Desde os primeiros anos da faculdade aprendemos que a Medicina não é uma ciência exata. Pacientes que estão evoluindo mal, que ninguém acha que vão se recuperar, saem andando o Hospital. Casos banais apresentam complicações inesperadas, e nos deixam com sensação de impotência. Tudo isso nos dá certeza de que a divisão que havia no Colegial de 20 ou 30 anos atrás entre exatas, humanas e biológicas era real: as ciências médicas são biológicas, e nada pode haver de exato na evolução das doenças...

Mas olhando com um pouco mais de cuidado pode-se ver que, na realidade, há uma parte exata nessa ciência biológica. A estatística, por mais imprecisa e sujeita a erros, nos dá parâmetros para predizer a ocorrência de eventos com um grau de certeza razoável. Principalmente quando aplicada no contexto da saúde da população.

A morte cardíaca súbita, por exemplo, acomete aproximadamente 150 mil pessoas por ano no Brasil. Se é assim, não é de se estranhar que a maioria, em números absolutos, ocorra nas grandes cidades. Campinas é uma grande cidade, então, muitas delas devem ocorrer por aqui. Qual seria um lugar que haveria maior probabilidade de ocorrer um evento cardíaco? Ora, estatisticamente, é mais provável que ocorra em locais com grande acúmulo de pessoas. Centros comerciais, clubes, supermercados, e órgãos públicos que atendem a população são, assim, locais que atraem essas catástrofes.

Assim, fatos como o ocorrido no Paço Municipal não são, exatamente, fatalidades. São possibilidades concretas e reais. Por isso foi proposto o projeto de lei pelo vereador Paulo Oya, sancionada pelo colega prefeito em agosto passado. O acesso público ao desfibrilador automático aumenta as chances de recuperação de uma parada cardíaca. Salva vidas.

Se a lei tivesse sido regulamentada (o incidente poderia, pelo menos, servir para que o executivo tomasse tal medida) seria obrigatória a presença de um aparelho como esse na Prefeitura, com pessoal treinado para o seu uso. Ao contrário do que foi alegado pelo diretor de Saúde do município, segundo a reportagem publicada no Correio, o uso de tal equipamento é muito simples, e um treinamento básico é suficiente para capacitar qualquer pessoa para a sua utilização.

A rapidez no atendimento de uma parada cardíaca é fundamental. As estatísticas demonstram que, para cada minuto de retardo no atendimento a uma parada cardíaca, as chances de recuperação caem entre 7 e 10%. Assim, ao cabo dos longos 9 minutos que a ambulância do SAMU demorou para cruzar os 3 Km. até o local, as chances da vítima se recuperar seriam mínimas, por mais esforço que fizessem os colegas que prestaram o primeiro atendimento. Tempo é, nesse caso, vida. A Sociedade Brasileira de Cardiologia recomenda, por exemplo, que o atendimento a uma parada cardíaca seja feito em tempo inferior a 5 minutos. Um aparelho, e o treinamento de um pequeno número de pessoas, poderiam fazer a diferença de uma vida. Afinal, no trânsito da cidade não pode ser menos complexo que um subir ou descer de alguns lances de escada...

A morte cardíaca súbita é um fato, e devemos encarar o inimigo com todas as armas disponíveis. Acesso público a desfibriladores automáticos, e capacitação de pessoas para sua utilização, são as principais armas de que dispomos hoje. A Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo, atuando em conjunto com a Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas, tem condições de ministrar os cursos necessários à capacitação da população. Cabe ao Executivo cumprir também o seu papel regulamentando a lei, e a sociedade deve se organizar para fazer que a mesma seja cumprida, para que possamos viver numa cidade mais segura, reduzindo a ocorrência de eventos lamentáveis.