A PAZ (04 de Abril de 2002): 

O verdadeiro Apogeu da História do povo angolano e não a Independência Nacional

 

Independência Nacional- Um fracasso

 

A Independência Nacional é oficialmente considerada como o facto mais relevante da história do povo angolano. Nós, no entanto, julgamos esta valorização falsa do ponto de vista axiológico histórico objectivo. Isto porque, entendemos e iremos demonstrar que o facto histórico mais relevante da história do povo angolano é a conquista da paz nacional. Temos plena ciência de que esta afirmação para muitos constitui um paradoxo, portanto, trataremos de a explicar com maior nível de racionalidade possível.

É de conhecimento comum que a Independência de Angola foi proclamada à meia-noite de 11 de Novembro de 1975, no entanto, esta proclamação ocorreu num clima tenso e intempérico, pois, os três principais movimentos de libertação nacional, FNLA, MPLA e UNITA proclamaram a independência nacional. O MPLA proclamou-a em Luanda, enquanto a FNLA e a UNITA proclamaram-na juntos no Huambo. O MPLA foi reconhecido como governo legítimo, enquanto a FNLA e a UNITA dissociaram-se ainda mesmo no dia 11 (SÁ, 2011, p. 262).

A proclamação da Independência foi realizada nestas condições de desunião e essencialmente ambição pelo poder por diversos motivos, fundamentalmente o facto de não ter havido uma única política de descolonização, nem união entre os principais movimentos de libertação nacional, porque, eram apoiados por grupos diferentes e rivais, naturalmente com interesses divergentes, pois, a URSS apoiava o MPLA e os EUA a FNLA e a UNITA. Por outra, os movimentos também colocaram a ambição pelo poder acima do interesse nacional, por parte dos colonizadores portugueses, os novos decisores tinham interesses divergentes, enquanto uns desejavam que fosse o MPLA a governar, outros a FNLA e outros ainda a UNITA (SÁ, 2011, pp. 24-25; MARQUES, 2013, passim.). 

Foi assim, portanto, que os movimentos de libertação já em 1974, no decorrer do período de negociação da Independência, engendraram a guerra civil, a guerra fratricida, a guerra para o alcance do poder. De realçar que, por influência das superpotências mundiais, URSS e EUA, foi anulado e talvez adiado também o objectivo inicial que impeliu o povo angolano a opor-se ao regime opressor colonial português, que foi a conquista da liberdade, porque, estes instrumentalizaram os movimentos de libertação, colocando-os na condição de mero “objecto” da sua própria história. Pois, no contexto da guerra fria, as superpotências mundiais, EUA e URSS, lançaram-se para a África apoiando os diversos movimentos de libertação. A URSS procurava conquistar os “países” africanos, tornando-os comunistas, enquanto os EUA, por seu turno, pretendia travar esta expansão de influência da URSS em África. Por conta disto, optou por promover a cessação do colonialismo dentro de uma estratégia de cooperação com as potências coloniais (SÁ, 2011, pp. 24-25).  Deste modo, as potências colonias tiveram que preparar as condições para outorgar a independência aos povos africanos. No entanto, Portugal mostrou alguma resistência, mas depois teve que cumprir com as exigências da estratégia dos EUA. Portanto, a Independência Nacional foi alcançada dentro de um programa alheio.

Todavia, a Independência Nacional foi de facto e é sem sombras de dúvidas um acontecimento importe na história do povo angolano, no entanto, pensamos que não é o apogeu da nossa história, pelas seguintes razões: 

1. Não foi uma conquista como tal, mas sim uma oferta até certo ponto, sem querer menosprezar todos os esforços empreendidos pelos nossos heróis em geral e pelos movimentos de libertação em particular, de modo especial a FNLA, o MPLA e a UNITA;

2. Foi alcançada num clima de rivalidade, divisão, instrumentalização e ódio mútuo entre filhos da mesma pátria; 

3. Pelo facto de não ser um acto verdadeiramente livre, pois, alcançou-se do modo como se alcançou, porque, interessava aos então “donos da nossa história”, portanto, alcançou-se dentro de um programa alheio.

Em suma, pode-se afirmar que com o alcance da independência, Angola não conseguiu ganhar a autonomia necessária para construir a tão almejada liberdade, que foi a finalidade que moveu os seus filhos a lutar contra o opressor colonial português. Pelo contrário, desencadeou a guerra, a desunião e ódio entre irmãos. Portanto, nesta perspectiva podemos dizer que a Independência Nacional foi um fracasso e por conseguinte não deve ser considerada como o apogeu da história do povo angolano, porque objectivamente não é.  

 

Relevância histórica da Conquista da Paz

 

Depois de abordamos o fracasso que foi a Independência Nacional, cabe-nos direccionar o nosso olhar para a conquista da Paz.

No dia 04 de Abril 2002, escreveu-se a página mais importante até ao momento da história de Angola, porque, com a conquista da paz, fruto de uma decisão verdadeiramente livre, pôs-se fim à uma guerra sangrenta e fratricida, que remontava já mesmo desde o período pós-assinatura do Acordo de Alvor, entretanto, antes da independência. Portanto, com a conquista da paz abriu-se-nos a possibilidade de realizar o nosso sonho genuíno, que nos impeliu a lutar contra o colonizador e que o alcance da Independência não foi capaz de permitir a sua realização.

