UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAU-UEVA

CENTRO DE FILOSOFIA, LETRAS E EDUCAÇÃO-CENFLE

CURSO DE LETRAS: LÍNGUA INGLESA

DISCIPLINA: LITERATURA INGLESA II

PROFESSOR DOUTOR: MÁRTON TAMÁS GÉMES

 

DÉBORA GRAZIELE BORGES DA SILVA

GLAUCYENNE CAVALCANTE DOS SANTOS

 

ORDEM VERSUS CAOS NA OBRA KING LEAR

 

SOBRAL

2018

ORDEM VERSUS CAOS NA OBRA KING LEAR

 

SILVA, Débora Graziele Borges Da[1]

SANTOS, Glaucyenne Cavalcante Dos [2]

 

  1. INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho tem como objetivo, abordar o universo explicado, discutir sobre a ordem e desordem no reino humano e a consequência disso na obra King Lear, de William Shakespeare. Essa peça pertence ao subgênero dramático, à tragédia. A obra apresenta muitas consequências que impactaram o destino de Lear e de sua família.Ao decorrer dos textos lidos, pode-se observar que durante a peça, há fatos interligados que fundamentam o caos do reino.

O trabalho discorrerá sobre a posição do king Lear e como sua postura e atitude foram essenciais para iniciar o caos do reino e como essa desordem se perpetuou e prolongou com a imperfeição do rei e como sua hybris, mudança, erro ou falha soberba de Lear influenciou o personagema aplicar o caos na sociedade.

O artigo científico fundamenta-se com as respectivas pesquisas bibliográficas. Conforme Boquet (1991)Danziger (1974), Frye (1999), Heliodora (2004)eRosenfeld (1973) que são dialogados com as discussões acerca dos valores que os personagens exercem e são estabelecidos na cadeia dos seres que é uma divisão dos seres que se aproximam ou se distanciam de Deus, cujo é classificado como perfeito e eterno para a época medieval. De acordo com a hierarquia, Deus é classificado no topo da cadeia, seguido dos homens, mulheres, animais, plantas e pedras respectivamente. Todos exercem uma função e harmonia dentro das regras divinas e de que certo modo à circunstância e suas atitudes favorecem para o desfecho trágico.

A partir da cadeia dos seres é estabelecido uma conexão entre a harmonia do reino e o universo explicado. Caso contrário à destruição é inevitável. Conforme Euripedes, “aquele a quem os deuses querem destruir, primeiro deixam-no louco”. De acordo com essa citação, pode-se concluir que a ação é opcional, mas a reação é certa, quando se desobedecem aos deuses. Portanto, a ordem é sinônima de obediência aos deuses, respeito ao rei e ao pai e harmonia entre tudo e todos que compõe o reino.

 

 

  1. CADEIA DOS SERES:

 

A ordem é primordial para manter o equilíbrio na cadeia dos seres. Todavia, o caos também se faz presente na obra King Lear, de William Shakespeare.

Os personagens da obra estão classificados no reino humano, onde há uma divisão dos seres que se aproximam ou se distanciam de Deus. Isto é, durante a idade média havia uma necessidade de classificar os seres por meio de hierarquias. No início da obra King Lear, pode-se constatar a obsessão e imposição que o rei exerce sobre suas filhas durante a divisão da herança é uma das circunstâncias para o início do caos e o traço do seu destino.

A grande cadeia dos seres é essa divisão do reino e ela se caracteriza na harmonia universal, na providência divina que o rei Lear recebe de Deus e o universo explicado. O King Lear como rei, recebe do eterno um plano divino. O universo funciona em ordem e em torno de uma grande cadeia hierárquica, onde cada personagem, inclusive o Lear, exerce uma função sobre os demais.

Segundo Boquet (1991, p.19) “A ordem é, portanto, o princípio fundamental do universo”. Ou seja, há um rei que exerce o desejo divino, é superior e responsável não somente pela ordem do reino, mas sua harmonia universal.

De acordo com a citação, O rei se caracteriza no mundo Elisabethano. O rei representa a ordem dentro do Microcosmo humano da cadeia dos seres. A ausência da ordem, após a retirada do poder do rei, o caos é implantado e após, como consequência do erro é convertido na morte dos personagens.

Na obra King Lear, a astrologia faz referência ao futuro, resultando no possível caos e a ameaça da harmonia a partir do seguinte discurso:

 

GLOUCESTER: These late eclipses in the sun and the moon portend no good to us. Though the wisdom of nature can reason it thus and thus, yet nature finds itself scourged by the sequent effects. Love cools, friendship falls off, brothers divide; in cities, mutinies; in countries, discord; in palaces, treason; and the bond cracked ‘twixt son and father. [ This villain of mine comes under the prediction: there’s son against father. The king falls from bias of nature: there’s father against child.   

