A PORNOGRAFIA DE VINGANÇA E SUA RESPECTIVA CONSEQUÊNCIA

Cristhiano Botelho Arrais[1]

RESUMO

Graças à evolução da tecnologia e, consequentemente, da rede mundial de computadores, o homem se comunica de forma mais fácil, rápida e pouco onerosa. Trocar correspondências, realizar pagamentos, participar de vídeo conferência e reduzir a saudade de alguém distante, por exemplo, são algumas das vantagens proporcionadas pela internet. Não demorou muito para que várias pessoas enxergassem enorme vantagem, considerando o relativo anonimato, em cometer crime com a utilização da tecnologia e internet, conhecido como crime virtual. É o que ocorre com os diversos casos de pornografia de vingança. Episódio em que a pessoa, geralmente a mulher ou adolescente do sexo feminino, sem autorização, tem sua intimidade sexual divulgada nas redes sociais, sistema de mensagens e internet, pelo seu ex-parceiro que pretende vingança pelo término do relacionamento. Quase que instantaneamente, a vítima tem suas fotos e vídeos armazenadas nos smartphones ou em aparelhos semelhantes e em páginas pornográficas como mais uma que “caiu na net”. São diversos os transtornos proporcionados por esse compartilhamento indevido. Além de comprometer a relação familiar, perder emprego, sofrer perseguição, ter que mudar de escola por não suportar o bullying dos seus colegas ou dificultar mais ainda novos relacionamentos amorosos, a vítima opta ainda pelo suicídio, entendendo ser a melhor forma de solução diante dessa humilhação.

Palavras-chave: Pornografia de vingança. Crime virtual. Direito à intimidade.

INTRODUÇÃO

A sociedade, como se sabe, passa constantemente por mudanças que afetam diretamente a vida humana e as relações intersubjetivas. Recentemente, tem-se acompanhado as inovações tecnológicas como, num momento, propiciadora do progresso econômico e social mas, em outro, fonte e campo de conflitos sociais que merecem destaque.

Tamanha é a interferência dos mecanismos de comunicação, de transferência de dados; até de relacionamento digital que mesmo as relações mais íntimas do ser humano podem ser influenciadas negativa ou positivamente. Ao mesmo tempo em que podemos contatar pessoas via internet, é possível que tenhamos nossa privacidade violada através das mesmas ferramentas que nos permitira aquele contato.

Por essas razões, percebe-se a necessidade da tutela jurídica adequada, com o fim de regular as condutas humanas nesses campos. Não guarda sentido, nos dias de hoje, que tenhamos lacunas legislativas, que implicam necessariamente insegurança jurídica, no tratamento das relações digitais, presentes até mesmo em nossas relações com filhos ou parceiros.

Nesse sentido, é necessário que o Direito regule, de maneira adequada e efetiva, condutas humanas danosas ao patrimônio jurídico individual, como a exposição constrangedora através de veículos de circulação de informação de aspectos íntimos ou privados do ser humano. Tal necessidade se acentua ainda mais se se percebe tal prática em delicadas dimensões humanas, como o relacionamento sexual.

Atualmente, percebemos o triste fato de parceiros se vingarem dos seus ex-companheiros por traição ou o simples fim do relacionamento através da difusão de vídeos e imagens de cunho privado, personalíssimo. Valendo-se da confiança que possuíam, pessoas são capazes de destruir a vida de outras. Essa prática, chamada “vingança pornô”, traz consequências danosas para a própria sociedade, merecendo tutela jurídica específica.

PORNOGRAFIA DE VINGANÇA

A internet facilitou consideravelmente a vida em sociedade. Atualmente, podemos executar algumas atividades de forma prática e cômoda, como o pagamento de contas, emissão de correspondências, conversar com pessoas distantes, buscar conhecimento e aprimorar os estudos de forma online, pesquisar, começar ou manter um relacionamento amoroso ou profissional e uma série de outras tarefas que, em outrora, demandariam bem mais tempo e dinheiro.

