A MONETARIZAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO E A PEC 19/2010: a presença afetiva parental como concretização do direito à busca da felicidade

Por Isabela marisa camara sousa | 11/03/2020 | Direito

A MONETARIZAÇÃO DO ABANDONO AFETIVO E A PEC 19/2010: a presença afetiva parental como concretização do direito à busca da felicidade.¹

Sumário: 1 Introdução;2 A incidência da responsabilidade civil na esfera familiar; 3 abandono afetivo como dano extrapatrimonial no ordenamento jurídico pátrio;3.1 O dano moral em relação ao abandono afetivo ;4 .A interligação do direito a busca da felicidade ao abandono afetivo a luz da pec19/20105 Conclusões; 6 Referências.

 

Isabela Marisa Câmara Sousa²

Leiza Monteiro Dutra Galiza²

Vitoria Frota

 

RESUMO

O presente artigo busca pontuar de que forma a incidência da Responsabilidade Civil dentro da esfera familiar afirma o projeto de lei do Direito a busca da Felicidade. A partir de uma análise de como o instituto familiar voltou-se a uma “humanização” onde todos os entes possuem personalidade e destaque. Ainda, trazendo uma abertura maior dentro do âmbito da família, afastando a “não intervenção estatal”, trazendo novos acontecimentos para o ordenamento jurídico. Ademais, a partir da incidência da responsabilização dos entes familiares, trazemos então como o dano moral influi no abandono afetivo, isto é, a ocorrência de rupturas que causam prejuízos na estrutura da família, seja o pai com filho ou vice-versa. Onde finalmente, estabeleceremos a interligação do abandono afetivo com o direito à busca da felicidade, projeto de lei que visa altera o artigo 6o da Constituição Federal, relacionado com a qualidade de vida e satisfação do ser humano, o que justamente é tirado de quem sofre o abandono.

 Palavras-chave: Abandono Afetivo. Direito à busca da felicidade. Dano Moral. Direito de família. Responsabilidade Civil.

 

1 INTRODUÇÃO

 

 

2 INCIDÊNCIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL NA ESFERA FAMILIAR

No decorrer dos anos, nota-se que o ramo da responsabilidade civil tende cada vez mais a subjetivar as tutelas jurisdicionais, ou seja, não se trata mais somente de danos materiais, visto que os danos psicológicos e morais podem chegar a ser mais prejudiciais que aqueles. Por essa razão, a esfera da pessoalidade que antes era intocável, agora já pode ser tutelada pelo estado, desde que os sujeitos lesados assim o queiram. (GONÇALVES, 2016)

A partir do advento em que o homem e a mulher foram equiparados no que tange a “chefia” da família, com a Constituição de 1988 e sua notória proteção ao ser humano, o instituto da família passou a ser mais abrangente, onde aspetos jurídicos e sócio-culturais adentram esse campo, antes fechado ao Estado de Direito, garantindo aos seus entes personalidade e maior valorização. Assim, é possível perceber que tal entendimento, do ordenamento pode casos de reparação civil em casos de quebra do noivado, onde o nubente tem a possibilidade requerer em juízo a lesão sofrida e assim, em diversas áreas do direito de família. (CARDIN, 2015)

Devendo prevalecer sempre o princípio basilar de nossa Carta Magna e o rol de direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o princípio da solidariedade familiar, assim, com o abandono afetivo, por exemplo, ferindo essas premissas, entende-se a incidência da responsabilidade civil para a reparação. Em questão, não se é possível mensurar e transformar em pecúnia o dano causado, relacionado com os danos sofridos pela falta de afeto, pelo abandono, contudo, tem-se como evolução que este seja, e sendo assim, a responsabilidade deve ser analisada em cada caso especifico, para que não fragilizado o instituto do dano moral. (CARDIN, 2015)

