A NEUROCIÊNCIA E AS CRIANÇAS
Por Marcelo Diniz | 21/05/2014 | EducaçãoA NEUROCIÊNCIA E AS CRIANÇAS
Por Marcelo C. P. Diniz
As constantes críticas que se fazem à publicidade pedem argumentos complementares ao livro “Será a Propaganda Culpada?”, recentemente lançado (www.serapropagandaculpada.com.br). Refiro-me, particularmente, ao artigo “Crianças e Porcarias”, de Luis Francisco Carvalho Pinto, publicado em 26/4/2014 na Folha de S. Paulo, criticando novas formas de persuasão, sobretudo quando ao consumo de alimentos pelas crianças.
É bom que estejamos alertados ao que vem por aí, com o desenvolvimento da neurociência. O que ampara a nossa criatividade deve ser a técnica e esta, em todas as áreas do saber, se aperfeiçoa. O ser humano busca a novidade incessantemente, desde os primórdios, à procura de alimentos, abrigo, soluções, ou em defesa dos perigos. Como bípede, sua visão ganhou ênfase – novos horizontes, percepção mais ampla, valorização das imagens. Como ser total, extravasou necessidades e desejos conscientes ou inconscientes.
E os comunicadores, além da pura informação, procuram entendê-lo e a sua cultura, depois convencê-lo. Os gregos ensinaram a retórica e a dialética; Claude Hopkins escreveu “A Ciência da Propaganda” em 1923 e influenciou seus sucessores; Ernest Dichter criou o Instituto de Pesquisa de Motivação em 1946 e foi o precursor das salas de espelhos que são usadas hoje. Não estavam contentes em analisar a racionalidade das escolhas, queriam saber mais sobre a emoção.
Mas cada vez que um novo conhecimento traz uma grande surpresa aos padrões vigentes, pode-se esperar forte reação. Copérnico, Galileu, engenharia genética, células tronco – tem sempre alguém dizendo que vamos negar Deus. Foi assim também com a publicidade: em 1965 chegou ao Brasil “A Nova Técnica de Convencer” (The Hidden Persuaders), de Vance Packard. Era uma crítica ácida às pesquisas motivacionais, que tentavam descobrir nossas reações quanto às cores de uma embalagem, como tornar uma viagem de avião menos apreensiva, o poder da imagem das marcas até em produtos que não sabíamos distinguir bem, como vinhos e cervejas, ou como o bem-estar proporcionado por produtos e serviços poderia ser buscado a despeito dos sentimentos de culpa que estavam arraigados.
Agora a neurociência traz novos conhecimentos para auxiliar na eficácia das mensagens, da televisão aos pontos de vendas. A hora é de negar o novo conhecimento a respeito das reações humanas, ou de aproveita-lo para estimular bons produtos, serviços e modos de vida? É bom lembrar que a publicidade é inseparável do conjunto “produto-serviços-comunicação” e seus efeitos. O que precisamos verificar são os benefícios, a análise do objeto antes da comunicação, pois a proibição desta última não vai tirar os produtos ruins das prateleiras.
E chegamos à parte mais sensível desta análise, a publicidade infantil. Temos pela frente a resolução do CONANDA – Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que deseja proibir definitivamente as comunicações mercadológicas dirigidas a crianças abaixo dos 12 anos de idade, por considerá-las perniciosas. Considera, inclusive, que todas as crianças são iguais. E por onde começa a comunicação? Pelo boca a boca. Quem faz o boca a boca para o mundo infantil? Pais, tios e primos, amiguinhos, professores. Aonde ele é multiplicado? Na internet e suas redes sociais, inclusive pelas próprias crianças. Quem também comunica? TV, livros e revistas, celulares, videogames, embalagens, vitrines das lojas, gôndolas de supermercados, mídia exterior etc. Quer eliminar tudo isso da visão e da audição das crianças? Como? Diga-me também como eliminar o olfato, o tato, a degustação e a emoção. Afinal de contas, as crianças têm ou não têm o direito de compartilhar experiências, adquirir conhecimentos, participar da nossa vida cultural, desenvolver criatividade?
O artigo do advogado Luis Francisco Carvalho Pinto tem o seu mérito: pede que o poder público lance campanhas sobre hábitos e alimentação saudáveis. Mas que não espere resultados muito rápidos: a população brasileira é predominantemente urbana (84%, segundo o IBGE), mais de 50% das escolas públicas não têm sequer uma quadra de esportes (ONG Contas Abertas), 82,6% das calorias oriundas do açúcar de adição, presentes em nossa alimentação, não são de alimentos industrializados, mas de açúcar e outros adoçantes dos pratos servidos pelas nossas próprias mães e seus seguidores (Revista Brasileira de Epidemiologia), ao contrário do que muita gente acredita. Sem falar das frituras...
Artigo de Rosely Sayão, na Folha de 29/4/2014, traz preocupações legítimas quanto à educação, aos hábitos e à alimentação infantil. É uma equação nada simples de ser resolvida. As crianças, como todos nós, estão mais interessadas em novidades: não será um playground para pular corda e amarelinha que irá substituir os infinitos apelos dos aparelhos eletrônicos. E na relação da propaganda com a obesidade, é bom que se saiba: na Europa, onde há muitas restrições à publicidade infantil, a Organização Mundial de Saúde informa que 20,4% dos homens e 23,1% das mulheres são obesas; na Suécia, 18,2% e 15%, respectivamente; mas no Japão, onde crianças são estrelas da publicidade infantil, assim como os personagens que admiram, somente 5,5% dos homens e 3,5% das mulheres são obesas. As diferenças entre as culturas são sobejamente conhecidas, o que parece ser o fator determinante.