Deste modo, podemos dizer que, contrariamente ao alcance da Independência, a Paz Nacional foi verdadeiramente uma magna conquista, porque, fomos nós mesmos, de modo livre e consciente, sem necessariamente estar dentro do esquema de interesses das superes potencias ou quaisquer outras forças exteriores, que conquistamos a paz. Pois, fomos capazes de deixar de parte a ambição pelo poder, bem como os outros interesses egoístas e colocamos acima de tudo e de todos o interesse comum, o patriotismo e o amor fraterno entre irmãos da mesma pátria, que influenciados pelas superpotências mundiais confrontaram-se inutilmente, de facto, realisticamente falando, isto só beneficiou as potências mundiais.

É Importante sublinhar que, a morte em “combate” de Jonas Savimbi a 22 de Fevereiro de 2002, foi determinante para se alcançar a paz, isto porque, para o MPLA já não havia a figura de um “não-eu”, que almejasse o poder, poderoso ou apoiado por poderosos. Deste modo, o alcance da paz foi em parte uma consequência necessária, no entanto, era necessário passar por uma decisão voluntária no sentido das partes desavindas sentarem e decidirem pôr fim de facto à uma guerra fratricida sem sentido e caminharem rumo à construção da liberdade, elemento fundamental para que a sociedade faça a história, como Juan Cruz Cruz escreveu: “a realidade histórica pertence ao âmbito dos atos, da operatividade humana.” (CRUZ, 2007, p. 20).

É nesta senda que entendemos que, a decisão dos protagonistas do 04 de Abril de 2002 foi de facto um acto heróico, pois, foram capazes de abrandar o ódio, de colocar a ambição e o orgulho a parte para ceder lugar a um bem comum.    

Portanto, a conquista da paz foi o ponto mais alto da nossa história, porque, foi fruto de uma decisão verdadeiramente livre e também pelo facto de que com esta decisão se abriu a possibilidade de realizarmos o nosso sonho genuíno, que nos impeliu a lutar contra o opressor colonizador, isto é, o de seremos fautores da nossa história. É neste sentido que, entendemos que, o 04 de Abril deve ser considerado como o apogeu, porque de facto é, por conseguinte, a data mais importante das nossas comemorações históricas nacionais.

 

Conclusão

 

Neste pequeno exercício reflexivo, procuramos demonstrar que o facto histórico mais importante da história do povo angolano até ao momento não é a Independência Nacional, mas sim, a conquista da paz, porque foi um acto que colocou fim à uma guerra entre irmãos da mesma pátria provocada pelo alcance da independência, abriu a possibilidade de construirmos a nossa história como fautores, desejo inicial do povo angolano que o motivou a lutar contra o colono português.

Neste sentido chegamos as seguintes conclusões:

1. Julgamos que o dia 04 de Abril deve ser considerado como o dia da Paz Nacional e dos Heróis Nacionais, estes devem ser entendidos como todos os principais intervenientes para a conquista da Paz Nacional; 

2. Entendemos que José Eduardo dos Santos, na qualidade de expoente principal para a conquista da paz nacional deve ser considerado como um dos principais heróis nacionais, junto de Holden Roberto, Agostinho Neto e Jonas Savimbi e hierarquicamente acima de Agostinho Neto, não obstante os erros cometidos ao longo do seu vasto mandato, pois, como ele mesmo disse na sua última intervenção como presidente do MPLA, “não existe, naturalmente, qualquer actividade humana isenta de erros e assumo que também os cometi, pois só deste modo os pudemos ultrapassar. O erro é parte integrante do nosso processo de aperfeiçoamento. Por isso se diz que aprendemos com os erros.”;

3. Pensamos que, a atitude pacífica da UNITA para a conquista da Paz e após esta deve também ser destacada e o nome deste Partido político não deve estar oculto nas celebrações da Paz.

Quanto ao processo de reconcilhação nacional, este entendemos mesmo que é um processo continuamente permanente.  

 

Obras consultadas

 

CRUZ, Juan Cruz. Filosofia da História. Tradução de Fernando Marquezini. 2. ed. São Paulo: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência “ Raimundo Lúlio” (Ramon Llull), 2007.

Discurso de abertura do VIº Congresso Extraordinário do MPLA, proferido por José

Eduardo dos Santos, na qualidade de Presidente do MPLA. Disponível em:

www.mpla.ao. Acesso em: 11 de Set. 2018.

KAKULO, Firmino; MORAIS, Beto de. Angola: Uma História, Uma Perspectiva. Itália: Propaganda- PD, 2015.

MARQUES, Alexandra. Segredos da descolonização de Angola: Toda a verdade sobre o maior tabu da presença portuguesa em África. Alfragide: Dom Quixote, 2013.

SÁ, Tiago Moreira de. Os Estados Unidos e a Descolonização de Angola. Portugal: Dom Quixote, 2011.