Na época andava fascinado pelas iconografias. Vivia na Casa das Retortas, no MIS, no Arquivo do Estado, etc. Foi quando assisti pela primeira vez “A montanha...”. Data: fins de 88. Impressão: as iconografias tinham vida. Filme pxb, 1951.

Cumpre o parâmetro do roteiro “perfect round”, termina como assim começa.

Começa com o Kirk Douglas chegando numa cidadezinha sem um tostão no bolso, tendo já trabalhado na grande mídia da metrópole, e tendo também ensejado ações pouco confiáveis, o que lhe deixou desempregado e desacreditado. Douglas nasceu para papéis “levanta, sacode a poeira...”, ou, ou vai ou racha. Tá escrito na cara dele.

Depois de um ano envolvido em matérias como “festival de morangos” ou caça de cascavéis, ele vê a oportunidade de um grande furo jornalístico. Sempre achei esse filme uma boa aula de comunicação. Na época ainda existiam os furos jornalísticos. Algumas décadas depois o Grande Irmão iria inventar, e disponibilizar para o mundo livre, o conceito do Quarto Poder, ou seja, as matérias já estão prontas antes da notícia acontecer. Isso quando eles não fazem acontecer...

“Ace in the hole” tem mais de um sentido para os gringos. O mais comum: ás na manga. O pouco usual, embora atrelado à película: ás no buraco. Isso porque um sujeito ficou soterrado numa antiga mina, e em torno do seu desespero será construída a ação. O buraco também tem nome, um local amaldiçoado pelos índios: Montanha dos sete abutres.

Com os nomes dados aos bois, o que o espectador verá, se ainda não viu, é o talento dos roteiristas de Hollywood – costumam contar que muito escritor de talento, que antes vivia à pão e água em Nova Iorque, acabava se mudando para a ensolarada cinelândia, com emprego de roteirista e sob o pretexto de comprar tempo, até que seu best-seller fosse concluído ou reconhecido. Acho que nem eles supunham já estarem escrevendo pequenas obras primas.
Kirk protagonizou algumas delas.

Mais uma interpretação para o hole em questão, e apenas para florear a resenha: the bandits holed up in the mountains. Os bandidos ficaram a contragosto nas montanhas. (Gíria norte americana). Mas cabe no espetáculo. Porque o que montam no sopé da montanha vai desde um parque de diversões a um estacionamento, um camping, estação de comunicação, etc...
Tudo à custa de um pobre diabo soterrado, cujos dias poderiam
não estar contados, se o show de mídia não estivesse disposto a prolongar-lhe a agonia, para o aumento de vendas dos jornais.

Direção: Vossa excelência Samuel Wilder . Billy para os íntimos.
Alguns filmes do austro-húngaro Billy: “Crepúsculo dos deuses ”,  “O pecado mora ao lado”, “Sabrina” , “Se meu apartamento falasse”, “Quanto mais quente melhor ”.


O pobre soterrado tem outro ás na manga: uma seriíssima esposa, que tão logo soube que o marido estava encalacrado, passou a mão no caixa e foi para o ponto de ônibus.

Nome da esposa na vida real: Jan Sterling. Perfeita no papel.

Kirk teve um vislumbre. O caráter da mulher, a lanchonete às moscas no meio do nada, o marido entre os escombros. É um filme com vários pontos de partida. Deste vislumbre a ação sobe uma oitava e cabe ao espectador avaliar tanto o profissionalismo dos produtores da época, quanto a ganância dos homens, de qualquer época.