A PAPAGAIA E O GALO
Publicado em 28 de fevereiro de 2013 por Edevaldoleal
Crônica
A PAPAGAIA E O GALO
Para Antônio Oliveira, contador de estórias
Edevaldo Leal
Eu estava dormindo , quando a gota de gelo caiu na minha testa . Assustado, rápido como estrela que risca o céu, pulei da rede. Meu pai pediu paciência. Balde para aparar a goteira. Não seria nada, não. Só esperar amanhecer . Goteira nunca mais. Promessa de pai.
O galo cantou. O dia amanhecia em Porto Grande . O Sol, trancado, preso entre nuvens . Chuva prometia não dar trégua, o balde já pela metade. “Hoje raposa não sai da toca”, dizia minha mãe, preparando o café. E a mão grossa da chuva empurrava o Sol para mais longe. Não cantasse o galo mais uma vez, impossível saber que, em meia hora ,se ouviria o badalar do sino da matriz .
A chuva batia forte no telhado da casa sem forro. Minha casa tinha um alpendre enorme.Varanda, dirão uns. Não seja por isso: minha casa avarandada. Casa com varanda fica melhor dito, não corro o risco de minha casa ser mal vista, que já vai dar o que falar só pela goteira que me tirou , ainda mais, sono de criança.
Feita a ressalva, prossigo. Não fui para a varanda, embora fosse meu lugar preferido em dias de chuva. Gostava de ver a correnteza da água na vala da rua, pequeno rio que levava minha imaginação para fantásticos e misteriosos passeios da minha mente.
O silêncio da papagaia preocupava. Manhã chegando, saía de sua casinha para os galhos do abacateiro e, lá de cima, do alto, cutucava com voz curta a paciência de quem ainda dormia. Corri para a janela, de onde se via o imenso quintal, quintal daqueles tempos.
Enfrentar chuva doida, graúda, ora persistente, ora intermitente ? Teria saído antes? Protegida por alguma invisível cobertura de folhas , que só ela sabia localizar? Como vê-la, verde pássaro , entre o verde das folhagens? Meus olhos, luneta que se amplia para aumentar o foco da imagem, nada veem da papagaia.
No galinheiro, as galinhas cacarejam, barulhentas. Ainda estão no poleiro , exceto uma. Meus olhos em pausa, fixam-se no galinheiro. A galinha não está só. Tem a companhia de um galo feliz. A segunda galinha sai do poleiro. Mais uma, outra. Debaixo das asas do galo, todas, uma a uma , satisfazem-lhe o desejo sexual.
Rosa, em sua compreensível inquietação, já vendo correr o risco na pele, como diria João Antônio, começa a pensar numa forma de escafeder-se, sair de fininho . O galho do abacateiro, do outro lado do poleiro , é o porto seguro de Rosa. Alcançasse o galho e o risco de ser agarrada à força, de ser mais uma ,até que seria divertida lembrança de jogo de caça e caçador. Sabia, não existe galinha verde, já ouvira isso uma vez. Papagaio é papagaio , galinha é galinha. Mas vá que o galo seja cego. Ou, não sendo cego, quisesse experimentar sabor de comida diferente, que galo que é galo não se conforma em comer só uma.
A vida é feita de tentativas . Rosa iria, pelo menos, tentar. Não iria se entregar assim, fácil, de vontade própria.
E tentou.
Respiração presa no peito , avança , cautelosa. Nem precisava dizer: todo poleiro é escorregadio. Os minutos passam. Nervosismo visível. Mais um passo. Três, quatro . O outro lado, o da salvação, está próximo. O desafio é grande. Falta vencer metade do poleiro. Um passo em falso e o galo, nhaco, papagaia vira galinha. Meia vitória. O galo , perigo lá embaixo , quiquiricava . Papagaio não é galinha. Mais um passo. E o inevitável escorregão acontece. O galo corre em círculo em volta de sua presa . Insaciável desejo, arrastando asa, se prepara para dar mais uma . De poleiro só cai galinha .O galo ia dar a última da manhã. Ia. E, para fazer jus ao nome, atacou de galo pra cima da papagaia. Ladina , Rosa levantou a perna e uma asa.E,meio de banda, em posição de defesa, acabou com o fogo do galo:
– Alto lá, safado. Tu já viste galinha verde?
Ananindeua/Pa,27 de fevereiro de 2013.