Por Laércio Becker, de Curitiba-PR 

Pelo título deste artigo, à primeira vista, parece que vou falar de algum clube homônimo da veteraníssima Ponte Preta de Campinas. E, de fato, existiu uma Associação Atlética Ponte Preta em Curitiba. Time amador do bairro Pinheiros, presidido por José Francisco Alves, o popular Tizica, disputou a 2ª divisão da Suburbana, de 1996 a 2001. Antes dele, outra Ponte Preta disputou a Liga Suburbana Independente de 1932 e 1933, e a Liga Curitibana de Esportes Atléticos de 1933 e 1934. Pelo que venho acompanhando as notícias do futebol amador, na coluna de Leônidas Dias (no Diário Popular e agora no Jornal do Estado), não vejo menção a nenhuma Ponte Preta nos torneios amadores da atualidade.

Mas não é desses times que pretendo falar, e sim de uma ponte ferroviária existente em Curitiba. Inaugurada em 02.02.1885 em madeira, era conhecida inicialmente como Ponte da Rua Schmidlin, nome da via sobre a qual passava (atual João Negrão), homenagem ao proprietário dos terrenos da região. A ponte foi construída porque, em períodos de chuva, a rua, coberta com macadame (tipo de terra e pedra compactadas), virava um verdadeiro lodaçal, o que impôs o soerguimento da ferrovia. Pintada de preto, ganhou o apelido óbvio: Ponte Preta. (Assim como outra ponte ferroviária, preta e também tombada pelo patrimônio histórico, só que em Campinas – sobre o assunto, ver o nosso artigo “A Ponte Preta em livros, músicas e... Leis”.)

Devido ao aumento do tráfego ferroviário, em 1944 a ponte original foi substituída por outra, feita com uma estrutura de metal importada dos EUA (pois o Brasil ainda não possuía uma fundição de aço). Inaugurada com o nome oficial de “Viaduto João Negrão” (que é a rua que passa por baixo dela), tinha inicialmente cor de alumínio, mas mesmo assim herdou o apelido “Ponte Preta” da sua antecessora, até que depois passou a ser pintada de preto também.

Projetada pelo engenheiro Oscar Machado da Costa, com a colaboração dos engenheiros José Filizola e Roberto Saraiva Ozório de Almeida, foi montada sob a supervisão do engenheiro Alceu Moletta. Esta segunda ponte foi construída com técnica pioneira no mundo! Quem explica é o engenheiro Raul Ozório de Almeida, responsável pela restauração e filho do já citado engenheiro Roberto Ozório, um dos responsáveis pela construção da obra:

“A ponte possui três grandes vigas. A do meio sustentava o maior peso e não havia geometria para mudar a altura dela. Por isso, foi construída uma viga com balanço concretado, que dava o peso contrário ao do trem. Foi a primeira vez no mundo que esse conceito foi utilizado.”

Ou seja, como naquela época não existia o conceito de protensão, i.e., de tensões prévias no concreto, foram utilizados blocos de concreto nas extremidades, a título de contrapeso, para deixar os trilhos no nível correto, evitando que a estrutura metálica apresentasse curvatura durante a passagem do trem. A própria empresa americana que construiu a estrutura metálica exigiu dos engenheiros brasileiros a assinatura de um termo de responsabilidade, pois nunca haviam construído algo assim.

Graças a esse pioneirismo, a ponte foi tombada pelo Patrimônio Histórico estadual em 13.08.1976. Encontra-se no Livro Tombo Histórico da Coordenadoria do Patrimônio Cultural sob o nº Tombo 56-II, Processo nº 57/76. Em 1977, o ramal que ia até a antiga estação da Praça Eufrásio Correia (atualmente, parte do Shopping Estação, onde se encontra o Museu Ferroviário) foi desativado para o tráfego ferroviário, que passou à rodoferroviária.

Sob a Ponte Preta, duas placas de bronze idênticas, uma em cada pilar de cantaria em que se apóia a ponte, assim a descrevem (as observações entre chaves são minhas): “Viaduto João Negrão – construído na administração do Coronel Durival de Britto e Silva – pelo Engenheiro Oscar Machado da Costa – 1944 – RVPSC”. Lembretes: Durival Britto é o nome do estádio do Paraná Clube, herdado do CA Ferroviário; e RVPSC é a sigla de “Rede de Viação Paraná – Santa Catarina”. Vizinho à Ponte encontra-se outra construção histórica: o edifício Engenheiro Teixeira Soares, que também foi patrimônio da RVPSC, depois da RFFSA até ser doado à UFPR.