 

(King Lear, I, ii, 105-110)

 

Como pode ser analisado na citação acima a natureza exige uma ordem, ela tem sua própria lei divina. A obrigação de Lear como rei era cumpri-la. Pois, de certo modo, ele não era somente rei, ele era pai e homem. Para a cadeia, ele exercia três funções. Lear estava no topo do reino humano e classificação hierárquica, era o mais próximo do divino, perfeito e eterno, porém Lear desafiou a ordem divina ao deserdar a sua filha mais fiel e perfeita, Cordelia.  Lear diz a Goneril, referindo-se a sua filha caçula.

 

Let it be so. Thy truth, then, be thy dower, for by the sacred radiance of the sun, the mysteries of Hecate and the night, by all the operation of the orbs from whom we do exist and cease to be, here I disclaim all my paternal care, propinquity, and property of blood, and as a stranger to my heart and me hold thee from this forever. The barbarous Scythian, or he that makes his generation messes to gorge his appetite, shall to my bosom be as well neighbored, pitied, and relieved as thou my someti-me daughter.

(King Lear, I, i, 120)

 

De acordo com essa citação, pode-se concluir o contraste e fuga das regras. Lear como pai abdica das suas tarefas e cuidados da filha. Após essa ação, o caos reina na vida dos personagens e como todo impacto gera consequências negativas, o rei não era exceção da teoria das correspondências. Na grande cadeia dos seres tudo está relacionado positivamente ou negativamente, não importando o estado todos serão atingidos.

A ordem no reino de Lear foi atingida, após ele ter deserdado sua filha Cordelia, ele perpetuou um outro caos ao considerar Kent como infiel. King Lear comete um outro erro que implicará uma desordem ao reino. Observa-se abaixo, por meio das palavras citadas por Gloucester:

 

And the noble and true-hearted Kent banished! His offence honesty!

(King Lear, I, ii, 120)

 

Kent era conhecido como um dos mais fiéis e honesto ao rei. Para o reino humano, o rei estava no topo da cadeia hierárquica, em seguida suas filhas, seus respectivos esposos e logo depois Kent. Ele era tido como um nobre, porém foi desacreditado por uma de suas virtudes, a honestidade ao seu senhor. Devido isso, o reino enfrentaria as consequências provindas desse outro caos. Pode-se contatar através das palavras de um dos patriarcas do reino, Gloucester.

 

Alack, the night comes on, and the high winds do sorely ruffle.

(King Lear, I, iv, 340- 345)

 

Como mostra a citação acima, é notório que a natureza reage de acordo com o estado do rei. Em Macbeth, de William Shakespeare, Macbeth por ganância e falta de paciência mata o rei, os cavalos se auto agridem. Porque a retirada do rei atinge a ordem. No final da obra king Lear, o rei desobedece ao plano divino, abdica o trono e Edgar assume. A mudança significa algo negativo para o período renascentista que é uma época de transição.

A natureza anuncia por meio de sinais que algo no reino não está bem, inclusive a ordem divina. Por exemplo, é comum em ambas obras shakespeariana citarem tempestade, relâmpagos, trevas, céus enfuriados, rajadas de fogo, trovões, descarga de raios. A natureza se revolta contra aqueles que induziram de certa forma o caos, porque, sendo assim os deuses estariam sendo justo com toda a cadeia dos seres. Nesse modo, pode-se constatar que o estado da natureza é um símbolo que remete o caos predominante no reino de Lear.

Na Introdução dos Estudos Críticos, no tópico A Natureza da Tragédia, é citado por Danziger (1974, p. 131)que os efeitos visuais e sonoros podem, sem dúvida, contribuir em muito para ajudar a criar a atmosfera adequada para à tragédia.

Pode-se analisar a concordância da Introdução dos Estudos Críticos através dos elementos e seus significados a relevância que esses efeitos têm em relaçãoao sofrimento, o trágico e dramático.

Um outro caos que atinge negativamente a cadeia dos seres é a consequência do erro de Gloucester. Edmund nasceu provindo da desordem para o macrocosmo família por ser filho bastardo do patriarca Gloucester. Ele desvia as normas da ordem divina, Edmund nasceu fora do casamento, no que seria contra as regras de Deus.