Observa-se, que esta facilidade, mobilidade e praticidade no acesso à rede mundial de computadores, trouxe uma série de benefícios para seu usuário, mas infelizmente, essa evolução tecnológica quando realizada por pessoas com instinto negativo, gerando “mau uso” na rede, arrastou uma vasta quantidade de inconsequências (quase sempre criminais) para seu usuário, realidade esta, portanto, bem diferente daquele “mundo virtual perfeito”, onde se via somente seus benefícios.

Visto a possibilidade dessa prática criminal através da internet, passamos a ser vítimas de uma série de ataques, tanto na esfera patrimonial como na lesão à sua integridade física e moral.

Esses ataques, relativamente anônimos, onde o agente se utiliza de equipamentos eletrônicos e, em alguns casos, com o auxílio da internet ou por meio comunicação sem fio, são chamados de “crimes virtuais” ou “cibercrimes”, terminologia para o delito auxiliado por meios eletrônicos.

Segundo Patrícia Peck (2010, p. 46), o conceito de crimes virtuais são:

“as condutas de acesso não autorizado a sistemas informáticos, ações destrutivas nesses sistemas, a interceptação de comunicações, modificações de dados, infrações a direitos de autor, incitação ao ódio e descriminação, escárnio religioso, difusão de pornografia infantil, terrorismo, entre outros”.

Cabe acrescentar, que a forma delituosa quando utilizado através da internet não se configura uma nova modalidade de crime, mas apenas um meio pelo qual o agente executa o crime.

Nos dizeres de Patrícia Peck (2009, p. 225),

“O crime eletrônico é, em princípio, um crime de meio, isto é, utiliza-se de um meio virtual. Não é um crime de fim, por natureza, ou seja, o crime cuja modalidade só ocorra em ambiente virtual, à exceção dos crimes cometidos por hackers, que de algum modo podem ser enquadrados na categoria de estelionato, extorsão, falsidade ideológica, fraude, entre outros.

Nesse sentido, o Presidente francês, em maio de 2000, Jacques Chirac durante a primeira Conferência G-8 sobre crimes cibernéticos, faz a seguinte declaração:

Alguns qualificam o espaço cibernético como um novo mundo, um mundo virtual, mas não podemos nos equivocar. Não há dois mundos diferentes, um real e outro virtual, mas apenas um, no qual se devem aplicar e respeitar os mesmos valores de liberdade e dignidade da pessoa. (CHIRAC, 2011)

Grande parte dos crimes cometidos no mundo virtual também ocorre no mundo real, todavia, a internet, devido ao “anonimato”, acaba por facilitar a prática delituosa. Vale ressaltar que esse anonimato é relativo, já que o usuário possui uma espécie de identificação virtual, gerado através do IP (Internet Protocol), que deixa vários rastros na rede.

Os crime cometidos no mundo virtual, portanto, são análogos aos crimes previstos no direito penal e segundo entendimento de que os crimes em que a tecnologia funciona apenas como meio para que se consiga cometer as condutas previstas no código penal, não há que se falar na criação de novos tipos penais (PAESANI, 2008).

Para apresentar o conceito de crimes virtuais, o site da Norton, desenvolvido pela Symantec Corporações, empresa especializada programas de segurança, armazenamento e gerenciamento de sistemas, traz o seguinte:

O Tratado do Conselho Europeu sobre Crime Cibernético usa o termo "cibercrime" para definir delitos que vão de atividades criminosas contra dados até infrações de conteúdo e de copyright [Krone, 2005]. No entanto, outros autores [Zeviar-Geese, 1997-98] sugerem que a definição é mais ampla e inclui atividades como fraude, acesso não autorizado, pornografia infantil e cyberstalking (assédio na Internet). O Manual de Prevenção e Controle de Crimes Informáticos das Nações Unidas inclui fraude, falsificação e acesso não autorizado [Nações Unidas, 1995] em sua definição de cibercrime. (Disponível em: http://br.norton.com/cybercrime-definition Acessado em: 03 de outubro de 2014)

