A PRÁXIS MARXISTA E A PROPRIEDADE PRIVADA

 

Marcos Henrique Sacramento Brito

SUMÁRIO: Introdução; 1. A filosofia da práxis; 2. O direito em Marx; 3. A relação entre a práxis marxista e a propriedade privada; Conclusão; Referências

 

 

INTRODUÇÃO

Visa-se traçar no presente trabalho breves considerações a respeito da filosofia da práxis de Karl Marx, marco divisor na tradição filosófica de seu tempo, por passar a compreender o homem em suas relações sociais e não mais individuais, subjetivas. Busca-se também elencar os principais reflexos da práxis marxista no campo jurídico, em especial no instituto da propriedade privada, compreendida, segundo a concepção de Marx, como mais uma expressão de dominação e exploração do homem pelo homem na sociedade.  

  • A FILOSOFIA DA PRÁXIS

No tocante ao desenvolvimento da filosofia da práxis, Marx destoa de toda tradição filosófica de sua época, buscando não mais um conhecimento especulativo, meramente contemplativo. Pelo contrário, segundo propõe Marx, há que se buscar um pensamento para a transformação, conforme preleciona em sua Tese III:

“A coincidência da modificação das circunstâncias com a atividade humana ou alteração de si próprio só pode ser apreendida e compreendida racionalmente como práxis revolucionária.”

(LABICA, p. 11)

Neste sentido, Marx considera que a filosofia deve adotar uma postura revolucionária. Tal posicionamento confronta violentamente a tradição filosófica de seu tempo, em especial a alemã, pois esta limita o homem a sua individualidade, subjetividade. A partir do pensamento prático marxista, o subjetivismo, próprio do pensamento moderno, fica totalmente sepultado pela crítica marxista, dando lugar à concepção de que o homem somente o é enquanto se perfaz nas próprias relações sociais, de trabalho. Desse modo, a compreensão humana deve ser feita a partir da práxis, ou seja, a partir da atividade prática humana, de sua produtividade.

 Acerca da noção de práxis, vale destacar que esta remonta à Grécia, na qual a divisão das atividades humanas se dava da seguinte forma: práxis, poiésis e theoria. Enquanto que a theoria fora preocupação da filosofia no mundo medieval e a poiésis atrelava-se a atividade burguesa, capitalista, produtiva, industrial, a práxis passa a ser a preocupação fundamental da teoria de Marx, entendida sob a perspectiva da transformação.

  • O DIREITO EM MARX

O pensamento de Marx inaugura a inserção de novas concepções a cerca das preocupações com o Estado e o Direito. A primeira manifestação diz respeito ao fato de as relações jurídicas não poderem ser compreendidas de modo formal, isoladas de fatores sociais e econômicos. Desse modo, segundo a concepção marxista, toda relação jurídica está envolta em um cenário econômico, refletindo determinada situação privilegiada de relações socioeconômicas predominantes, é o que dispõe Marx a seguir:

“Minha investigação desembocou no seguinte resultado: relações jurídicas, tais como formas de Estado, não podem ser compreendidas nem a partir de si mesmas, nem a partir do assim chamado desenvolvimento geral do espírito humano, mas, pelo contrário, elas se enraízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel sob o nome de ‘sociedade civil’, seguindo os ingleses e franceses do século XVIII; mas que a anatomia da sociedade burguesa deve ser procurada na Economia Política.” (Marx, 1982, p.25)

Destaca-se que Marx considera o Estado como superestrutura detentora de inúmeros aparatos burocráticos de controle social. Nesse cotejo, o Direito e o Estado são compreendidos como superestruturas que ratificam a vontade dos dominadores em face dos dominados, de modo que a estrutura que patrocina o desenvolvimento da superestrutura é a econômica que, por sua vez, determina a divisão social das classes.

A concepção Marxista acerca do Estado e do Direito revela que este não se trata nem de instrumento para a realização da justiça, nem a emanação do povo, nem a mera vontade do legislador, mas sim uma superestrutura ideológica a serviço das classes dominantes.

  • A RELAÇÃO ENTRE A PRÁXIS MARXISTA E A PROPRIEDADE PRIVADA

 

       Há que se ressaltar que os estudos efetuados por Marx acerca do Direito não foram resultantes de trabalhos específicos para uma teoria jurídica, de modo que sua filosofia jurídica parece seguir o mesmo percurso de sua filosofia política.

       Marx constata desde logo o predomínio de um direito estatal no mundo contemporâneo, diga-se o direito burguês. Ao inserir tal perspectiva em sua práxis, o filósofo conceberá o direito do mesmo que concebeu o Estado, ou seja, atrela-o às relações históricas sociais capitalistas.

       Destaca-se que tal vinculação se revela muito mais explícita no campo do direito do que no campo da política, conforme se verifica, por exemplo, no próprio estatuto jurídico da propriedade privada, que demonstra sua razão de ser para uma forma de relação produtiva capitalista. Sobre o instituto, Marx traça a seguinte consideração:

“Horrorizai-vos porque queremos abolir a propriedade privada. Mas em vossa sociedade a propriedade privada está abolida para nove décimos de seus membros. E é precisamente porque não existe para estes nove décimos que ela existe para vós. Acusai-nos, portanto, de querer abolir uma forma de propriedade que só pode existir com a condição de privar de toda propriedade a imensa maioria da sociedade.” (MARX & ENGELS, p.39)

                               Sob a perspectiva marxista, a propriedade privada não é vista como um direito natural, nem como uma conquista da humanidade em favor do equilíbrio social, nem muito menos como uma forma de dar a cada um na proporção de seu trabalho. Frisa-se que a concepção marxista não é a de que a propriedade seja um mal em si, mas sim o uso que se faz dela, sendo tal suficiente para gerar a desigualdade das classes e para a exploração.

                        Marx afirma que há uma ilusão jurídica no direito privado ao se propagar que as relações de propriedade existentes são resultantes da vontade geral, visto que conduz necessariamente, no desenvolvimento posterior das relações de propriedade, ao resultado de que um indivíduo tenha um título jurídico em relação a uma coisa sem realmente ter a coisa.

  • CONCLUSÃO

 

       A crítica marxista se destaca pelo fato de ter inaugurado uma nova concepção de homem ante a tradição filosófica de sua época. A relevância da práxis para a filosofia marxista é tamanha, que há os que se referem à filosofia de Marx genericamente como “filosofia da práxis”.

       Insurgindo-se contra as ideias estanques a respeito das condições humanas no mundo contemporâneo, Marx passa a conceber o indivíduo não mais em sua individualidade, e sim em sua sociabilidade. Imerso no cenário social o homem é cercado por diversos mecanismos dessa práxis em um dado momento histórico.

         A abrangência do pensamento de Marx é tamanha que encontra reflexos na área do Direito, que para o filósofo é apenas mais uma expressão de dominação e exploração na sociedade, como se verifica em sua análise a respeito do instituto da propriedade privada.

 

REFERÊNCIAS

BITTAR, Eduardo Carlos Bianca; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2005,

BOBBIO, Norberto; BOVERO, Michelangelo. O marxismo e o estado. Rio de Janeiro: Graal, 1991.

KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis. São Paulo: Paz e Terra, 1992.

LABICA, Georges. As teses sobre Feuerbach de Karl Marx. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1990.

MARX, Karl; ENGELS, F. Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, s.d.v.1.

______________________. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1999.

MASCARO, Alysson Leandro. Introdução à filosofia do Direito: Dos modernos aos contemporâneos. São Paulo, Atlas, 2002.