Às vezes o cotidiano me parece um periscópio que me prega peças. E até parece que o mesmo sujeito responsável pelo design da escova de dentes Oral B fez também o Nike Air Gold, principalmente aquele azul marinho...Vamos vivendo uma época em que, sinceramente, os frutos do design, ou se se preferir, os frutos da estética como um todo,    parecem oriundos de uma única vertente. O logo do Bradesco, o do Hollywood cigarros, o do Unibanco Seguros, tantos e tantos, sempre gestuais, com mais magnetismo no que embutem do que no que expressam a olho nu.

Ouvi não sei onde que estamos sofrendo uma volta ao barroco, não num ângulo estético  propriamente dito mas sim de conteúdo. Pensei outro dia que se você for pensar em moda, uma moda oficial, numa grande metrópole por assim dizer, é impossível acreditar que uma única corrente consiga manter coesos sequer 1/6 da população.

Óculos anos 50 se misturam com blusinha anos 60, calça boca de sino anos 70, piercing dos 80, salto alto e água oxigenada nos 90... (aliás, não lhe parece um grande negócio produzir água oxigenada?) Tantas combinações, o freguês retira das épocas, e dos estilos, o que melhor saciar suas aspirações de momento. No rádio rola tudo, sertanejo, rock, pop brega americano, "é pau é pedra é o fim do caminho", “Nigth and Day”, Bethoven, rap, hip hop... O mesmo sujeito que gosta de Thelonios Monk e Burt Bacarah pode também apreciar com igual deleite Luiz Tatit, Hermeto Pascoal, Paulo Ricardo e Wanderléia. Acredite-me, é possível. E lícito. E o leque se estende. E isso só é possível porque este sujeito é antes de mais nada - fruto, coadjuvante e testemunha - de boa parte dessas fatias de tempo. E a mistura desses ingredientes é o que nos tem sido mais prazeiroso. Nós, os nascidos  nos 50/60, vimos de fato calças boca de sino e, o que é pior, usamos. E se antes era possível  acender uma vela para os Beatles e logo depois outra para o The Who, daí ao pôster da Rose di Primo, hoje pode-se acender todas ao mesmo tempo e outra mais para o Leonardo Di Caprio, e mais outra para a Gisele Bündchen e o Jim Clark, ambos talvez na mesma parede, por muitos motivos, e também porque o tempo não pára, e um dia dirão no futuro que houve um tempo em que o ser humano finalmente conseguiu passar uma tarde inteira com Zé Colméia, François Truffaut, O Exterminador do Futuro II e Tudo Sobre Minha Mãe. O pacote inteiro leve 4 pague 2, de preferência numa tarde fria e chuvosa de domingo, tudo isso porque já inventaram o vídeo cassete e DVD e porque, definitivamente, tais períodos já ocorreram.

Bernard Gontier