1. CONTEXTUALIZAÇÃO

O crescimento progressivo da economia mundial, viabilizado pela estabilização de preços após a implementação do Plano Real em 1994, proporcionou profundas mudanças socioeconômicas no Brasil. Estas circunstâncias, aliadas à expansão do emprego, renda, crédito e as políticas governamentais de proteção social, motivaram a ascensão de renda por parte das famílias de classe média na última década (Fecomercio, 2012).

Conforme explica a Fecomercio (2012), a partir de 2003, com a desvalorização do real frente às expectativas das eleições presidenciais, houve um grande ganho do setor exportador brasileiro, possibilitando a adoção de políticas econômicas para acelerar o crescimento econômico do Brasil, como o acúmulo maior de reservas internacionais e a redução da taxa básica de juros, concomitantemente à ampliação dos programas sociais de distribuição de renda.

Neste contexto, não só o governo, mas também o setor privado começaram a investir de forma mais acentuada em diversos setores, tendo essas ações, provocado um impulso para a economia mundial, elevando consideravelmente o nível de emprego e a renda média do cidadão brasileiro (Fecomercio, 2012). Bomeny (2011), explica que a partir daí, a sociedade passou a não mais viver em função de sua sobrevivência, tendo acesso à apropriação de bens de consumo até então não experimentados, adquirindo status diferenciado.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013) explica que ascensão da classe média foi impulsionada pela alta taxa de crescimento da renda per capita entre os 10% mais pobres da população, que foi superior a quase quatro vezes a taxa de crescimento entre os 10% mais ricos. Conforme atesta o estudo, esta discrepância foi motivada principalmente pelos programas de transferências de renda, pelo crescimento econômico e expansão do emprego, aumento na produtividade do trabalho, políticas sociais incentivadoras da produção e o aumento do grau de escolaridade da força de trabalho entre os mais pobres.

Na definição de Neri (2008), a classe média ou classe C é o retrato da população brasileira, na qual se inserem os indivíduos que recebem em média, a renda média da sociedade, estando entre os 50% mais pobres e os 10% mais ricos da população brasileira. O autor atesta que entre 2003 a 2009, cerca de 29 milhões de pessoas ingressaram na classe C, chegando ao contingente de 94,9 milhões de brasileiros (aproximadamente 50,5% da população total).

Para Neri (2008), a nova classe média, além de sua representatividade na população brasileira, é ainda a classe dominante no sentido econômico, pois em 2009 chegou a concentrar 46,24% do poder de compra dos brasileiros, contra 44,12% das classes AB. Braga (2012), corrobora com esta ideia, esclarecendo esta classe passou a ter um maior acesso à diversidade de produtos, até então bastante limitada, passando a ter papel significativo no crescimento do mercado interno.

Para Renato Meirelles, citado por Braga (2012, p.5), a classe média é dominante também no sentido político, ao constatar que este grupo passou a enxergar seu papel na sociedade de uma forma diferente, uma vez que “[...] a partir do momento que pode escolher qual supermercado vai, começa a entender também o porquê de o voto ser tão importante”.

A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013) constata que a renda do trabalho para os brasileiros é responsável por mais de 75% dentre os componentes da renda média familiar. Embora a transição demográfica e as transferências públicas tenham contribuído para o crescimento da renda das famílias brasileiras, a renda do trabalho é capaz de explicar 60% da melhora acentuada na distribuição de renda brasileira.

Segundo a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013), de 2001 a 2011, o número de postos de trabalho no país cresceu em 16 milhões (20%). Neste mesmo período, a escolaridade da força de trabalho brasileira cresceu 27% e a porcentagem de trabalhadores informais do setor privado reduziu 15%. Como resultado, a porcentagem da força de trabalho total trabalhando de forma assalariada e formal cresceu mais de 10 pontos percentuais, alcançando, pela primeira vez, cifras muito próximas à metade da população brasileira.

Neste sentido, conclui a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013), o crescimento da renda média do trabalho, foi motivada principalmente pela expansão das oportunidades de trabalho, crescimento da remuneração do trabalho, a qualificação do trabalhador e a qualidade dos postos de trabalho. Neri (2010) ainda completa que o crescimento robusto do emprego formal, duplicado desde 2004, é o principal símbolo do surgimento da classe média brasileira.

Quadros (2008), por sua vez, entende que o aumento da renda da “nova classe média” está mais ligado à expansão do crédito do que aos rendimentos do trabalho. Para ele, o crescimento da população inserida na classe C estaria mais ligado ao incremento de ocupações de baixa remuneração e não apenas pelo aumento da renda.

Na visão de Quadros (2008), há outros elementos que classificam a “nova classe média” além da renda como, por exemplo, a estrutura ocupacional brasileira. Para ele, o conceito de “nova classe média” foi definido a partir de dados da PNAD/IBGE, o que não reflete os rendimentos de fato recebidos pela população, pois consiste em dados das próprias declarações dos entrevistados, que podem ser influenciadas até mesmo pela ascensão do crédito pessoal e a sensação de um maior potencial de consumo.

Assim uma análise mais profunda sobre os aspectos que caracterizam a mobilidade social brasileira, e, mais especificamente, as características estruturais desta “nova classe média” são fundamentais para a elaboração de políticas públicas que viabilizem o desenvolvimento brasileiro (ABÍLIO, 2011).           

