônico pouco alterado que está, ainda é rico em recursos naturais. O caboclo com antepassado índio sabe muito bem disso. Como a floresta amazônica está em equilíbrio, ou seja, a produção de energia iguala-se ao consumo, o caboclo que nela vive pouco acumula ou capitaliza. Talvez a farinha de mandioca e o peixe moqueado ou salgado, sejam algumas formas de capitalização que ele desenvolveu. Tendo a farinha e o peixe, o que ele quer mais?

                Quando o rio não está na frente de sua casa, um dadivoso igarapé lhes oferece o peixe-do-mato por detrás. Se quiser variar o cardápio, arma o “bufete” – um tipo de armadilha que dispara um tiro apenas, quase sempre certeiro, em uma caça que se aproxima descuidada – e assim obtém carne de ótima qualidade (tatu, veado, paca, etc.). O açaí, que para quem vive no interior do Estuário Amazônico – nas Ilhas – ainda é o café, o almoço e o jantar, a ele se juntando o camarão salgado (pescado no matapi), ou o peixe ou o charque, ou qualquer outra carne, e está resolvido o problema.

                E o caboclo nordestino, tido e havido como pessoa trabalhadora, por que o é? Lá, opostamente ao que aqui ocorre, o ambiente é árido, faltam-lhes os recursos naturais. Assim, a busca pela sobrevivência faz de sua força de trabalho o meio de obter o seu sustento.

                Esta é a grande diferença. “Preguiça”, nunca, ou quase nunca...