Vanessa Massaro

A pessoa jurídica tem sofrido muitos revezes porque não tem sido utilizada para o escopo que fora criada, o que tem gerado discussões no mundo jurídico, principalmente na Europa, sobre a sua verdadeira função, ou seja, se está desempenhando o seu papel de forma adequada.

Todavia, análises sobre a "desconstrução" da pessoa jurídica não serão ainda encontradas no Brasil e muitíssimo pouco na Europa, onde esse assunto fora levantado inicialmente, porque não se chegou ainda a nenhuma outra figura jurídica fictícia que pudesse substituí-la, pois talvez o seu aprimoramento seja o melhor caminho.

Nesse trabalho abordamos um pouco sobre quais são os fatores que tem despertado a atenção sobre a desconstrução da noção de pessoa jurídica.

O tema certamente gera muita dificuldade porque o papel da pessoa jurídica tem sido fundamental para o desenvolvimento econômico mundial.

Muitos estudos jurídicos afirmam que somente o homem é capaz de agir, realizar, projetar, porém, quando o mesmo tem como objetivo atingir fins que “uti singuli” não conseguiria, a lei permite a construção de entes fictícios, organizados de maneiras variadas.

A pessoa jurídica, mesmo que fictícia, possui cidadania em todos os ordenamentos jurídicos, tem direitos e deveres, bem como, para o seu funcionamento e organização são emanados inúmeros atos normativos em matéria, civil, penal, administrativa, etc.

Mesmo sendo uma estranha ficção criada pela lei, a pessoa jurídica é capaz de realizar e obter fins produtivos e sociais que seriam impossíveis para o homem considerado individualmente, ou seja, a pessoa jurídica pode se tornar um grande centro econômico de desenvolvimento social, basta pensar na força econômica que possuem alguns grupos econômicos nas bolsas de valores e também na sua importância social sobre o ponto de vista da criação de postos de trabalho formais.

Nesse contexto se pode afirmar que a pessoa jurídica possui uma indiscutível capacidade produtiva que seria impensável para o homem, porém um fato muito negativo é que ao mesmo tempo esse ente fictício criado pela lei tem sido um grande instrumento para a realização de certas formas de criminalidade.

Temos visto quotidianamente que ilícitos como a fraude, a lavagem de dinheiro, a corrupção, bem como, lesões cometidas contra os chamados novos bens jurídicos, como é o caso do meio ambiente, por exemplo, são realizados por pessoas jurídicas ou através delas.

Consequência disto, tem sido a necessidade de discutir-se sobre a responsabilidade criminal da pessoa jurídica, pois esse tema tem sido objeto frequente de estudos nos ordenamentos jurídicos em âmbito mundial, uma vez que tais problemas não são características apenas da realidade brasileira, porque muitos países que são considerados de primeiro mundo têm enfrentado essa dura realidade, e recentes pesquisas elaboradas pelo Banco Mundial indicam que os valores da corrupção na Europa ultrapassam a casa dos bilhões de euros.

Os Estados Unidos também conhece bem esse problema e tenta solucioná-lo através do Model Penal Code americano.

Historicamente o ordenamento americano originou a teoria econômica do direito, e através desse enfoque econômico surgiram inúmeras sanções na legislação americana que visam punir as condutas criminosas praticadas pelas pessoas jurídicas, porém muitas empresas americanas, no intuito de prevenir e evitar tais condutas, têm adotado códigos de ética, ou seja, uma forma de autorregulamentação das pessoas jurídicas.

Nesse caso encontramos um claro exemplo de aperfeiçoamento da pessoa jurídica sem a necessidade de superar o esquema societário, desconstruindo-a, porque tais códigos de conduta interna promovem uma consciência necessária no mundo corporativo sobre a necessidade de respeitar-se as leis e com isso impedir a realização de condutas criminosas.

Os acontecimentos ocorridos no mundo jurídico americano foram historicamente importantes, tanto que o Guidelinel de 1991, introduziu o chamado “Compliance Programs”, que fora e tem sido largamente utilizado em todos os países, e não somente na área privada, como também nas administrações públicas, basta vermos o exemplo do governo australiano que tem realizado um excelente trabalho com a aplicação de técnicas de compliance na administração pública através da criação de agências de controle.