É importante salientar, que no tocante a natureza da lesão ao bem jurídico, tendo o dano como indispensável para a responsabilidade civil, ademais, há uma divisão sendo esta subjetiva – quando condicionada ao dolo e culpa em sentido estrito, e objetiva, se necessidade de comprovação culposa, apenas o nexo de causalidade e o dano. Ainda, sendo ela patrimonial ou extrapatrimonial – moral, relacionadas ao infrator. (SANTOS, 2011)

Desse modo, é notória a relação de que tanto o abandono afetivo, a depender da analise casuística, a falta de assistência pecuniária dentro que está condicionada ao princípio da solidariedade dentro da família, com ambas, à medida que os pais e filhos em suas relações possuem pesos e medidas, cada ente possui sua valoração, assim como, independe do dolo ou culpa.

 

 

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3. O ABANDONO AFETIVO COMO DANO EXTRAPATRIMONIAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

 

O abandono afetivo tem natureza extrapatrimonial (TARTUCE, 2016), e tem como base o fato de que o abandono seria uma violação direta a vários direitos fundamentais causada pela ausência de uma figura paterna ou materna tida como indispensável para a criação da criança, não apenas na subsistência, bem como os princípios da dignidade, da efetividade e da responsabilidade parental (BRADA; FUCKS, 2013).

Esse tipo de indenização causada pela ausência de interesse e da convivência afetiva dos pais, acaba por tutelar o afeto em si, tocando em uma vertente ainda pouco tocada no direito, que seria o bem-estar emocional, tomando como base vertentes da psicanálise para esse tipo de indenização (BRADA; FUCKS, 2013).

A afetividade é considerada, de forma feroz (?) por juristas como Rodrigo da Cunha Pereira (2004), Paulo Lôbo (2009), Guilherme Calmon Nogueira da Gama (2008b), Maria Berenice Dias (2010), Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2006), Rolf Madaleno (2009), como um princípio do direito, e ainda é considerada fundamento da família. Como resultado disso, passa-se a entender que, baseando-se nos demais princípios constitucionais, essa afetividade familiar passa a ser defendida pelo ordenamento jurídico, motivo pelo qual, ainda que não de forma completamente pacifica, o abandono afetivo passa a ser indenizável (SANTOS, 2011).

Essa divergência ( ela pergunto onde ta a divergência) encontra-se no sentido de que o afeto é algo subjetivo, que não pode ser tutelado pelo direito ou imposto a alguém (SANTOS, 2011), mas o que o direito passa a tutelar é o bem-estar dos filhos que foram abandonados, e levam em consideração o que aquela criança perde por razão desse abandono.

 

 

3.1 DANOS MORAL EM RELAÇÃO AO ABANDONO AFETIVO

 

A indenização por abandono afetivo trata-se da modalidade extracontratual de responsabilidade civil, ou seja, trata-se de uma tutela que ultrapassa a materialidade da perda e passa para uma afetação emocional ou afetiva. A responsabilidade nesse caso é a objetiva, visto que está baseada na teoria do risco e independer de dolo ou culpa, ou seja, quem abandona, apenas pelo fato de abandonar já assume o risco de causar impactos emocionais e psicológicos, ainda que não seja essa a intenção. (TARTUCE, 2017)

Entende-se o abandono afetivo como indenizável por se tratar de um prejuízo a um direito de personalidade (SANTOS, 2011). Entende-se, assim, que a essência da personalidade do abandonado é agredida, ou seja, um direito subjetivo de essência da pessoa, o que é dado pela Constituição Federal em seu art. 5o, X (1988) como um direito fundamental inviolável.

