A MORTE DE UM OPERÁRIO
Por Renato Ladeia | 20/10/2018 | CrônicasEra uma tarde ensolarada sem grandes novidades. Um dia morno e sem graça, sem novidades e talvez sem grandes esperanças quando o Miguel Dalbão entrou em minha sala e disse: “Um acidente feio na fábrica. Morreu um operário”. A notícia caiu como uma pedra silenciando vozes, silenciando risos, silenciando o tempo. Um operário morreu. Uma grande viga de aço escapou do guincho e atingiu a cabeça de um pobre homem chamado José. Não sei se o nome era mesmo José, mas poderia ser - um José em tudo na vida, a mesma cabeça grande, o mesmo corpo franzino, a mesma dor que sentimos. Estava lá o corpo estendido no chão.
Levaram o José para o hospital para cumprir as formalidades. O médico deveria dizer: “Está morto. Nada mais pode ser feito”. E assim foi. A pancada da viga foi fatal. Um trágico acidentel. Não houve tempo para sentir nada. O choque paralisou seus sentidos e José tropeçou no céu como se ouvisse música e paralisou sua dor como se fosse um sonho.
A assistente social avisou a família. De repente, não mais que de repente uma mulher ficou sem marido e crianças ficaram sem pai. Como dar uma notícia dessas? Como escolher as palavras? Gritos e lágrimas e o resto é silêncio. As palavras não são mágicas e não são capazes de confortar nesses momentos. O melhor mesmo é um abraço e esperar o choro, as lágrimas, a dor. Mas a vida continua. A vida é um compromisso. As crianças estão olhando assustadas, não entendem direito o que está acontecendo.
O corpo foi velado na casa do José. Uma casa em construção. Tijolo com tijolo num desenho mágico e as paredes foram erguidas vagarosamente, de acordo com o que sobrava no final do mês. Parecia que o suor dele ainda escorria pelas paredes incompletas.
Alguém trouxe o pedaço do encéfalo que ficara no local do acidente e colocou no caixão com a permissão da viúva. Fazia parte do seu corpo e deveria ser sepultado junto, concordou a mulher.. “Enterrem meu corpo na curva do rio, mesmo que os pedaços estejam espalhados pela campina. Quero a terra molhada com meu sangue para me aquecer na longa jornada”. As lembranças dele não estavam mais naquela massa fria e inerte. Ele já flutuava no ar feito um pássaro.
No dia seguinte o luto ainda não havia terminado. Seria um longo luto. O jornal do sindicato chegou sinistro nas primeiras horas da manhã. A manchete “Morte na Unipar” com uma tarja preta. Queriam um culpado, mas não há culpados, foi um acidente fruto do acaso.
A empresa cumpriu seu papel social. Assistência à viúva e filhos. Comprometeu-se em terminar a construção da casa, o grande sonho do José. Mal sabia ele que naquele dia “beijou sua mulher como se fosse a última e cada filho seu como se fosse único”.
Mas estava lá um corpo estendido no chão e “A se arrastarem no chão/ E o operário ouviu a voz/ de todos os seus irmãos/Os seus irmãos que morreram/Por outros que viverão”. Um operário em construção.
Jamais esquecerei esse acontecimento em minhas retinas fatigadas. “El nombre del hombre muerto”.