O objetivo principal dessas discussões é não ter que desconstruir a pessoa jurídica toda vez que se apresente um problema, como por exemplo, nos casos de inadimplência ou quando são praticadas condutas ilícitas pelos administradores ou gestores.

Nesse contexto o brocardo “societas delinquere non potest” vem sendo abandonado com o tempo, pois podemos encontrar normas sobre a responsabilidade penal das pessoas jurídicas desde 1995 nos códigos da França, Holanda, Noruega, Irlanda, Escócia, Inglaterra, Espanha e até mesmo na Alemanha, onde o ente coletivo seria capaz de ações somente através de um órgão de sua administração e não estaria sujeito a uma sanção (pena), todavia hoje já estão previstas no Código Penal alemão normas sancionatórias sobre o tema, mas tudo isso fora resultado de uma política criminal combativa criada nos últimos anos pela União Europeia.

Insta salientar que quando falamos na desconstrução da pessoa jurídica devemos nos reportar as discussões que tem sido travadas nas últimas décadas sobre esse problema.

Em 1920 no curso de Instituições de Direito da Universidade de Nápoles já se falava sobre o desmantelamento ou a desconstrução das instituições jurídicas, e não somente da pessoa jurídica.

A ideia principal era buscar nos acontecimentos históricos ideias inovadoras que pudessem substituir as antigas, uma vez que tais acontecimentos sempre acabavam por influenciar as instituições humanas e consequentemente as instituições jurídicas, e como exemplo podemos citar a elaboração do famoso Código Napoleônico de 1804 e as influências da Revolução Industrial em muitos ramos do direito.

O fundamento para esse pensamento jurídico era a convicção de que o conceito de evolução orgânica teria a tendência de estender-se para além das relações humanas, abrangendo a ética, a economia, as leis, dentre outros, que acabavam por assumir um papel na evolução, produzindo o nascimento e o desenvolvimento de organismos formados por seres organizados, mas que também poderiam acarretar o desaparecimento dos mesmos quando fosse necessário.

Sobre o tema proposto para reflexão podemos nos reportar as experiências históricas do direito romano onde se estudava o fenômeno regressivo das instituições jurídicas em diversas vertentes, mas somente nos dias atuais é que sentimos a necessidade de colocar em pauta esse problema, principalmente devido aos abusos que veem sido cometidos através da pessoa jurídica e as dificuldades encontradas em evitar a sua desconstrução.

No direito romano o fenômeno regressivo das instituições jurídicas se configurava em hipóteses de aniquilação total ou parcial das mesmas através da modificação da sua essência e objetivos, ou aquelas hipóteses nas quais poderiam ser modificas apenas uma categoria de instituições, ou mesmo uma organização social inteira, para se obter um novo caminho evolutivo que introduzisse nas velhas organizações elementos novos, que trariam condições inovadoras e força para evoluir.

Na lei romana era admissível utilizar-se dos resultados obtidos com a interpretação histórica derivada das instituições sociais, e os exemplos são muitos, desde a expansão dos institutos de tutela e os vínculos que estabeleceram determinadas formas ou procedimentos aos institutos jurídicos, podendo gerar inclusive o seu desaparecimento, como aconteceu no direito romano sobre o modo de aquisição da propriedade que passou a ser legal ou através da estipulação das partes. O resultado foi uma enorme expansão dos conteúdos das relações ( humanas, comerciais, etc.) e dos institutos que derivaram destas.(1)

É importante salientar que não faltam setores do direito dos quais brotem institutos que encontraram uma renovada razão de existir como figura jurídica, mas cuja função poderá ser considerada em parte exaurida e superada porque não corresponde mais ao escopo de sua criação originária.

A ideia predominante sobre a desconstrução das instituições seria o fato de que aquilo que bastava antes já não seria mais suficiente para os dias atuais, porque pode ter sido útil em uma determinada época mas não serve mais para alcançar o desenvolvimento das instituições, bem como, das relações públicas e privadas, principalmente quando se fala em atividades econômicas.

Um exemplo bastante se traduz quando ouvimos falar sobre o atentado a segurança jurídica em determinadas decisões proferidas pelos tribunais ou na elaboração de novas legislações, principalmente no âmbito criminal, todavia o que ocorre é que: aquela norma ou aquela decisão que era o suficiente para decidir determinada questão anteriormente, devido ao clamor da sociedade, por exemplo, não basta mais para os dias em que vivemos, portanto, muitas vezes os legisladores e magistrados se veem obrigados a decidir de maneira diversa sobre determinados temas, uma vez que os códigos, as leis e a jurisprudência são as diretrizes principais, mas obviamente não são capazes de prever todas as situações da vida.

