Acordei por volta das 6 horas da manhã. Tomei banho, vesti a bata personalizada com a logo da agronomia, que minha mãe generosamente confeccionou, recolhi os materiais escolares indispensáveis para a primeira aula de desenho (saudoso mestre Omir Alves), tomei café e rumei serelepe para a parada de ônibus, que ficava a um quarteirão de casa, na 16 com a Veiga Cabral. Ansioso, esperava a chegada do Tamoios, a única linha de ônibus urbana cujo ponto final era o prédio central da então Escola de Agronomia da Amazônia, EAA, que logo em seguida passou a se chamar de Faculdade de Ciências Agrárias do Pará, FCAP, e hoje é a Universidade Federal Rural da Amazônia, UFRA.

O ônibus não demorou. Subi pela porta traseira e me acomodei no primeiro banco livre que encontrei, acomodando a enorme régua tê e esquadros. O veículo seguiu pela avenida 16 de Novembro. Minutos mais tarde, o cobrador, fazendo o téc-téc-téc característico do atrito de duas moedas colocadas em uma de suas mãos onde se via também algumas cédulas de papel dobradas longitudinalmente – estes eram os sinais do cobrador – veio me cobrar a passagem, o que fiz em um simples gesto, visto que o numerário já estava reservado certo em uma de minhas mãos.

O ônibus seguiu. Mais adiante, três quarteirões, subiram outros estudantes. Eram os moradores da Casa do Estudante Universitário do Pará. E mais outros. Até então, a lotação do ônibus estava maneira, todos viajavam ainda sentados. Alcançou finalmente a Av. Portugal, dobrou na Av. Castilhos França, esquina com o famoso Mercado do Ver-o-Peso e rumou, sempre numa velocidade agradável, o que permitia ver e acompanhar os movimentos dos pedestres e as rotinas de abrir as lojas do comércio. Subiu a pequena ladeira do começo da av. Presidente Vargas e mais alguns estudantes embarcaram. A lotação de passageiros se equilibrava, pois enquanto os estudantes subiam, muitos comerciários desciam rumo aos seus empregos.

E assim seguia o ônibus até alcançar a av. Gentil Bittencourt. E o sobe e desce de passageiros continuava. Vez por outra, acomodava os materiais de colegas que tinham embarcado, porém, estavam em pé no corredor do ônibus. Por ter no itinerário diversos colégios, o ônibus mantinha-se nem tanto cheio, nem tanto vazio. Alcançou a av. José Bonifácio e por fim o Mercado de São Brás. Aqui, muitas pessoas subiam vindas do mercado e da feira de São Brás, ali próximo.

Nessas alturas, podia dizer que estava saindo do centro e chegando nos bairros mais afastados do Marco e Souza. O Tamoios finalmente alcançou a av. Tito Franco (atual av. Almirante Barroso). Parece que nesta altura os intervalos das paradas se tornaram mais compridos, porém, ainda alguns estudantes subiram no ônibus. Chegou enfim a trav. Itororó (atual trav. Enéas Pinheiro), bem em frente ao Bosque Rodrigues Alves, e nela o ônibus dobrou à direita. A essa altura, o relógio batia as 7 horas.

Mais alguns estudantes, funcionários e professores da FCAP tomavam o ônibus, especialmente na parada da esquina com a av. Primeiro de Dezembro (atual av. João Paulo II). Ao fundo já se avistava o portão do Instituto de Pesquisas Agropecuárias do Norte, IPEAN, hoje EMBRAPA Amazônia Oriental. Dentro do veículo restavam quase 100% só de estudantes, funcionários e professores da EAA/FCAP/UFRA. Agora o papo corria mais solto ainda. Os veteranos encarnando nos calouros e o ônibus seguia pela estrada em direção do prédio central.

Depois de passar por diversas paisagens, até então desconhecidas pra mim como um pequeno lago, um cultivo de cumaru, dendê e seringueira, finalmente por volta das 7h15 cheguei ao prédio central, onde ficava o ponto final da linha do Tamoios. Desci ansioso e quase correndo fui em direção da sala de Desenho, na ala de Engenharia, para participar finalmente da minha primeira aula na faculdade! 2 de março de 1970, segunda-feira!