A ONÇA FINGIU QUE NÃO VIU... 

Riba, homem valente, experiente, de bunda arranhada por unhas de onça quando cortava seringa nas estradas do seringal cachoeira, na zona rural da histórica Xapuri, de Chico Mendes, e de Osmarino Amâncio, que até hoje mora numa colocação lá nas matas de Xapuri, terra onde o tamanduá bandeira abunda e é tratado como bichinho de estimação, punha-se a recolher, rápido, as canequinhas com o precioso leite de seringueira, o famoso látex, batizado pelos barões no apogeu da borracha como “ouro branco”, pois a sua intenção depois da lida era sair pra mais uma caçada. Pois bem, conta o Riba, companheiro velho de guerra da Dona Deja, que então saiu pra essa caçada de espera, lá pras bandas das matas de Sena Madureira, numa noite sem lua... Depois de muito matutar, escolheu fazer a espera num local de mata densa, bem próximo d’uma restinga, conhecido como barreiro.

Então começou os preparativos para a espera: atou a rede, não muito alta, para facilitar o ângulo de tiro, amarrou com envira um travessão logo abaixo da rede para apoiar os pés, descansando as pernas e para maior firmeza na hora de amolegar o dedo no gatilho da possante espingarda 12. Tudo então preparado abriu o cantil e tomou três goles d’água, depois se acomodou e aquietou-se sentado na rede, iniciando assim à caçada de espera. A partir desse momento, o caçador mergulha no mais absoluto silêncio.

Já era de tardezinha... Mais ou menos meia hora depois Riba escutou um estalozinho às suas costas. Então foi virando a cabeça devagarinho e, de repente, prendeu a respiração! Bem ao lado da árvore onde amarrou um dos punhos da sua rede lá estava ela, a temida onça pintada!

Só então o Riba percebeu a besteira que tinha feito ao amarrar a sua rede tão baixa... Sorte é que a onça parecia que ainda não o tinha visto! Olhando fixo para os movimentos dela, com a mão firme na espingarda e o dedo semi-amolegado no gatilho, Riba sentiu um calafrio esquisito e lembrou as boas prosas com velhos amigos quando então assuntavam se ele não tinha medo de onça ao atar a sua rede tão perto do chão... Sua resposta era sempre a mesma: cumpade, quem tá esperando sou eu... De cada dez tirou que dou, oito a gente come!... A onça que não se meta à besta de olhar pra mim...  

Como que a adivinhar as más intenções do Riba, a onça pintada foi lentamente se distanciando até sumir na ribanceira...

Minutos depois, já mais calmo, Riba desconfiou que pudesse ter cometido um grave erro ao deixar que a onça se afastasse... Lembrou que a espera estava apenas começando e a escuridão da noite já começava a se abater sobre a mata, e a onça, tal qual ele, também estava caçando...

Olhos fixos na trilha da onça, Riba novamente mergulhou no mais absoluto silêncio...

Além dele, dois companheiros também esperavam a algumas dezenas de metros. Combinaram que, tão logo a lua abaixasse, clareando a mata, se encontrariam no local da sua espera e de lá partiriam para o acampamento. O Riba só então percebeu que os seus companheiros corriam perigo, pois certamente a onça, faminta, continuava à espreita! Bem que ele poderia ter passado fogo na bicha quando ela estava bem próxima dele. À espera então passou a ser angustiante...

Como a pressentir o perigo à espreita, nenhum outro bicho se aproximou da espera. Riba então desconfiou que a onça estava perto... Apontou e acendeu a lanterna no rumo da trilha da onça... Lá estava ela, velhaca e arteira, em cima da ribanceira, esperando pacientemente...

Já quase hora dos companheiros chegarem, o Riba não se conteve e, mesmo sabendo que d’onde ele estava dificilmente conseguiria acertar na onça, apertou o gatilho! A onça, assustada, fugiu em disparada!

Minutos depois os companheiros chegaram e perguntaram a Riba o resultado do tiro. Então Riba, eufórico e transparecendo bravura, esquecendo-se momentaneamente da coragem que há algumas horas lhe faltara, contou a história da onça, esnobando e enciumando os companheiros, enquanto pensava e prometia baixinho que nunca mais ataria a sua rede tão baixinha...

Depois de tanto penar e muito matutar, Riba percebeu, do alto da sua experiência, que certamente àquele era um raro dia da caça... E, também, felizmente, do caçador!...

Sabia que tinha sido notado pela bicha, mas, matreira e traiçoeira, a onça fingiu que não viu...