Nesse mesmo sentido a maior parte das figuras contratuais elaboradas pela prática mercantil tem sido modificadas pelas exigências impostas através da necessidade de criar, por exemplo, novas formas de financiamento para a aquisição de bens e produtos, que são necessários para o exercício da atividade empresarial e que possam simplificar a gestão dos recursos. (2)

Com relação ao instituto chamado pessoa jurídica, para o qual tem ocorrido um processo de revisão no plano conceitual, se constata que deve existir uma atenção renovada ao problema da sua desconsideração, pois tal procedimento jurídico muitas vezes pode reconduzir a resultados não muito satisfatórios.

Não existe um ordenamento que não tenha construído a pessoa jurídica como um sujeito jurídico autônomo, distinto dos seus membros.

A forma, pessoa jurídica, e a sua realidade ou substrato social, estão intimamente conectados, mas distintos em determinados aspectos, porque a pessoa jurídica age e realiza as suas atividades no interesse dos seus membros; e através do agir autônomo da pessoa jurídica os seus membros alcançam seus objetivos, mesmo que compondo uma coletividade.

A distinção entre o ente social fictício e seus membros se substância na autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus componentes, gerando consequências em termos de organização corporativa, com o objetivo de consentir o legítimo agir da pessoa jurídica, bem como de ocorrer a imputação a mesma sobre determinados atos.

Muitos países negam a autonomia absoluta da pessoa jurídica, o que tem gerado um interesse em saber dentro de qual limite seja admitida a desconsideração dessa alteridade, e se tal comportaria a sua regressão, ou mesmo, a desconstrução do esquema organizacional criado, chamado na terminologia moderna de “crise do instituto”; e se tais acontecimentos podem ser considerados apenas como uma fase involutiva da pessoa jurídica ou uma oportunidade para sua revitalização.

Uma característica que sempre acompanha as instituições que estão em decadência é a contradição existente entre a sua disciplina ( organização ) e a efetiva realidade das relações jurídicas, ou seja, se aquele ente não corresponde mais as necessidades para as quais fora criado deixa de ter razão para existir, porém a pessoa jurídica está muito longe disso.

No plano fático, é sempre bom atentar sobre todas as hipóteses nas quais o uso da pessoa jurídica, concedida pela lei, se traduz em instrumentos que nada mais são que a aquisição de vantagens pessoais ou a aplicação de uma disciplina específica desfavorável ao interesse comum da sociedade, os quais estão na contramão do escopo principal do ente criado. São aquelas hipóteses nas quais se caracteriza o abuso da pessoa jurídica propriamente dita, mas de uma forma indireta, consignando a sua desconstrução.

Uma observação importante que deve ser feita é que a pessoa jurídica não é um instituto preexistente mas uma criação legislativa. Nesse aspecto é importante considerar: a coerência que deve existir entre o objetivo do ente fictício (pessoa jurídica) e a sua finalidade concreta, com o escopo de guiar os operadores do direito nessa linha de raciocínio a fim de aplicar a disciplina que seja mais apropriada.

Em outros termos, a repressão ao abuso da pessoa jurídica deve ser colocada na balança em equilíbrio com os casos que chegam aos tribunais, bem como em relação as experiências vividas pelos operadores do direito, pois cada problema sobre a aplicação de uma determinada norma deve ser analisado concretamente com o escopo de observar se estão presentes os pressupostos necessários para a plicação da norma, ou seja, se deve ser aplicada ou não a disciplina especial que é destinada a pessoa jurídica como organização coletiva e como organização de pessoas e interesses.

Nesse sentido podemos citar hipóteses nas quais o uso impróprio da pessoa jurídica é prejudicial para aplicação da disciplina que seria correta, como no caso da matéria sucessória onde em muitos países existe a prática de constituir uma sociedade de capitais para a qual se conferir parte ou todo o capital que seria destinado a cadeia sucessória com o escopo de fugir dessa sucessão ordinária. Portanto, para a sociedade é conferida um patrimônio com o intuito de impedir que o mesmo se fragmente, assegurando uma única gestão, mas também com o objetivo de atrapalhar as expectativas de algum herdeiro.