  1. PROBLEMÁTICA

A ascensão da nova classe média é vista positivamente sob a visão de Neri (2012), pois expressiva parcela da população passou a ter um maior acesso a bens de consumo e serviços. Apesar de ter essa visão, o autor reconhece que há muitas discussões a respeito desta ascensão em termos de redução de desigualdade e de pobreza, mas pouco aos avanços estruturais dos demais segmentos da sociedade.

Quadros (2008) reforça que a ascensão da “nova classe média” deve-se principalmente aos empregos e oportunidades gerados nas faixas de menor remuneração. Fortalecendo a ideia do autor, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013), verifica que o crescimento moroso da renda dos indivíduos da antiga classe média não os possibilitou ascender às classes mais ricas, ao passo que os mais pobres ascenderam à nova classe média ampliando o contingente deste segmento.

Bomeny (2011) ressalta que os pobres ascenderam à classe média sob a ótica da renda e do consumo, mas ainda possuem uma desvantagem no mercado de trabalho competitivo. Segundo Souza e Lamounier, citado por Bomeny (2011 p.15), a educação ainda é o principal mecanismo para se conquistar maior estabilidade no mercado de trabalho.

Portanto, enxerga-se hoje, uma definição de “nova classe média” que vem sendo utilizada pela mídia, pelo governo e pesquisas de mercado que se leva em conta apenas o aumento da renda média do cidadão brasileiro, tendo-se o desaparecimento do trabalho e seus determinantes estruturais como elemento central na definição e reconhecimento das classes sociais (ABÍLIO, 2011).

  1. JUSTIFICATIVA

Apesar do fenômeno de redução da desigualdade de renda observada nos últimos anos, a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2013) reforça que deve haver um esforço para entender qual a sustentabilidade do movimento de ascensão social ocorrido nos últimos anos, uma vez que a educação, cultura e profissionalização – e não apenas isoladamente – são de fato as variáveis impulsionadoras da mobilidade social no Brasil, ainda precárias atualmente e limitadas quando da capacidade de continuar acelerando o crescimento da remuneração do trabalho.

Desta forma, entender os fatores estruturais que motivaram a ascensão da “nova classe média” é fundamental para estudar o desenvolvimento econômico do país, bem como para a revisão das políticas públicas a fim de averiguar sua eficiência e a necessidade de mudanças diante deste novo contexto.

  1. OBJETIVO

O objetivo geral deste estudo consiste em analisar a mobilidade social brasileira ocorrida na última década, mais especificamente, o fenômeno de ascensão da “nova classe média”.

 Os objetivos específicos, por sua vez, buscam analisar a ascensão da nova classe média e sua relação entre o conceito de mobilidade social vista sob a ótica da renda, como é vista atualmente, analisar a mobilidade social sob a ótica de outros elementos estruturais fundamentais para a definição de classe social, que envolvem a estrutura ocupacional brasileira e o trabalho e por fim, investigar as contraposições atuais sobre a definição teórica de “nova classe média”.

REFERÊNCIAS

ABILIO, L. C. A nova classe média vai ao paraíso? Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). Universidade de São Paulo, 2011. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/code2011/chamada2011/pdf/area11/area11-artigo7.pdf. Acesso em: 30 mai. 2015.

BOMENI, Helena. Do frango ao avião ou o que é possível dizer sobre a nova classe média brasileira? Notas exploratórias. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 2011. Acesso em: 10 mar. 2015.

BRAGA, T. V. M. A nova classe média no Brasil: reflexões acerca de suas expectativas. Gestão & Sociedade: Revista de Pós-Graduação da UNIABEU, 2012. Disponível em:
<http://www.uniabeu.edu.br/publica/index.php/gs/article/view/386/pdf_316>. Acesso em: 06 mar. 2015.

BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência Da República (SAE). A Nova Classe Média Brasileira: desafios que representa para a formulação de políticas públicas, 2013. Disponível em: <http://www.sae.gov.br/novaclassemedia/wp-content/uploads/A-Nova-Classe-M%C3%A9dia-Brasileira.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2015.

BRASIL. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência Da República (SAE). Classe Média e Emprego Assalariado. 4º Caderno Vozes da Nova Classe Média, 2013. Disponível em: <http://www.sae.gov.br/site/wp-content/uploads/4%C2%BA-Caderno-Vozes-da-Nova-Classe-M%C3%A9dia.pdf>. Acesso em: 29 fev. 2015.

NERI, M. C. A nova classe média. Rio de Janeiro: FGV/ IBRE, CPS, 2008. Disponível em: < http://www.cps.fgv.br/cps/classe_media/>. Acesso em: 10 mar. 2015.

NERI, M. C. Consumidores, Produtores e a nova classe média: miséria, desigualdade e determinantes das classes. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, 2009.

QUADROS, Waldir. A evolução da estrutura social brasileira. Notas metodológicas. Texto para discussão, IE/UNICAMP, n.147, novembro de 2008a. QUADROS, Waldir. A evolução recente da estrutura social brasileira. Texto para discussão, IE/UNICAMP, n.148, novembro de 2008b.

SÃO PAULO. Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. A evolução da classe média e o seu impacto no varejo - diagnósticos e tendências. São Paulo: Fischer, 2012. Disponível em: <http://www.usmediaconsulting.com/pt/rs-c/54/fecomercio-a-evolucao-da-classe-media-e-o-seu-impacto-no-varejo.html?src=pesquisas/classe-c/&src_t=category. Acesso em 25 mar. 2015.