O Manual Prático de Investigação dos Crimes Cibernéticos idealizado pelo Ministério Público Federal, juntamente com a Procuradoria da República do Estado de São Paulo e o Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos (2006, p. 11), observa que “o notável crescimento da rede mundial de computadores não criou muitas novas condutas antijurídicas, mas amplificou de forma extraordinária o dano causado pelas ofensas já conhecidas”. Portanto, apesar do crescimento tecnológico e da internet não criarem tantas novas condutas ilícitas, gerou, devido a sua acessibilidade e velocidade na divulgação, vasto dano em relação a mesma conduta dolosa se realizada na seara do mundo real.

É muito importante frisar, pela ótica da advogada e especialista em Direito Digital, Patrícia Peck (2009, p. 226) que “as questões quanto ao conceito de crime, delito, ato e efeito são as mesmas, quer sejam aplicadas para o Direito Penal ou para o Direito Penal Digital”.

Não resta dúvida de que a internet auxilia em muito as condutas delituosas do mundo real, todavia, existem crimes onde há essencialmente a utilização dos meios tecnológicos para a sua concretização.

Fica evidente também, que o autor dessa prática delituosa tem grande variedade, tanto nos meios para execução das modalidades criminosas pré-existentes, quanto para a criação de novos crimes e de novas ferramentas de auxílio para essa prática, dependendo, obviamente, de suas habilidades e seus objetivos.

CYBERBULLYING

Devido a sua instantânea propagação e um suposto anonimato, algumas novas condutas, como cyberbullying, sexting e revenge porn, tem chamado bastante atenção da sociedade internacional.

A expressão bully, quer dizer valentão, briguento, mandão, etc. Já a expressão bullying, sua variação, não tem tradução para o português. No entanto, o termo traduz a ideia de um comportamento agressivo, seja ele verbal ou físico, com o intuito de intimidar ou humilhar alguma pessoa que não possui capacidade defensiva.

Na página do Brasil escola, foi divulgado o seguinte:

Bullying é um termo da língua inglesa (bully = “valentão”) que se refere a todas as formas de atitudes agressivas, verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder. (Disponível em: <http://brasilesco.la/b7594> Acessado em: 02 de outubro de 2014).

Em apelação interposta no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, podemos observar a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. VIOLENCIA ESCOLAR. “BULLYNG”. ESTABELECIMENTO DE ENSINO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL CONFIGURADO. DESPROVIMENTO DOS RECURSOS.

I – Palavra inglesa que significa usar o poder ou força para intimidar, excluir, implicar, humilhar, “Bullying” é um termo utilizado para descrever atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos; II – Os fatos relatados e provados fogem da normalidade e não podem ser tratados como simples desentendimentos entre alunos. III – Trata-se de relação de consumo e a responsabilidade da ré, como prestadora de serviços educacionais é objetiva, bastando a simples comprovação do nexo causal e do dano; IV – Recursos – agravo retido e apelação aos quais se nega provimento. (TJ/RJ, Relator: Desembargador ADEMIR PAULO PIMENTEL, Data do julgamento: 02/02/2011, Décima Terceira Câmara Cível).

Essa agressão ou intimidação não se limitou ao mundo real, passando ocorrer com muito mais frequência no meio virtual. Esse constrangimento agressivo ou intimidativo, quando praticado através dos meios tecnológicos, seja por e-mail, sites de relacionamento, redes sociais, mensagens de texto com foto ou vídeo, ou seja, quando a conduta ultrapassa a fronteira do mundo real para o virtual, é chamado de cyberbullying.

A organização StopBullying.gov, que promove informações para várias agências governamentais americanas sobre cyberbullying, bem como seus riscos e as formas de como se prevenir desse ataque, define essa conduta como:

Cyberbullying is bullying that takes place using electronic technology. Electronic technology includes devices and equipment such as cell phones, computers, and tablets as well as communication tools including social media sites, text messages, chat, and websites. Examples of cyberbullying include mean text messages or emails, rumors sent by email or posted on social networking sites, and embarrassing pictures, videos, websites, or fake profiles. (Disponível em: http://www.stopbullying.gov/cyberbullying/what-is-it/# Acessado em: 02 de outubro de 2014).