 

  1. TRAIÇÃO FAMILIAR NA CADEIA DOS SERES

 

No mundo medieval, o Essencialismo predominava e compartilhava o ideal Teocêntrico, onde Deus era o centro e o topo da cadeia dos seres, porém com o surgimento do Nominalismo no mundo moderno, o homem é representado como o centro. Portanto, surge o individualismo, a necessidade do homem moderno favorecer seus próprios asseios e interesses na época renascentista.

Na obra King Lear, a traição familiar entre Regan e Goneril, é notável. Elas traem Lear em favor de si próprias pela herança desejada. Elas abdicam suas respectivas funções como mulheres e filhas na cadeia e simulam gostar e amar o seu pai. O impacto se multiplica pelas nobres, pois elas se distanciam de Deus e da perfeição e se aproxima da irracionalidade, logo estariam com mais proximidade dos animais.

Porém, houve traição, porque anteriormente as desafiaram. Logo, percebe-se que apesar do rei ser nobre, soberano, com forças externas e prestígio social, ele não é totalmente perfeito. Em Macbeth, o rei é ganancioso. Em Édipo Rei, o rei é orgulhoso, e arrogante. Conforme Danziger (1974, p.134) “Édipo possui a espécie de soberba e orgulho enfatuado, a confiança arrogante em si mesmo e em seu “talento inato”“. Em King Lear, a sua autoconfiança e soberba de retorno do amor filial, arrogância é primordial e remete a hubris ou hybris de Lear. O defeito e a imperfeição do herói, por meio de suas atitudes.

            Danzigier (1974, p.140,141) afirma “Por muito desprezível que fosse a vaidade, insensatez e arrogância de Lear, no início, há algo de desproporcionado nas consequências desses defeitos: a desordem na família, no Estado e quase, ao que parece, no universo inteiro”. Por meio dessa citação, analisa-se que tudo gira em torno do rei e de suas consequências. Sua hybris é o fator principal da desordem instalada. Lear é insolente e egoísta, porque ao desafiar suas filhas, ele gostaria de fortalecer o seu ego por palavras que significariam amor filial. O defeito do rei existe para fundamentar a caos do universo justo disfarçado por uma injustiça. A imperfeição de Lear existe a fim de justificar a característica da tragédia. A partir da hubris, o rei merece ser castigado ao cometer um erro trágico.

            Ao deserdar suas filhas, o herói trágico está se auto expondo a solidão e sofrimento. O aspecto de hubris, é que o rei Lear pensava que podia resolver tudo sem ajuda de ninguém.

A prova de amor é outro ponto fundamental da desordem. O amor filial não deveria ser cobrado pelo rei, as filhas devem amor ao pai. Porém ao questionar suas filhas, o rei estava ordenando amor filial. Portanto, a hybris do rei Lear, nesse aspecto se caracteriza no julgar-se superior, além da soberba. Ele tinha a incapacidade de “enxergar” além das aparências.

De acordo com Northrop Frye(1999, p.16) “A tragédia se dá porque uma pessoa específica estar em situação que não pode dominar”.

É possível identificar conforme Frye que o herói trágico precisará de uma ação trágica.

Rei Lear é todo poderoso e superior pela representação humana. Embora seja rei, ele comete um erro, hamartia. Suas filhas humilham o pai. Consequentemente, resulta na queda do herói.

Lear não consegue se dominar, ele não tem controle. Em sua hubris, ele não permite que ninguém lhe dê ordens, sugestões e seja contra suas decisões. Esse foi o motivo de Kent ser banido ao ser contra o fato de Cordelia ser deserdada como filha e parente de Lear.

O comportamento de Lear fundamentou o mal lançado contra Cordelia, a natureza exige maldição a filha. A falha do personagem, Lear, transformou-se em hamartia, imperfeição do herói provindo da hubris. O mundo é tomado pelo mal, Regan e Goneril.

Rosenfeld (1973) aborda que “o mal citado nas obras de Shakespeare é de substancialidade maciça; alastrando-se; contagia e corrompe o universo”.

Por meio do pensamento de Rosenfeld, pode-se analisar por comparação o paralelo entre as obras de William Shakespeare e a ordem versus caos.

Na obra King Lear, o mal é alastrado após a decisão da herança das terras, não pela divisão, mas pelas atitudes do rei. Por exemplo, Lear quer ser rei sem ser. Sobre rei Lear,Goneril afirma:

 

The best and soundest of his time hath been but rash. Then must we look from his age to receive no talone the imperfections of long-engraffed condition, but therewithal the unruly waywardness that infirm and choleric years bring with them.