 

A pessoa jurídica oferece através de sua criação uma série de instrumentos para atuar em interesses preordenados, todavia, em muitos casos não se observa se tais interesses são lícitos ou não.

 

Nesse sentido podemos citar ainda a responsabilidade limitada, pois nesse setor são encontrados a maioria dos abusos da pessoa jurídica, para tanto basta recordar a experiência do sócio “tirano” advinda do direito italiano, onde o sócio chamado de “socio di maggioranza” utiliza-se da pessoa jurídica para criar um percentual mínimo de capital com atribuição de outros sócios, ou seja, cria uma situação substancial de responsabilidade limitada não respeitando o regime de responsabilidade criado pela lei, possuindo um poder despótico que tem como base a distinção entre o patrimônio social daquele que pertence aos sócios e principalmente concedendo poder de gestão para aqueles que serão investidos como administradores.

 

Esse fenômeno ocorre, por exemplo, quando são constituídos financiamentos que o sócio tirano concede a sociedade, pre constituindo-se como credor com o escopo de obter a restituição antecipada dos créditos em relação a outros credores sociais. Nesse caso a autonomia tem um papel decisivo para que a sociedade possa assumir a condição de devedora em relação a esse credor, o qual é também sócio da sociedade. Portanto, o sócio tirano acaba desenvolvendo uma atividade empresarial, cujos atos e efeitos são imputados à sociedade, que é sua devedora.

 

Todavia quando falamos na pessoa jurídica com relação a disciplina sobre responsabilidade é importante salientar que não se pode considerar qualquer uso da pessoa jurídica como abuso, mas o uso ilícito da mesma.

 

Na verdade devem ser consideradas todas as intervenções legislativas destinadas a garantir a utilização da pessoa jurídica que permita a possibilidade de um cuidado pontual dos interesses daqueles que sofrem influência dessa disciplina ou quando existe uma aplicação generalizada ou um uso mais difuso de um determinado modelo associativo. Mesmo que isso acabe por permitir a desconsideração da autonomia e dos perfis estruturais da pessoa jurídica.

 

O esquema puro da pessoa jurídica regride para obter uma forma subjetiva, pois quando se permite que sejam distintos a sociedade de seus componentes, bem como os patrimônios de ambos, utiliza-se modelos de ação e critérios de imputação que não são exclusivos da pessoa jurídica, tal fato pode caracterizar, por exemplo, a sua responsabilidade.

 

Em matéria de locação, por exemplo, no caso de imóveis que são destinados a atividades comerciais a autonomia da pessoa jurídica pode ser utilizada por terceiros contra os interesses comuns, e de outro lado, pode constituir um instrumento legítimo para a transferência dessa relação contratual, podendo tal cessão acarretar também um prejuízo ao locador na hipótese em que uma sociedade se funde com outra do mesmo grupo para consentir a incorporante de prosseguir no contrato de locação em vigor. Nesse caso existe uma hipótese legal que é utilizada para trazer uma vantagem, como a prorrogação de um contrato de locação, mas respeitando-se a lei.

 

A sucessão societária é a absorção dos direitos e obrigações de uma pessoa jurídica por outra, que pode ocorrer de diversas formas, como a fusão, a incorporação, e outras. Quando ocorre uma sucessão societária entre empresas e existem contratos de locações ainda em vigência em nome da empresa sucedida, nos termos exatos do Art. 1.116, do Código Civil brasileiro, a empresa sucessora torna-se detentora de todos os direitos e obrigações relacionados ao contrato da empresa sucedida.

 

Mesmo que houvesse qualquer disposição proibindo a alteração dos quadros societários da locatária tal cláusula seria nula, porque as alterações societárias internas da mesma não se confundem com as figuras da cessão ou sublocação da relação locatícia.

 

No caso do direito brasileiro podemos citar o art. 51, §1º da Lei nº 8245/91, que trata sobre a ação renovatória de locação, que dispõe: “o direito assegurado neste artigo poderá ser exercido pelos cessionários os sucessores da locação (...).”