Aloma Felizardo (2010), idealizadora do Programa Bullying e Cyberbullying, traz o seguinte conceito:

“o cyberbullying, que é uma versão eletrônica do bullying praticada por meio de agressões verbais e escritas utilizando-se a internet. A vítima recebe mensagens ameaçadoras, conteúdos difamatórios, imagens obscenas, palavras maldosas e cruéis, insultos, ofensas, extorsão etc.” (Acessado em: http://www.bullyingcyberbullying.com.br/bullying/o-que-e-cyberbullying/ Acessado em: 02 de outubro de 2014)

As condutas praticadas no espaço cibernético possuem uma maior gravidade e devastação em relação aos mesmos fatos típicos oriundos do mundo real, já que estas se limitam ao contato direto, restringindo o episódio a um número de pessoas e aquela, não há como prever seu alcance territorial.

SEXTING

No curso natural da vida, é comum a descoberta de novas experiências, ainda mais na adolescência, quando esses descobrimentos estão relacionados ao desenvolvimento do próprio corpo e consequentemente as relações sexuais.

Devido a evolução tecnológica, toda pessoa hoje em dia anda com uma câmera fotográfica no bolso e tem acesso à internet móvel. Esses dois fatores facilitam o acesso, a interação e a publicação de conteúdo sexual impróprio para menores, situação bem diversa daquilo que ocorria cerca de 10 anos atrás.

Com esse avanço, várias condutas no mundo virtual ganharam relevância, como, por exemplo, não muito recente, é o caso do sexting.

O termo vem da junção de duas terminologias americanas sex (sexo) + texting (troca de mensagens de texto por telefone). Consistindo, então, na prática de enviar mensagens de texto, foto ou vídeo, com conteúdo estritamente relacionado a sexo.

O termo ganhou significado em inglês no dicionário britânico Macmillan Dictionary[CB1]  como “the practice of sending sexual images or messages to someone's mobile phone”, que traduz como “a prática de enviar mensagens ou imagens de cunho sexual para o telefone de alguém”.

Marcela Munhoz[CB2] , em matéria publicada no site Diário do Grande ABC em 30 de maio de 2010, expressa que “Sexting é a união das palavras em inglês sex (sexo) e texting (envio de mensagens) e serve para textos e fotos sensuais (nus ou seminus) enviados por celular, e-mail, webcam, geralmente para paqueras, ficantes, namorados (as), maridos (esposas).”

Na observação de Raquel Teixeira[CB3]  (2012), o sexting, portanto, seria “uma nova forma de cyberbullying”.

A SaferNet Brasil, associação que desenvolve pesquisas e projetos sociais voltados para o combate à pornografia infantil na internet, em pesquisa realizada em fevereiro de 2010 com 2.159 crianças e adolescentes entre 5 e 18 anos, revelou que 11% já fizeram sexting, ou seja, já publicaram mensagens íntimas ou fotos em poses sensuais.

Não somente para os jovens, mas para todos aqueles que tem acesso aos meios tecnológicos de comunicação atual, essa troca indevida de conteúdo é bastante comum e simples de lograr êxito, o que torna cada vez mais possível a experiência de sexo online e dificulta ainda mais o controle parental.

É possível que quando a divulgação desse material sexual envolve criança ou adolescente, a consequência é o crime previsto no artigo 241-A da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências), vejamos:

Art. 241-A.  Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

§1º. Nas mesmas penas incorre quem:

I – assegura os meios ou serviços para o armazenamento das fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo;

II – assegura, por qualquer meio, o acesso por rede de computadores às fotografias, cenas ou imagens de que trata o caput deste artigo.

