A PARTIDA
Por José Carlos de Arruda | 31/07/2009 | CrônicasMinha querida madrinha, aqui estou
diante do seu corpo para dizer a senhora, que hoje, fiz
questão de ser o primeiro a chegar para que pudesse diante
de vós admira-la pela última vez. E corajosamente
olhar bem no fundo da sua alma e convicto da minha
condição de encarnado suplicar que me perdoe por
todos os meus erros, pelas imperfeições que a
matéria aqui na vida terrena é capaz de produzir.
É a senhora sabe, nós somos tão
pequenos que nem percebemos o quanto um filho causa tristeza a sua
mãe quando a magoa, mesmo que esta mágoa tenha
sido causada involuntariamente, é muito dolorido, mas
só se percebe estas nuances quem tem um pouco de
sensibilidade.
Minha madrinha, tanto eu tinha para lhe dizer, mas a
falta de coragem juntamente com o orgulho me impediram de
fazê-lo. Queria tê-la dito tudo isso enquanto a
senhora estava entre nós. Não faço
isso somente por fazer, mas para que me sinta mais leve e para que a
senhora possa ¨partir¨ em paz. Perdão por
tudo de mau que te causei, hoje tenho certeza que não fiz
por mau. Perdão pela palavra áspera que te feriu
como um espinho fere a flor. Perdão pela
ignorância de não tê-la compreendido na
magnitude que o teu coração merecia.
Perdão por tudo de errado que fiz ao longo de nossa
convivência.
Gostaria de tê-la
abraçado e de beijar-te suavemente a face como o fiz
diversas vezes e de tomar a sua bênção
também. Nunca deixei de reconhecer-te como a melhor madrinha
do mundo, e que tudo fez de possível e impossível
para me ajudar.
Sei que nesta hora de dor nem sempre podemos mostrar
todas as vertentes de nossas palavras nem de nossos sentimentos,
porém não custa tentar. E, nesta tentativa de
recuperar o tempo perdido, o tempo que queria dizer e não
disse, aqui estou, diante de vosso corpo inerte, mas o
espírito certamente me ouvindo e me entendendo, nesta sala
fria que deixa o silêncio doer de tão
sério, neste vento que sopra do lado de fora fazendo o
véu que encobre o teu rosto sereno levemente se mexer e
dobrar-se caprichosamente sobre corpo coberto de flores, e que te
peço encarecidamente, perdão mais uma vez, e que
em sua caminhada por sua nova vida nunca deixe desamparado o teu filho
que nunca irá te esquecer.
Após a
oração, feita ainda na sala do velório
e depois que o caixão desceu a escada para ser conduzido,
quando caminhávamos por entre as árvores e os
mistérios que cercam todo campo santo uma ventania se fez
sentir e logo podemos observar uma quantidade de folhas pelo
chão. Descanse em paz e faça-se escrito o seu
nome por toda a eternidade. Lúcia Helena, minha madrinha,
mãe, titia, amiga, conselheira, tudo, etc, etc.
JOSÉ CARLOS DE ARRUDA.