 

Portanto, além de não haver nenhuma previsão legal sobre essa equiparação, quando da alteração da Lei de Locações pela Lei 12.112/2009, veiculou-se a possibilidade de estabelecer dispositivo legal que equiparasse a alteração do controle societário da pessoa jurídica locatária à cessão da locação, para fins de verificação de infração contratual ao acordo locatício. Tal dispositivo foi expressamente vetado (§3º do art. 13 da Lei 8245/91), conforme a mensagem de veto:“Não é possível confundir a estruturação societária da pessoa jurídica, que, independentemente da formação do quadro de sócios, tem personalidade jurídica própria, com o contrato de locação havido entre o locador e a própria pessoa jurídica”. (Mensagem nº 1.004, de 9 de Dezembro de 2009)

 

Ou seja, o contrato de locação firmado entre locador e pessoa jurídica não possui nenhuma relação de dependência com a estruturação societária de pessoa jurídica locatária, considerando, essencialmente, a distinção da personalidade jurídica de cada um (sócios e a própria pessoa jurídica) conferida pelo ordenamento jurídico, caso contrário, se impediria ou dificultaria sobremaneira as operações societárias de transferência de cotas sociais ou ações de sociedades empresárias, tal como, a incorporação, fusão ou aquisição da participação majoritária de grandes empresas.

 

Por essas e outras razões que o princípio da responsabilidade, que é o princípio fundamental da pessoa jurídica, poderia ser destinado a desconstrução da mesma.

 

A tendência dos ordenamentos jurídicos modernos é de reconhecer a responsabilidade da pessoa jurídica, seja em matéria, penal, administrativa, civil, etc. O escopo principal é garantir aos terceiros que sofrem danos uma tutela ressarcitória, uma vez que, geralmente, os bens dos sócios ou dos administradores que causaram tais danos não são suficientes para cumprir com a obrigação ressarcitória.

 

Quando se discute o momento em que esse tipo de regra é aplicada, não se está referindo a uma responsabilidade criminal ou administrativa, mas a aceitação da desconstrução de uma das características essenciais da pessoa jurídica que é a responsabilidade limitada.

 

Quando analisamos o problema de um ângulo absolutamente técnico a resposta a essas dúvidas seria talvez que isso não acontece porque a responsabilidade da pessoa jurídica é imputável devido a um ato ilegítimo ou ilegal realizado pelo administrador, e que o beneficiário do ressarcimento seria em primeiro lugar credor da pessoa jurídica, que é chamada pela lei para responder por aquela obrigação.

 

Observa-se também que quando a responsabilidade é estendida a pessoa jurídica devido a uma tipo penal, por exemplo, e tendo em vista que quem ressarce é a sociedade, os sócios se tornam indiretamente responsáveis pelos crimes cometidos pelos administradores. Portanto, não estaríamos diante da necessidade de uma desconstrução do esquema societário para resolver essas questões, pois as mesmas poderiam ser resolvidas através de instrumentos legislativos existentes. Nesse caso estamos diante de um verdadeiro ataque ao princípio da separação dos patrimônios, que traz consigo a crise desse sistema e uma ameaça às suas estruturas.

 

Esse problema não tem sido resolvido, principalmente em termos de desconsideração da autonomia ou alteridade e consequente separação dos patrimônios entre a pessoa jurídica e os que a compõe.

 

A responsabilidade patrimonial indireta do sócio ou dos membros da pessoa jurídica pelos atos daqueles que estão investidos do poder de gestão está intrínseca na sua própria condição ( de sócio ou membro), nesse sentido pode-se afirmar que não restam dúvidas que no caso de uma gestão temerária os sócios são indiretamente e patrimonialmente responsáveis pelos atos dolosos ou culposos praticados pelos administradores, salvo no caso de outras possíveis forma de tutela.

 

Parece que a solução para esse problema, ou seja, a necessidade de aplicação da desconstrução do esquema societário devido a atos praticados ou a determinados acontecimentos que forcem essa medida drástica, bem como a sua justificação, podem ser encontrados na necessidade de adequação da disciplina do instituto as exigências de uma igualdade social no sentido de prevenir eventuais abusos, bem como uma rígida aplicação das normas relativas a autonomia e organização corporativa.

 

Parece ser decisivo que na atual evolução da noção de pessoa jurídica e de sua disciplina ocorra a exigência da continuidade de uma norma diferenciada do “agir humano” para explicar se o que se está regulamentando é uma ação individual, ou a expressão de um interesse próprio, ou então, a atividade de mais sujeitos, que expressa um interesse comum a ser alcançado internamente em uma coletividade organizada.

