A OBRIGAÇÃO NATURAL E OS TIPOS DE COMPENSAÇÃO [1]

 

Gustavo José Gomes Azevedo e

 João Alves Bezerra Junior ²

 

Sumário: Introdução; 1. Conceito de compensação e suas espécies; 2. Requisitos da compensação legal; 3. Hipóteses de impossibilidade de compensação; 4. A obrigação natural e a compensação ipso iure; Conclusão; Referências.

RESUMO

A compensação é um modo especial de extinção das obrigações, onde os credores são, simultaneamente, devedores um do outro.  Para entender melhor esse instituto, serão analisadas suas espécies, que são três no nosso ordenamento: legal, convencional e judicial, lembrando que a compensação pode ocorrer de forma total ou de forma parcial. No artigo 369 do Código Civil, estatui-se que a compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, ou seja, para que a mesma possa ocorrer, é necessário haver reciprocidade dos créditos, liquidez das dívidas, exigibilidade das prestações e fungibilidade dos débitos. Há também as hipóteses em que é impossível a compensação, como no caso da dívida que provier de esbulho, furto ou roubo; se originar de comodato, depósito, ou alimentos; ou se uma for de coisa não suscetível de penhora. No entanto, o principal ponto analisado é a possibilidade de haver compensação entre uma obrigação natural e uma obrigação civil. Por esse motivo será analisado o que é uma obrigação natural e, no caso de haver prescrição, se a outra parte pode usar do artifício da compensação.

Palavras-chave: Compensação. Espécies. Obrigação Natural. Exigibilidade.

 

INTRODUÇÃO

 

Instituto previsto no artigo 368 do Código Civil brasileiro, a compensação é uma alternativa de extinção de dívidas que produz o mesmo efeito do pagamento, evitando assim circulação inútil de moeda. “É modo indireto de extinção das obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste”. (GONÇALVES, 2011, p. 345)

A compensação, que pode ocorrer de forma total ou parcial, é dividida em três espécies no nosso ordenamento jurídico, que são a legal, a judicial e a convencional, lembrando que cada uma delas serão analisadas no próximo tópico.

Serão estudados os requisitos para que a compensação legal ocorra, cabendo antecipar que, no artigo 369 do Código Civil, é determinado que a compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis, sendo necessário haver assim reciprocidade dos créditos, liquidez das dívidas, exigibilidade das prestações e fungibilidade dos débitos. Esta espécie de compensação ocorre no mesmo momento em que o crédito do outrora somente devedor é criado com seu credor.

Analisadas também serão as hipóteses em que a compensação é impossível de acontecer, como, por exemplo, quando a dívida provier de esbulho, furto ou roubo; se originar de comodato, depósito, ou alimentos; ou se uma for de coisa não suscetível de penhora.

Por fim, a principal questão a ser analisada é a possibilidade de haver compensação entre uma obrigação natural e uma obrigação civil, ou entre duas obrigações naturais.

1. CONCEITO DE COMPENSAÇÃO E SUAS ESPÉCIES

No artigo 368 do Código Civil, afirma-se que, “se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem”. Percebe-se, portanto, que a compensação é um modo especial de extinção das obrigações, onde os credores são, simultaneamente, devedores um do outro.

Para CARLOS ROBERTO GONÇALVES (2011, p. 345), compensação “é modo indireto de extinção das obrigações, sucedâneo do pagamento, por produzir o mesmo efeito deste”. Ao analisar a compensação quanto à natureza jurídica, MARIA HELENA DINIZ (2007, p. 310) entende que:

[...] se trata de pagamento indireto, ou seja, de uma variação de pagamento ou de um modo especial de extinção da obrigação: a) por exigir que os credores sejam concomitantemente devedores um do outro; b) por extinguir as dívidas recíprocas antes de serem pagas, e c) por permitir fracionamento de um dos débitos, representando exceção ao princípio geral de que o credor não pode ser obrigado a receber por partes.

Tais obrigações se extinguem até o limite de seus respectivos valores, ou seja, os débitos se extinguem até onde se compensam. A compensação pode ser total, quando o valor das dívidas for igual, ou parcial, quando os valores forem diferentes. Nesta primeira hipótese, não haveria pagamento algum, pois ambas as dívidas estariam sanadas ao compensar-se mutuamente por inteiro, já na segunda, a dívida maior compensa a menor, que não existirá mais, e a parcela da maior, descontado o valor compensado, continua sendo devida ao credor.

Três são as espécies de compensação no nosso ordenamento: legal, convencional e judicial. A primeira encontra-se prevista no Código Civil e decorre da vontade da lei, não sendo assim preciso que as duas partes concordem. Para DINIZ (2007, p. 311), a compensação legal “se processa automaticamente, ocorrendo no momento em que se constituírem créditos recíprocos entre duas pessoas, já que o Código Civil pátrio preferiu a compensação legal”. O mesmo pensamento tem GONÇALVES (2011, p. 347), ao complementar afirmando que a compensação legal:

Opera-se automaticamente, de pleno direito. No mesmo instante em que o segundo crédito é constituído, extinguem-se as duas dívidas. O juiz apenas reconhece, declara sua configuração, desde que provocado, pois não pode ser proclamada de ofício. Uma vez alegada e declarada judicialmente, seus efeitos retroagirão à data em que se estabeleceu a reciprocidade das dívidas.