Dimensões? Pois não. A ponte tem 32,8m de comprimento total, sendo 21,2m no vão central e 5,8m nos vãos laterais. A distância entre as vigas principais (longarinas) é de 5m. As vigas têm altura variável: 2,52m nos apoios e 1,52m no centro do vão. Quanto à altura da ponte, originalmente era de 4,5m, mas as sucessivas camadas de capa asfáltica que são colocadas na rua diminuíram para 3,6m – o que causa muitos acidentes, pois caminhões mais altos cujos motoristas não prestam atenção na sinalização acabam “entalados” sob a ponte.

Esses acidentes têm provocado longos debates entre os que são a favor e contra uma elevação da ponte. Os favoráveis argumentam que só assim será possível evitar os rotineiros acidentes. Os contrários alegam que essa elevação da ponte alterará sua estrutura pioneira, justamente ela que merece ser preservada. E ainda há os que defendem a pura e simples retirada da estrutura que liga nada a coisa nenhuma – o que evidentemente é descartado.

Como a ponte está atualmente sem manutenção, enferrujada, pichada, com os dormentes podres e atingida por tantos caminhões, há um projeto de restauração, previsto para ser realizado em 2012, o qual prevê, além de uma revitalização completa, com manutenção de suas características históricas, o reforço na sinalização de trânsito, a instalação de sensores de altura e a retirada da capa asfáltica desse trecho da Rua João Negrão, voltando aos paralelepípedos – o que, além de aumentar a altura do vão da ponte, diminuirá a velocidade dos veículos.

Para terminar como começamos, vamos à pergunta que não quer calar: por acaso a ponte inspirou o nome das duas Pontes curitibanas? A pergunta faz sentido. Afinal, em Campinas, a ponte ferroviária deu nome ao bairro e ao clube. Só que, no caso de Curitiba, não temos elementos seguros para responder à questão. O que sabemos é que, sob a ponte, antigamente, era comum a venda de caranguejos trazidos do litoral. Então, ao contrário de hoje, era praticamente um ponto de encontro social e comércio, burburinho. Com isso, até pode ter inspirado a Ponte que disputou os torneios da década de 30. Mas dificilmente a Ponte da década de 90, quando o viaduto já estava desativado, sem apelo futebolístico nenhum, sem campo de futebol na vizinhança – o mais próximo é o Estádio Durival Britto, mas a proximidade não foi suficiente para mudar o nome do CA Ferroviário, nem do Colorado EC, muito menos do Paraná Clube. Ademais, a Ponte dos anos 90 também era Associação Atlética, o que faz crer que foi realmente mais uma das inúmeras homenagens à Macaca campineira.

 

Fontes:

ACIDENTES na Ponte Preta têm solução: proposta sugere o uso de macacos hidráulicos para erguer a estrutura metálica da década de 40. Gazeta do Povo, 24 mar. 2002, p. 11.

CARVALHO, Joyce. Patrimônio abandonado na capital: viaduto ferroviário histórico está enferrujado, pichado e sofre com as batidas dos caminhões. O Estado do Paraná, 2 jun. 2007, p. 14.

DESTEFANI, Cid. Ponte Preta. Gazeta do Povo, 14 abr. 2002, p. 11.

E COMO fica a “Ponte Preta”? Jornal do Batel, ed. nº 99, mar. 2007.

FALTA de manutenção na Ponte Preta oferece riscos: os prejuízos com acidentes já superam os custos de uma solução. Gazeta do Povo, 31 mar. 2002, p. 3.

MACHADO, Heriberto Ivan; CHRESTENZEN, Levi Mulford. Futebol do Paraná: 100 anos de história. Curitiba: ed. dos autores, 2005. p. 804, 829-32.

ONG luta para preservar prédio histórico: batalha jurídica está sendo travada para evitar leilão do edifício Engenheiro Teixeira Soares, em Curitiba. O Estado do Paraná, 6 abr. 2006, p. 8.

PONTE Preta. Gazeta do Povo, 7 abr. 2002, p. 9.

PONTE Preta vai ser revitalizada. Obras começam em janeiro: monumento tombado como patrimônio histórico do Estado também vai servir como passarela para pedestres. Jornal do Estado, 14 set. 2011, p. 9.

SOLUÇÃO para a Ponte Preta: tombada pelo patrimônio, estrutura pode ser colocada mais alta. Gazeta do Povo, 20 mar. 2002, p. 7.

VEREADOR pede elevação de ponte: administração pública também é assunto para políticos. Gazeta do Povo, 22 abr. 2002, p. 11.