 

Abordo esse assunto, mas não especificamente sobre a pessoa jurídica apenas, mas sobre a desconsideração da pessoa jurídica nos grupos societários na minha tese de doutorado que será publicada em italiano, e aponto algumas possíveis soluções para não termos que enfrentar sempre a desconstrução da pessoa jurídica.

 

O desenvolvimento desse tema pode encontrar uma justificativa razoável para a revisão da noção de pessoa jurídica inspirado pela necessidade de uma reconstrução compatível com a realidade fenomenológica do instituto, do qual a estrutura jurídica é a projeção como indicadora da necessidade de um regulamento específico.

 

Nesse momento podemos citar ao menos um fato conclusivo que em princípio, como se pode deduzir das indicações normativas relativas a desconstrução da pessoa jurídica e do reconhecimento de sua responsabilidade criminal, não seja necessário para reprimir os abusos, negar o princípio da autonomia, mas que a solução para esse problema deva ser buscado em normas que disciplinem os atos de fraude a lei, mesmo que a utilização de tais normas necessite de uma série de informações objetivas e um exame cuidadoso sobre quais seriam os interesses que estariam em jogo.

 

Podemos afirmar a essa altura que nem todas as hipóteses de uso indireto da pessoa jurídica se configuram como atos ilícitos, mas o que se pode dizer de maneira genérica é que onde o abuso se caracteriza como um absoluto desprezo das normas fundamentais que regem aquele modelo utilizado, ali existe uma clara intenção de fraudar a lei.

 

Quando esse desprezo esvazia ou descaracteriza aquela determinada forma jurídica de todo o seu conteúdo preestabelecido em lei, significa que deve cessar a proteção sobre aquela organização coletiva e seus benefícios, porque o interesse que a mesma persegue não é mais um interesse comum, mas interesses individuais de sócios, fundadores ou até mesmo de terceiros.

 

Nesse sentido, quando se fala em uma revisão da noção de pessoa jurídica o que deve ser considerado é a questão da autonomia da pessoa jurídica em relação aqueles sujeitos que a compõe.

 

Esse interesse é que precisa ser considerado a fim de se verificar se o escopo é lícito, ético e justo, no intuito de avaliar quando o mesmo esteja em conflito com os interesses de terceiros, como no caso dos credores e empregados, por exemplo. Portanto, a ideia principal é observar se aquele esquema societário pode usufruir de uma norma especial.

 

Outro aspecto relacionado a desconsideração da autonomia ou alteridade da pessoa jurídica que pode acarretar a sua desconstrução representa o fato da necessidade de tutela dos sócios contra os abusos de terceiros quando se pretenda invocar tal benefício, mas que no fundo poderá trazer prejuízos.

 

É importante salientar que a fraude a lei não deve ser a única maneira de reprimir abusos, mas que ao lado dessa deve-se, antes de tudo, considerar o princípio milenar da “exceptio doli”, que é sempre utilizado quando exista a vontade de prejudicar ou de frutar uma norma jurídica.

 

Também é importante considerar cuidadosamente o uso de instrumentos que estão tradicionalmente previstos nos ordenamentos jurídicos com o objetivo de tutelar a garantia patrimonial, porque muitos abusos da pessoa jurídica parecem ser não apenas presumidos, mas violações graves de outros princípios, como no caso, por exemplo, da venda para fraudar credores, ou qualquer tipo de subtração de garantias dos credores, que são corriqueiros no mundo jurídico.

 

Quando se fala nesse tema não se está abordando apenas a negação da autonomia ou a superação da noção de pessoa jurídica, mas um adaptamento da “universitas”, como um terceiro sujeito em relação aqueles que a compõe, e também as suas necessidades concretas que são dignas de tutela para a continuidade de um ensino jurídico incisivo que garanta a adequação da pessoa jurídica as mudanças ocorridas com o tempo, principalmente em relação aos usos impróprios deste instituto jurídico.

 

Portanto a desconstrução deverá ocorrer apenas em casos de graves violação de nomas, abusos e desvios de escopo, sob pena de estarmos diante de um desmantelamento não apenas da noção da pessoa jurídica, mas dos institutos jurídicos como um todo.