A segunda espécie, também conhecida como voluntária, ocorre quando ambas as partes entram em acordo, em uma situação que não há um ou mais dos requisitos previstos para se realizar a compensação legal. Como afirmam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2007, p. 192), a compensação convencional é “decorrência direta da autonomia da vontade, não exigindo os mesmos requisitos para a compensação legal”. As partes podem, por exemplo, compensar dívidas de diferentes qualidades, líquidas e/ou não vencidas.

A compensação judicial decorre de decisão do magistrado, desde que “cada uma das partes alegue seu direito de crédito contra a outra” (DINIZ, 2007, p. 321). Este tipo de compensação acontece principalmente nas situações em que as duas partes vencem e são vencidas ao mesmo tempo e ocorre “independente de provocação expressa das partes nesse sentido” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 192).

2. Requisitos da compensação legal

No artigo 369 do Código Civil, estatui-se que a compensação só se efetua entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis. Listando os requisitos da compensação legal, que valem também para a compensação judicial, é necessário haver reciprocidade dos créditos, liquidez das dívidas, exigibilidade das prestações e fungibilidade dos débitos.

Na reciprocidade dos créditos, duas pessoas devem ser credoras e devedoras uma da outra. O terceiro não interessado não pode compensar a dívida com possível crédito que tenha perante o credor, mesmo que possa pagar, em nome e por conta do devedor, como consta no parágrafo único do artigo 304 do Código Civil. Já o fiador, por ser terceiro interessado, pode alegar a compensação que o devedor, no caso o afiançado, poderia arguir perante o credor. Caio Mário da Silva Pereira (2003, p. 33) leciona que “a recíproca  não  é,  todavia,  verdadeira:  o  devedor  não  pode  opor  ao  seu credor o crédito do fiador”.

O segundo requisito, liquidez das dívidas, determina que só pode haver compensação de dívida que tenha seu valor determinado. DINIZ (2007, p. 314) complementa afirmando:

É óbvio que a liquidez das dívidas não requer menção expressa da soma em seus títulos, mas que sejam certas e precisas, ou seja, que tenham sua existência determinada independentemente de qualquer processo (medição, levantamento pericial, acerto de contas etc.) que apure seu quantum.

Para GONÇALVES (2011, p. 349), a exigibilidade das prestações “é também essencial para a configuração da compensação legal. É necessário que as dívidas estejam vencidas, pois somente assim as prestações podem ser exigidas”. Como citado anteriormente, a única forma de haver compensação de dívidas vencidas com as ainda não vencidas é por meio da compensação voluntária. “Assim, salvo pela via convencional, não pode ser compensado um débito vencido com outro a vencer” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 195).

Não há compensação em prestações que não sejam homogêneas, pois, como resume PEREIRA (2003, p. 33), “costuma-se  ensinar  que  não  é  suficiente  serem  as  prestações  fungíveis  em si  mesmas, porém devem sê-lo também entre si”.  Ao lecionar sobre tal requisito, GONÇALVES (2011, p. 350) exemplifica que “dívida em dinheiro só se compensa com outra dívida em dinheiro. Dívida consistente em entregar sacas de café só se compensa com outra dívida cujo objeto também seja a entrega de sacas de café”.

3. Hipóteses de impossibilidade dE compensação

Há determinados casos em que a compensação não é admitida, seja pela via convencional, como disposto no artigo 375 do Código Civil, seja pela via legal, como previsto nos incisos do artigo 373 do mesmo código.

O artigo 375 estabelece que “não haverá compensação quando as partes, por mútuo acordo, a excluírem, ou no caso de renúncia prévia de uma delas”. No entanto, para que não se concretize a compensação, é necessário que seus requisitos não estejam ainda presentes. Ressalvando-se que “qualquer dos devedores ainda pode renunciar a seus efeitos, respeitados os direitos de terceiros” (GONÇALVES, 2011, p. 353).

Já a impossibilidade de compensação por via legal pode decorrer da causa da dívida. O art. 373 do Código Civil traz exceções em que a compensação é impedida de acontecer: “I - se provier de esbulho, furto ou roubo; II - se uma se originar de comodato, depósito, ou alimentos; III - se uma for de coisa não suscetível de penhora”.

Na hipótese do inciso I, “a ilicitude do fato gerador da dívida contamina sua validade, pelo que, não sendo passível de cobrança, muito menos o será de compensação” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 196). Tal atitude do devedor deve ser punida na esfera penal e não se deve nem pensar em qualquer hipótese de haver compensação em casos assim, pois vão de encontro à ordem moral e devem ser repreendidos pela sociedade.

Além de serem contratos baseados na confiança, comodato e depósito versam sobre coisa determinada individualmente, tornando impossível a fungibilidade. Já sobre dívidas alimentares, citadas no final do inciso II, GONÇALVES (2011, p. 354) explica que “não podem ser objeto de compensação porque sua satisfação é indispensável para a subsistência do alimentando. Permiti-la seria privar o hipossuficiente do mínimo necessário a seu sustento”.