A repercussão dessa violação à intimidade é por demais desastrosa e a vítima, apesar do constrangimento, tem sua dignidade completamente destruída, sendo alvo de críticas pela sociedade e, por mais que tente, não conseguirá apagar o acontecimento da sua memória, muito menos, deletar suas imagens propagadas na internet.

A sociedade não está preparada para esse tipo de exposição e a pessoa que teve sua imagem divulgada passa a sofrer inúmeras consequências, bem como restrições a determinados locais, humilhações, dificuldades de conseguir emprego ou qualquer outro tipo de bullying.

Importante observar que quem compartilha o material sexual envolvendo menor de idade é tão responsável quanto aquele que postou tal conteúdo, podendo responder pelo crime de pornografia infantil.

REVENGE PORN

Dentre esses crimes virtuais, um em específico tem alertado ainda mais a sociedade, é o caso do “revenge porn” ou pornografia de vingança.

Arriscaria dizer que o pornô vingativo, seria uma junção do cyberbulling e sexting, já que estas duas condutas envolvem a exposição de material de cunho sexual, o não consentimento da pessoa que aparece nas imagens e a intenção do autor em prejudicar e destruir a honra da sua ex-companheira.

Pornografia de vingança é a prática virtual que se configura, geralmente, pela seguinte situação: o homem, insiste em registrar com fotos e vídeos a relação sexual que está tendo com sua parceira. Arquiva o conteúdo com a promessa de que ninguém terá acesso ao material. Acontece que, a relação acaba e ele, insatisfeito com o término, ou por crise de ciúmes ou raiva, resolve publicar as imagens eróticas para amigos, parentes, familiares, colegas de trabalho divulgando, inclusive, na internet, com o objetivo de atingir moralmente sua ex-parceira e destruir sua imagem perante a sociedade.

A definição de revenge porn, pode ser encontrada na campanha promovida pela Cyber Civil Rights Iniciative (CCRI), onde diz:

Re•venge porn, n.- A form of sexual abuse that involves the distribution of nude/sexually explicit photos and/or videos of an individual without their consent. Revenge porn, sometimes called cyber-rape or non-consensual pornography, is usually posted by a scorned ex-lover or friend, in order to seek revenge after a relationship has gone sour. (Disponível em: http://www.endrevengeporn.org/ Acessado em: 07 de outubro de 2014)

Uma outra definição sobre o tema foi registrada em 2011 no Urban dictionary[CB4] , um dicionário de terminologias criadas de acordo com os novos acontecimentos sociais, conceituando a vingança pornô como “a nude photograph or video which is publicly shared online (most frequently by an ex-lover of the subject's) for the purpose of spiteful humiliation and/or the lulz”.

A Suprema Corte de Horace Grey nos Estados Unidos está formalizando o combate não consensual da pornografia e em seu texto “Combating Non-Consensual Pornography – a working paper”, define tal problema, como:

Non-consensual pornography is the distribution of sexually graphic images of individuals without their consent. This includes images originally obtained without consent (e.g. hidden recordings or recordings of sexual assaults) as well as images originally obtained with consent within the context of a private or confidential relationship (e.g. images consensually given to an intimate partner who later distributes them without consent, popularly referred to as “revenge porn”). Non-consensual pornography does not include images taken of individuals in public or of people engaged in unsolicited and unlawful sexual activity, such as flashing.

Ana Freitas, em matéria publicada no site da Revista Galileu, conceitua pornografia de vingança como “fotos vídeos pornográficos caseiros, frequentemente gravados por casais, que acabam sendo vazados - nesse caso, de propósito - por parceiros enfurecidos depois do fim do namoro e cuja repercussão acabam transformando a vida da garota envolvida em um inferno”.

Percebemos que, em todos os conceitos, a ideia transmitida é a mesma, ou seja, o ato praticado e registrado na intimidade sexual, acaba em domínio público e a consequência disso atinge diretamente a vítima que tem sua integridade destruída e indiretamente o seu grupo social e familiar.