 

Notas:

 

(1)Para uma melhor compreensão sobre a aquisição da propriedade no direito romano podemos destacar o seguinte texto: “Il diritto di proprietà trova il suo antecedente storico in diritto romano nella figura del dominium ex iure Quiritium. Tale istituto designava in origine l'appartenenza piena ed esclusiva di una "res privata" ad un individuo, situazione riconosciuta e tutelata dal ius civile. Caratteristiche del dominium ex iure Quiritium erano la pienezza, la esclusività e l'elasticità. Al  "dominus" spettava ogni facoltà di utilizzare la "res" in maniera illimitata, la facoltà di modificarla e perfino di distruggerla. Il suo diritto era tutelato da un'apposita azione la "rei vindicatio" (da res vi dicere affermare violentemente un potere sulla cosa).Per il "ius civile", il dominium ex iure Quiritium poteva essere trasferito o mediante uno degli atti formali previsti per lo scopo ( mancipatio o  in iure cessio) se la "res" da trasferire era una "res mancipi" , ovvero tramite semplice consegna ( tradicio ) della cosa se si fosse trattato di "res nec mancipi". Qualora il trasferimento di una "res mancipi" non fosse avvenuto tramite l'atto formale richiesto, si creava una situazione ambigua per cui l'alienante rimaneva dominus ex iure Quiritium, mentre l'alienatario non riceveva tutela dal "ius civile" pur avendo acquistato la "res". Per ovviare a questi problemi alla fine dell'età repubblicana un pretore di nome Publicio concesse a chi si fosse trovato in tale situazione un'actio in rem con cui l'alienatario avrebbe potuto reclamare la cosa acquistata da chiunque lo avesse privato del possesso. Parimenti concesse una exceptio per tutelarlo qualora il "dominus" (rimasto tale secondo il "ius civile", ma non più proprietario nella sostanza) avesse rivendicato il bene.Si creò dunque un sistema doppio di proprietà che vedeva da un lato il dominum ex iure Quiritium (tutelato ex iure civili), e dall'altro la proprietà tutelata dal ius honorarium e tecnicamente definita in bonis habere. Di tale situazione scrive il giurista romano Gaio nelle sue Istituzioni: «Sed postea divisionem accepit dominium, ut alius possit esse ex iure Quiritium dominus, alius in bonis habere» (Traduzione: Ma in seguito si ebbe una divisione del dominium, tale che è possibile che qualcuno sia dominus ex iure Quiritium e un altro abbia in bonis).Divenuta ormai un orpello storico al tempo di Giustiniano, l'espressione tecnica "Dominium ex iure Quiritium" venne formalmente cancellata da una costituzione dell'imperatore che proclamò l'unicità del diritto di proprietà. ( wikiversity.org - consulta em 29.03.2018 )

 

