Vimos que o sábio não é aquele que ostenta sabedoria, mas quem segue os preceitos divinos. Mas aqui podemos nos indagar sobre uma das características da sabedoria bíblica. Em diversos momentos ela se personifica. Ela como que se torna um personagem e emite seus ensinamentos. Isso nos leva a uma questão: a sabedoria efetivamente está presente não só entre o povo bíblico, como também em nossos dias, mas como explicar que ela, em diversos textos, manifeste-se não como atributo de uma pessoa, mas como um personagem que toma a palavra e propõe ensinamentos? Como explicar a personificação da Sabedoria?

Inicialmente poderíamos dizer que isso é apenas mais um recurso literário. Afinal de contas quando escrevemos podemos enriquecer o discurso de várias formas. Da mesma forma que podemos fazer um texto na forma de apólogo, pelo qual animais ou coisas se personificam, falam e emitem opiniões, assim também poderia ser com a sabedoria.

Entretanto, do ponto de vista teológico essa explicação não é suficiente, pois em diferentes textos podemos observar não o ensinamento do sábio, mas a própria sabedoria falando. Isso pode ser observado, por exemplo em Provérbios 1,20-26, onde lemos:

A sabedoria apregoa pelas ruas,

nas praças levanta a sua voz:

grita nas encruzilhadas

e nas portas das cidades profere anuncia:

Até quando, ingênuos, amareis a ingenuidade,

e vós zombadores, vos empenhareis na zombaria,

e vós insensatos, odiareis o conhecimento?

Convertei-vos à minha exortação:

eis que vos derramarei o meu espírito

e vos anunciarei minhas palavras

Logo adiante, no mesmo livro dos provérbios (8,12-21), a Sabedoria fala sobre si mesma, dando algumas de suas características e, em seguida, (8,22-31) fala de suas origens: estava com o Criador antes mesmo da criação. Em Jó, 28,2, aparece a pergunta sobre “onde se achará a Sabedoria?” E a resposta vem logo a seguir: Deus sabe onde ela está. Nos livros do Eclesiástico (24,1-3) a Sabedoria fala de sua procedência: “saí da boca do Altíssimo”. O que que sai da boca? A palavra. A sabedoria, portanto, é a voz de Deus. É a voz criativa de Deus e, ao mesmo tempo, conselheira, por isso é uma palavra de Sabedoria.

Podemos ir adiante. Ao lermos Gn 1,1-3 veremos que “no princípio” encontraremos o Criador acompanhado pelo “Sopro” (ou o Vento) e pela Palavra. Notemos que a criação aparece mediante a ação da Palavra que, como vimos, identifica-se com a sabedoria. A ação criadora é resultante da sabedoria divina. Além disso, em Sabedoria 7,25, lemos que “Ela é o sopro do poder de Deus, uma emanação pura da glória do Todo-Poderoso”

A evolução dessa visão teológica, amadurecendo, ao longo dos séculos nos legou uma das afirmações centrais da fé cristã, ou seja, a concepção do Deus trino: o Pai Criador, a Palavra de Sabedoria e o Sopro (Espírito) Santo.

A confirmação de que a Sabedoria Divina é o próprio Jesus Cristo pode ser encontrada em 1Cor 1,24: onde se pode ler: “Mas para os que são chamados, tanto judeus como gregos, Cristo é poder de Deus e sabedoria de Deus”. Depois em Mateus (12,42) o Próprio Jesus se apresenta como sábio. Ele contrapõe os povos de outras nações, mais sábios, uma vez que seu povo, a quem é dada a sabedoria de Deus, o está rejeitando, a ele que é mais que Salomão, que é o protótipo da sabedoria: “No dia do Juízo, a rainha do Sul se levantará juntamente com esta geração e a condenará; pois ela veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão, e aqui está quem é mais do que Salomão.”

Em síntese, podemos dizer que houve uma evolução na percepção da sabedoria divina. Mais do que só a personificação da Sabedoria ocorre um processo de amadurecimento do conhecimento das pessoas divinas. Assim, se o Pai é o Criador, Jesus é a palavra da sabedoria divina e o Espirito Santo concede essa Sabedoria a todos que dela necessitam ou que por ela buscam