REDES SOCIAIS

As redes sociais são facilitadoras para a propagação desse conteúdo. Facebook, instagram, tinder, hangouts e whatsapp são as redes sociais mais usadas e as principais aliadas na violação da privacidade através do compartilhamento não autorizado, das mídias em que retratam a intimidade do casal.

Dentre as redes de relacionamento listadas acima, uma que atua através de aplicativo para smartphones, chamada whatsapp merece destaque. Por ser uma ferramenta bastante simples e eficiente em seu compartilhamento, ele tem estimulado e intensificado a divulgação desse tipo de material.

Segundo Brancatelli (2013),

“o popular aplicativo para troca de mensagens pelo celular transformou-se em território livre para o revenge porn, ou a pornografia de vingança, que acontece quando fotos íntimas e vídeos de sexo de ex-namoradas são vazadas na rede”.

Alguns dados apresentados pela revista informa que o whatsapp é disparado, o aplicativo com maior número de compartilhamentos em relação ao Facebook que vem em segundo lugar. Essa disparidade ocorre pela facilidade de manuseio, pois, com ele instalado em seu aparelho e com apenas alguns cliques, dá pra compartilhar em alta velocidade qualquer tipo de conteúdo envolvendo texto, imagem, som e vídeo.

Esse aplicativo desenvolvido para celulares ou smatphones é usado no mundo por mais de 350 milhões de usuários e ultrapassa hoje, redes sociais mais populares como o Twitter e o Skype. Até o final do ano de 2013, já se constatava mais de 31 bilhões de mensagens trocadas por dia, onde 700 milhões delas envolviam fotos e vídeos.

A princípio, o programa não objetivou essa finalidade, já que foi idealizado para reduzir custos de uma empresa que passava por crise econômica, principalmente com as despesas advinda de taxas na área de telecomunicação. Consequentemente, promoveu tanto a aproximação como a construção de novas amizades, pois vislumbrou, através de mensagens de texto, imagens, áudios e vídeos, essa interligação.

A falta de moderação e a ausência de leis faz com que o sistema apresente um lado consideravelmente negativo para a reputação principalmente feminina, pois quando utilizado de forma leviana, com intenção real de violar, prejudicar, transtornar e denegrir a imagem destas, como ocorre nos casos da pornografia vingativa, ele é um aliado completo e indispensável.

A delegada titular, Ana Elisa Gomes Martins, responsável pela Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) em Goiânia e que acompanha uma das inúmeras vítimas da pornografia de vingança, faz o seguinte comentário sobre o aplicativo:

"O Whatsapp virou um lugar perfeito para essa pornografia de vingança. O cara vai lá, grava a namorada durante o sexo, aí acaba o relacionamento e ele manda as fotos para os amigos. Os amigos repassam a outros amigos e, de uma hora para a outra, o caso vira uma humilhação pública", afirma Ana Elisa, responsável pela Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher.

No Brasil, alguns episódios envolvendo a pornografia de vingança, estamparam as principais páginas de notícia do país onde algumas meninas ficaram “famosas” por serem reconhecidas em vídeos íntimos divulgados pelos seus ex companheiros.

Lamentavelmente, essa exposição não autorizada é muito frequente seja pela internet, mensagens via smartphones ou qualquer outro mecanismo para trocar informações. Indigno ainda é o tratamento pejorativo que a vítima sempre recebe, já que não era pra ter confiado em demasia pelo seu parceiro ou não era pra ter se deixado registrar com câmeras cenas durante a relação sexual com seu parceiro.

O julgamento equivocado de algumas pessoas fazem com que essas mulheres sejam vistas como garotas de programa, prejudicando a relação familiar, social e profissional, sem contar com os inúmeros transtornos psicológicos que ela possa enfrentar, como dificuldade para se envolver em novo relacionamento, passar por altas doses de medicamentos afim de que diminuam sua dor ou até mesmo tentar “solucionar” o problema através de suicídio.