Ainda, o abandono afetivo é um dano indenizável sem a presença de um nexo de causalidade, visto que essa interligação do abandono com a desenvoltura da criança seria algo muito difícil – se não impossível – de se constatar, o que dificultaria de grande forma a aplicação da presente indenização. (SANTOS, 2011)

 

 

 

4. A INTERLIGAÇÃO DO DIREITO A BUSCA DA FELICIDADE AO ABANDONO AFETIVO A LUZ DA PEC 19/2010.

 

A felicidade, sentimento impossível de ser resumido, todavia, parte da tese Aristotélica acerca do que o filosofo denominou como “eudaimonismo”, seria um maior bem, aonde precisamos de agentes e meios externos para atingi-la, é viver virtuosamente para a conquista deste bem, tudo isso, de forma subjetiva. Desse modo, com o caminhar dos séculos essa concepção não mudou, a globalização e o mundo capitalismo somente maximizou esses meios para a conquista da felicidade que cada um coloca em sua jornada, contudo, é inegável atrelá-la aos diretos fundamentais consagrados em nosso ordenamento jurídico: a dignidade da pessoa humana, saúde, moradia... (HORITA, SIMÕES, 2014)

O direito à busca pela felicidade funciona como um ponto de partida para a garantia de todos os direitos fundamentais essenciais e deve se concretizar mediante a ação do estado e dos próprios cidadãos. De forma que mesmo sendo subjetiva, ou seja, cada um coloca pesos e medidas para alcançar a sua, a boa qualidade de vida comunitária também leva a efetivação da felicidade. Desse modo, o respeito interpessoal tratamento igualitário e recursos básicos para uma qualidade de vida, são pressupostos que carregam o então direto à busca da felicidade. (RUBIN, 2010)

A expectativa desse direito está no projeto de lei 19/2010 do direito a busca pela felicidade que alteraria o artigo 6º da Constituição Federal e traria esse direito como um direito- dever fundamental de forma efetiva. Esse direito tem como base a qualidade de vida que deve ser levada em conta na concretização de qualquer direito, funcionando como um direito meio para os outros direitos fundamentais (RUBIN, 2010).

A implantação desse direito teria como base a garantia de um mínimo existencial onde o estado se mostraria intimamente envolvido com os problemas sociais para que houvesse uma tutela efetiva para a resolução, ou busca de resolução efetiva desses problemas (MERLO; PEDRO, 2013). Nesse sentido, o estado deixaria de se afastar daquilo que, por vezes, se considera como assunto dos indivíduos, para, não apenas olhar por esses problemas, mas para tutelar e tentar resolver de forma efetiva.

O caso que se pode tomar como base e que revolucionou o ramo da responsabilidade civil foi o qual uma juíza condenou um pai por abandono afetivo a 200 mil reais. A juíza afirmou que esse ramo não se limita somente aos tipos de danos já consolidados, mas também pode tratar de situações afetivas e emocionais dos sujeitos, o que a mesma acreditou ser o caso (IBFAM, 2012).

No Recurso Especial Nº 1.159.242 – SP, a ministra Nancy Andrighi, afirma que a filha abandonada sofreu sentimentalmente de grande forma por ser tratada como “filha de segunda classe”. Nesse caso, não se observou o caso financeiro da criança, visto que o pai ajudava financeiramente, mas o fato de, ainda assim, a filha permanecer com sentimento de tristeza e mágoa, ou seja, a impediu de certa forma de uma expectativa de vida feliz e plena,  o que acabou por levar à condenação do pai. (IBFAM, 2012)

Por conseguinte, podemos verificar claramente a proporção que o direito á busca da felicidade vem tomando, e de que forma pode-se observá-lo, ainda que de forma implícita, cada vez mais presente dentro do ordenamento jurídico. Visto que essa meta, já decorre de todos os outros macroprincipios constitucionais, principalmente a dignidade da pessoa humana. Esse tratamento mais subjetivo que o direito vem tomando demonstra que a positivação desse direito - ou pelo menos a sua aceitação como um direito implícito no ordenamento - passa a ser a cada dia mais inevitável.