A terceira hipótese impede a compensação quando a coisa não for suscetível de penhora. DINIZ (2007, p. 316) cita alguns bens que são impenhoráveis, como, por exemplo, “seguro de vida, anel nupcial, retratos de família, livros, máquinas ou instrumentos necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão”. Tais bens estão elencados nos incisos do artigo 649 do Código de Processo Civil. Cabe ressaltar também que não se admite compensação em prejuízo de terceiros.

4. A obrigação natural e a compensação ipso iure;

Quando uma dívida é prescrita, cabe à outra parte exigir compensação, desde que os dois créditos tenham coexistido antes do prazo prescricional acabar, operando assim a compensação ipso iure. Entra-se, assim, no âmbito da obrigação natural, em que o credor não pode exigir e o devedor só paga quando e se quiser, ou seja, a dívida continua a existir, mas não pode ser cobrada judicialmente. Nesse caso, trata-se de um dever moral o pagamento da dívida ao credor que, se receber o pagamento, poderá retê-lo.

A obrigação natural é “um debitum em que não se pode exigir, judicialmente, a responsabilidade patrimonial (obligatio) do devedor, mas que, sendo cumprido, não caracterizará pagamento indevido”. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2007, p. 99)

No entendimento de Maria Helena Diniz, considera-se obrigação natural “aquela em que o credor não pode exigir do devedor uma certa prestação, embora, em caso de seu adimplemento espontâneo ou voluntário, possa retê-la a título de pagamento e não de liberalidade”. (DINIZ, 2007, p. 54)

Prevendo a possibilidade de haver compensação entre uma obrigação natural com obrigação civil, Carlos Roberto Gonçalves explica:

O que impede a compensação é o fato de efetuar-se ela “entre dívidas líquidas, vencidas e de coisas fungíveis” (CC, art. 369), ou seja, entre dívidas exigíveis, sendo que as obrigações naturais caracterizam-se pela inexigibilidade. Conforme a lição de KARL LARENZ, o crédito compensado pela parte que requer a compensação há de ser plenamente válido e exigível. De outro modo dita parte não estaria em situação de saldar o crédito adverso. Ademais, o que reclama a compensação há de estar pronto para exigir atualmente a prestação; portanto, seu crédito há de estar vencido. (LARENZ, 1958, p. 429 apud GONÇALVES, 2011, p. 189)

No entanto, sabendo-se que a compensação convencional é resultado de um acordo de vontade das partes, pode-se afirmar que seria possível uma obrigação natural ser compensada com uma obrigação civil, porque, nesse caso, a inexigibilidade é irrelevante:

As partes, de comum acordo, passam a aceitá-la, dispensando alguns de seus requisitos, como, por exemplo, a natureza diversa ou a liquidez das dívidas. Pela convenção celebrada, dívida ilíquida ou não vencida (inexigível) passa a compensar-se com dívida líquida ou vencida. Sem ela, não haveria compensação pelo não preenchimento de todos os seus requisitos. (GONÇALVES, 2011, p. 190)

 

CONCLUSÃO

Percebe-se, portanto, que a compensação é muito útil para as relações obrigacionais, pois economiza bastante

Com relação às suas espécies, viu-se que a compensação legal decorre da vontade de lei e se processa automaticamente, sendo que o juiz, quando provocado, deve apenas reconhecê-la. A compensação convencional, no entanto, provém de um acordo das partes, mesmo que todos os requisitos da espécie anterior não estejam presentes. Já a compensação judicial decorre da decisão de um juiz.

Analisados os requisitos da compensação legal, percebeu-se que a reciprocidade dos créditos ocorre quando duas pessoas são credoras e devedoras uma da outra. Outro requisito é a liquidez das dívidas, que determina que só pode haver compensação de dívida que tenha seu valor determinado. Viu-se também a necessidade que as dívidas estejam vencidas e sejam fungíveis entre si, para que assim as prestações possam ser exigidas.

Além de estudadas as hipóteses em que é impossível a compensação legal, foi analisada também a possibilidade de compensação quando uma das obrigações é natural e percebeu-se que “a compensação de obrigação natural com obrigação civil, ou com outra obrigação natural, não é admitida pela doutrina” (GONÇALVES, 2011, p. 189). No entanto, vimos no tópico anterior que essa compensação se torna possível quando realizada pela via convencional.

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código Civil: promulgado em 10 de janeiro de 2002.  Organização do texto: Anne Joyce Angher. 12. ed. São Paulo: Rideel, 2011. (Série Vade Mecum 2011).

______. Código de Processo Civil: promulgado em 11 de janeiro de 1973.  Organização do texto: Anne Joyce Angher. 12. ed. São Paulo: Rideel, 2011. (Série Vade Mecum 2011).

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v.2.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 2.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. v. 2.



1 Paper apresentado à disciplina de Direito das Obrigações, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

2 Discentes do 3º Período do curso de Direito, da UNDB.

3 Professor Mestre, orientador.