A traição é dolorosa, e ela se torna mais pungente quando há exposição explícita de sua nudez, de seu rosto e identidade, pois existe cumplicidade, carinho, afeto e demonstrações de amor nessa relação, sendo completamente diferente da pornografia profissional, onde não há sequer alguma espécie de sentimento e a cena apenas é fria e fingida.

Quando um artista famoso é atingido na intimidade, sua dor é ouvida. Mas isso é raro de ocorrer. Em geral, as vítimas são anônimas. As imagens circulam, rendem comentários os mais agressivos, ficam na rede para sempre. Quem as viu num mês, esquece. As vítimas têm o resto da vida para lidar com aquilo. Estão sempre a um Google de distância. Uma das moças que sofreu com isso, nos EUA, mudou o nome legalmente para fugir do legado. Aí alguém ligou seu novo nome às antigas imagens. Não há fuga. (?[CB5] )

A publicidade de sua privacidade vira pesadelo para essas garotas vítimas de pornografia de vingança e essa exposição transforma sua vida num verdadeiro inferno. Um exemplo desse transtorno é em função da sua relação profissional. São vários os casos em que elas perdem ou não conseguem mais um emprego descente, pois muita empresas não aceitam trabalhar com “garotas de programa”.

Outra comportamento perturbador para essas mulheres é o bullying tanto real quanto virtual, onde recebem constante ligações com piadas de mau gosto ou com propostas indecentes, são também estampadas em várias páginas da internet com conteúdo de cunho exclusivamente sexual e impróprio para menores.

Além desses transtornos, observamos que há um problema maior ainda, a impunidade em face da ausência de legislação específica sobre o tema.

É rotineiramente evidente a violência contra a mulher, seja ela praticada pelo ex-marido, namorado ou companheiro as detêm como sua propriedade. Atualmente, essa violência ultrapassou o mundo físico e podemos identificar que essa agressão no mundo virtual se configura pela exposição da sua intimidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do exposto, percebemos, em breve análise, a necessidade legislativa adequada e específica ao tema “pornografia de vingança” pelo ordenamento jurídico atual. Não podendo o direito pátrio ser omisso no descuido de permitir lacuna legislativa, o que impulsiona novas práticas dessa nova modalidade.

Devido a afetação particular a um bem jurídico específico – a honra – ser realizada pelo abuso de confiança e com a agravante do uso das redes de dados, o que faz perder totalmente o controle do material publicado e os torna os danos irreversíveis, é preciso que o Direito cuide de maneira peculiar essa questão, especialmente pela via penal.

Além disso, o tema que será debatido é extremamente novo, se comparado a outras temáticas estudadas pelo Direito. A internet como fato social conta menos de 30 anos na evolução histórica humana, e as inovações no campo tecnológico, que sempre acontecem, acabam tornado imprecisos conceitos antes considerados atuais. Isso acaba tornando necessária a discussão constante a respeito das consequências dessas inovações na vida social e no Direito.

Por esses motivos, a novidade do tema e as consequências dos danos causados por essa atitude imoral da “pornografia de vingança”, é extremamente importante ao estudo na seara do Direito, mais especificamente no campo penal, espécie do direito que mais se adequa essa questão nova e relevante.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 09-06-2014.

____. Decreto No 678, de 6 de Novembro de 1992, internaliza a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm>. Acesso em 09-06-2014.

CHIRAC. Frase de Jacque Chirac. Disponível em: www.frasesfamosas.com.br /de/jacques-chirac.html. Acessado em: 01/05/2011.

GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional. 13. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012.

PAESANI, Liliana Minardi. Direito e internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

PINHEIRO, Patrícia Peck. Direito digital. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

 

Referências em sítios da Internet

http://www.romario.org/portfolio/all/pornografia-de-vinganca/

http://www.proparnaiba.com/tecnologia/2014/02/16/whatsapp-um-territ-rio-livre-para-a-pornografia-de-vingan-a.html



[1] Bacharelando em Direito na Faculdade Paraíso do Ceará - FAP