(2) Galgano explica brilhantemente essas modificações: “Il contratto occupa una posizione dominante nel moderno diritto civile; assolve, in esso, una funzione diversa e ben più rilevante rispetto a quella che aveva svolto nelle epoche precedenti, dal diritto romano alle codificazioni dell'Ottocento.La figura che aveva dominato il diritto privato romano era stata la proprietà. In una società che aspirava alla sicurezza e alla stabilità, piuttosto che allo sviluppo, che mirava alla conservazione e al godimento della ricchezza, piuttosto che alla sua produzione, il diritto di proprietà si presentava come il diritto per eccellenza: «tutto il diritto», aveva insegnato Ulpiano,«tratta del come una cosa diventi di uno, o del come uno conservi la sua cosa, o del come uno la alieni o la perda». Il contratto era riguardato in questa prospettiva; era concepito come uno dei modi mediante i quali si acquista o mediante i quali si dispone della proprietà; la sua disciplina, soprattutto per il formalismo che lo caratterizzava, era dettata dall’esigenza di proteggere i contraenti in quanto proprietari che dispongono delle proprie cose.Il primo codice civile dell’era moderna, il code Napoléon del 1804, era il codice di una società ad economia prevalentemente rurale, pensato per ceti che ritraevano la propria prosperità dalla rendita dei suo-li, soprattutto agricoli. Si incentrava sulla proprietà, in particolare immobiliare, quale strumento che garantiva lo sfruttamento e, al tempo stesso, la conservazione della ricchezza .La disciplina dei contratti era concepita, principalmente, in funzione della proprietà: il codice civile li regolava in un libro, il terzo, che recava il titolo Dei modi di acquistare o di trasmettere la proprietà e gli altri diritti sulle cose. La libertà contrattuale era, oltre che facoltà di disporre della proprietà, garanzia di conservazione della stessa: la protezione rigorosa dell’autonomia ed effettività del volere – predisposta dalle norme sulle Condizioni essenziali per la validità delle convenzioni (artt. 1108 ss.) — era protezione del proprietario in sede di «trasmissione della proprietà». La libertà contrattuale si traduceva, sotto questo aspetto, nel principio secondo il quale nessuno poteva essere privato dei propri beni, o subire modificazioni della sua proprietà, senza il concorso di una sua libera ed effettiva volontà.Per quanto ancora legato alla funzione, traslativa della proprietà, che il diritto romano gli aveva assegnato, il contratto del code Napoléon denotava, per altro aspetto, una rottura rispetto alla concezione romanistica. Il contratto non era più, come era stato per i Romani, un atto formale, idoneo a produrre effetti giuridici solo grazie al suo vestimentum, ossia in virtù delle forme di cui era rivestito. Veniva enunciato il generale principio della libertà delle forme (salva la forma scritta richiesta per contratti immobiliari); e gli effetti giuridici del contratto erano collegati non più alle forme, ma alla volontà dei contraenti, in quanto diretta a produrli. Il diritto romano aveva sì conosciuto i nudi patti, nudi in quanto sprovvisti di forme, pura e semplice espressione della volontà delle parti, ma ad essi aveva attribuito solo una eccezione (cioè il diritto di neutralizzare una altrui pretesa), non anche una azione (ossia il diritto di pretendere una altrui prestazione). La rivoluzione che, sotto questo aspetto, si compie con la codificazione francese del 1804 sta nell’attribuire anche azione, e non solo eccezione, al nudus pactum e, perciò, nell’assegnare all’atto di volontà in quanto tale la funzione che il diritto romano aveva assegnato al vestimentum del contratto. I fattori che avevano generato questa rottura si erano-progressivamente prodotti, a partire dal Medioevo, nell’ambito degli usi del commercio, detti lex mercatoria, sensibili alle esigenze di sviluppo dei traffici e di celerità delle contrattazioni. Il code Napoléon generalizza, rendendolo proprio di ogni contratto, un principio che era nato per i contratti del commercio. Nella moderna società industriale il contratto è ormai disancorato dalla proprietà: assume una funzione a sé stante; diventa lo strumento caratteristico dell’attività imprenditoriale, diretta alla produzione e alla circolazione della ricchezza :con il contratto l’imprenditore si procura gli strumenti di produzione, provvedendosi dei capitali, delle merci e della forza lavoro che gli sono necessari; infine colloca sul mercato i prodotti finiti, che spesso arrivano al consumatore finale solo al termine della lunga catena della distribuzione commerciale, nel corso della quale i prodotti transitano da un intermediario all’altro, secondo una tipologia contrattuale che si è rivelata nel corso del tempo sempre più varia, dando luogo ad originali figure giuridiche, frutto di innovative tecniche distributive, dalla concessione di vendita al franchising.La mutata funzione del contratto influisce potentemente sulla sua disciplina: (...) in particolare, nel codice civile, italiano del 1942, per la moltiplicazione degli affari, per la validità piuttosto che per l’invalidità del contratto; è per una circolazione della ricchezza, e soprattutto per quella mobiliare, la più rapida, la più ampia, la più sicura possibile. Nel conflitto fra le ragioni della proprietà e le esigenze della produzione le prime cedo-no di fronte alle seconde. (….) Ulteriore metamorfosi la figura del contratto ha subito nella odierna transizione dall’economia industriale all‘economia post-industriale, entro la quale primeggia l‘economia della finanza, che alla produzione industriale aggiunge quella dei «valori mobiliari» o «strumenti finanziari», definiti anch’essi come prodotti, ma con la specificazione di prodotti finanziari. Sono il frutto di una ingegnosa tecnica contrattuale che trasforma in nuove cose mobili gli investimenti di danaro, con-vertendoli in futures, in swaps e così via, cui si dà il generale nome di new properties, di nuova ricchezza. Qui la metamorfosi sta nel fatto che il contratto, nato per attuare la circolazione della ricchezza, è utilizzato per creare, esso stesso, nuova ricchezza”. (GALGANO Franchesco. La centralità del contratto anche nell’ordinamento del lavoro. Editora Cedam. 2007).

 

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