 

 

5 CONCLUSÃO

Como vimos, o instituto da responsabilidade civil existe em nosso ordenamento jurídico para a compensação de danos, somados a um nexo de causalidade, sendo doloso ou culposo. Na presente pesquisa, tratamos acerca da modalidade objetiva, onde entendemos que a compensação do dano por conta do abandono afetivo não necessita de comprovação do que essa atitude gerou, apenas pelo simples fato de abandonar, já se incide a necessidade de reparação pecuniária, de acordo com a teoria do risco direto e imediato, adotada pelo Código Civil.

No tocante ao abandono, ou seja, a ausência de interesse na convivência tanto entre pai e filhos, quanto ao contrario, é assunto que vem sendo debatido em nosso ordenamento, pois se liga a direitos fundamentais presentes em nossa Constituição. Levando-nos a PEC do Direito à Busca da Felicidade, que hoje, existe implicitamente em nossos outros princípios de nosso ordenamento jurídico, contudo, deve ser positivado, pois se eleva a um patamar de poder ser tutelado em demandas jurídicas.

De modo que, o dano em questão é claramente extrapatrimonial, levando em consideração as perdas são relacionadas à moral, a uma expectativa de vida que fora prejudicada com o abandono. É fatídico que a quantificação monetária para esses casos se torna impossível pelo subjetivismo, no entanto, a utilização do método bifásico, juntando ao grupo de casos típicos, para a valoração de lesões parecidas, relacionadas a dignidade da pessoa humana, a saúde, educação, geradas pelo abandono, preservando assim, a coerência entre os precedentes no ordenamento jurídicos.

Ainda, no que cerne a questão em foco da pesquisa, a felicidade se liga subjetivamente a questão de uma vida digna, mas, além disso, por conseguinte a vida em comunidade. Um abandono gera conseqüências irreparáveis a quem sofreu, leva a infelicidade, a quebra de expectativas tanto subjetivas quanto coletivas a sociedade. Desse modo entendemos a busca da felicidade um bem jurídico lesado com o abandono afetivo, e devendo ser ligado as reparações extra patrimoniais em nosso ordenamento jurídico.

 

6 REFERÊNCIAS

BRADA, Julio Cezar de Oliveira; FUKS, Betty Bernardo. Indenização por abandono afetivo: a judicialização do afeto. Tempo psicanal. Rio de Janeiro, v. 45, n. 2, p. 303-321, dez.2013. Disponível em: . Acesso em: 26 mar. 2018

CARDIN, Valéria Silva Galdino. DO DANO MORAL NO DIREITO DE FAMÍLIA. Revista Juridica Luso-Brasileira, Ano 1 (2015), no 6, 1673-1714. Disponível em

:Acesso em: 23 de março de 2018

IBDFAM. STJ condena pai a indenizar filha por abandono afetivo .Jusbrasil. 2012. Disponível em: . Acesso em: 25 de março de 2018.

GONÇALVES, Carlos Roberto. DIREITO CIVIL BRASILEIRO: RESPONSABILIDADECIVIL, v 4 – 11 ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

MERLO, Sandra regina; PEDROSO, HomellAntonio Martins. A implementação do direito à busca da felicidade como da efetivação da dignidade da pessoa humana e a garantia do mínimo existencial. Publicadireito. 2013. Disponível em:. Acesso em: 27 de março de 2018.

RUBIN, Beatriz. O direito à Busca da felicidade. Revista Brasileira de Direito Constitucional – RBDC n. 16. 2010

SANTOS, Marina Alice de Souza. A natureza do afeto nas relações paterno-filiais frente a responsabilização civil. 2011. Dissertação (Mestrado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Minas Gerais. Disponível em: . Acesso em: 26 mar.2018.

HORITA, Fernando Henrique da Silva; SIMÕE, Melrian Ferreira da Silva. O DIREITO À BUSCA DA FELICIDADE. Revista UNIVEM, Ano 3 (2014), nº 4, 3063-3080 / http://www.idb-fdul.com/. Disponível em.< http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2014/04/2014_04_03063_03080.pdf> Acesso em: 16.05.2018

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 6. Ed. Brasil: Editora Método, 2017.

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