(King Lear, I, i, 340- 345)

 

Então, é possível afirmar pela citação acima que o rei sempre teve essa ‘hybris’. Apesar disso, Lear era bondoso. A fidelidade de Cordelia e Kent provam isso. Cordelia era fiel, honesta e perfeita pelo seu amor filial e Kent por ser fiel ao rei. Contudo, houve injustiça perante ambos. Logo, o reino da Bretanha é reforçado pela injustiça cometida pelo destino e imprevisão dos seus atos.

O rei significava essência, ele não só tinha direito e poder como também deveres dentro da grande cadeia dos seres. Porém, o rei Lear gera um outro caos ao pressionar e confiar na honestidade de todos, quando ele não tinha mais responsabilidades, apenas direitos. Lear deseja ser rei da Bretanha, mas sem deveres e obrigações de um rei. Esse é um dos maiores aspectos da desordem no reino e o fator que melhor exemplifica a continuidade e prolongação do caos. Nesse sentido, segundo Heliodora (2004): “ O problema reside na alteração do plano inicial em função do erro de julgamento que provocou tanto o concurso de julgamento de declarações de amor, quanto a recusa da aceitação da verdade de Cordelia, ou seja, a força da medida justa dos laços familiares”.

No mesmo contexto e partindo pela mesma referência, argumenta-se não apenas as questões de amor, como também o sentimentalismo durante a peça. Lear não pode ordenar, nesse quesito, nem como pai e muito menos como rei, mencionado os sentimentos de suas três filhas. Por exemplo, Cordelia foi julgada e deserdada pela recusa da verdade e foi crucificada pela honestidade ao pai.

Na obra King Lear, há diversas características problemáticas na peça que são fundamentadas e atribuídas a hubis do personagem rei Lear, por exemplo: autoritarismo, arrogância e muitos outros atributos. Contudo, embora fosse arrogante, insolente e autoritário, Lear estava em catarse (purgação) e reconheceu o mal que havia feito a Cordelia e Kent. O arrependimento, conforme a natureza do herói trágico, pertence a uma das características do gênero trágico. O sofrimento do personagem no final da peça, pode-se concluir que houve um auto reconhecimento e humanização.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

 

Esse artigo objetivou-se numa sucinta argumentação sobre a obra King Lear, de William Shakespeare. Esse trabalho classificou como relevante a discursão, entendimento e reflexão sobre a ordem instalada no reino e a harmonia estabelecida a partir da cadeia dos seres e como o caos é gerado após os atos e hubris dos personagens, especialmente o rei Lear.

Rei Lear é apresentado no início da peça como um idoso que deseja dividir suas terras com suas três filhas. A obra interliga a divisão entre o amor filial e paternal.

Entretanto, foi proposto várias discussões a respeito do erro do rei e como a traição familiar foi essencial para a desordem. Buscou-se por meio de referenciais teóricos e análise de textos, compreender a função que os personagens que a obra King Lear exerce dentro do reino humano e como ela estabelece uma conexão na grande cadeia dos seres.

Portanto, a análise é bastante objetiva ao instigar os teóricos e como eles asseguram que o caos existe com a ausência da ordem, leis divinas, harmonia e todo o equilíbrio do reino humano.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BOQUET, Guy. Teatro e Sociedade Shakespeare. São Paulo:Perspectiva, 1989.

 

DANZIGER, Marlies. Introdução ao estudo crítico da literatura. São Paulo: Cultriz; ELUSP, 1974.

 

FRYE, Northrop. Sobre Shakespeare. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1999.

 

HELIODORA, Bárbara. ReflexõesShakesperianas. Rio de Janeiro: Lacerda, 2004.

 

ROSENFELD, Anatol. “Shakespeare e o pensamento renascentista”. São Paulo, Brasília: Perspectiva, INL, (Debates 7), 1973.

 

SHAKESPEARE, William. Macbeth. Edicted by Rodger Barton.Disponível em:<www.shakespeareoutloud.ca>. Acessoem: 29/08/2018.

 

SHAKESPEARE, William. The tragedy of King Lear.Edicted by Barbara a.Mowat and Paul Werstine.Disponível em:<http://www.folgerdigitaltexts.org/download/pdf/Lr.pdf>. Acesso em: 17/08/2018.

 

SÓFOCLES. ReiÉdipo. Editado por Universia Brasil. Disponível em:<http://notícias.universia.com.br/tempo-livre/noticia/2013/03/19/1011786/faca-download-gratis-do-livro-edipo-rei-sofocles.html. Acesso em 29/08/2018

 

 

[1] Silva, Débora Graziele Borges Da

[2] Santos, Glaucyenne Cavalcante Dos