“It, o palhaço” é um filme estreado neste ano de 2019, ele é uma obra de ficção baseada em um livro de Stephen King, famoso escritor por seus contos de terror, no entanto, muito além da bizarrice “hollyhoodiana” e seus modernos efeitos visuais aos quais as obras da atualidade podem contar o que chamou atenção no filme fora o contexto psicanalítico aos quais os protagonistas estavam imersos. Para compreensão faz-se necessário o contexto do filme.

Os amigos Bill, Richie, Stan, Mike, Eddie, Ben e Beverly, ainda crianças enfrentaram “It”, uma coisa em pele de palhaço e devoradora de crianças que aterrorizava a cidade de Derry, aprenderam o verdadeiro significado da amizade,  selaram um pacto de sangue prometendo que se algum dia “a coisa” voltasse eles também voltariam e a enfrentariam. Passados 27 anos, cada qual seguindo separadamente suas vidas, receberam a ligação de Mike, único que jamais havia deixado a cidade, a ligação era para avisar que precisavam se reencontrar porque “It” estava de volta.

E assim o clube dos perdedores voltam a se reunir 27 anos após os fatídicos eventos daquele verão assustador por qual passaram. É nesse cenário que o filme ocorre, acontece porém, que o foco dos eventos desenrolam-se na medida em que cada um dos protagonistas enfrentam suas lembranças _traumáticas, bloqueios emocionais, medos antigos inconscientes e persistentes na vida adulta.

A exemplo, Bervely teve uma infância traumática, tendo em vista que perdeu a mãe ainda muito jovem e depois passou a sofrer abusos do pai, que usara a morte da mãe para culpabilizá-la e justificar os abusos, anos depois Bervely tornar-se uma profissional de sucesso no mundo da moda, no entanto, casa-se com um homem abusivo, ele a trata exatamente como o pai, e aqui é nítido o padrão que se repete na fase adulta. O marido alterna momentos de carinho com agressões físicas e manipulação emocional, culpabilizando-a por tal atitude. Bervely ao receber a ligação de Mike, enfrenta o marido e foge de casa, viajando para Derry.

Já Bill torna-se um renomado escritor, cujos finais são criticados pela maioria de seus leitores, mesmo assim ele tem um de seus livros adaptado ao cinema, no entanto o diretor quer mudar o final, justamente por julgar aquém do livro, nesse tempo também recebe a ligação do amigo Mike o convocando para o retorno e em um piscar de olhos as lembranças e a culpa pela morte do irmão ressurgem. No caso de Richie que alcança o estrelato como comediante de stand- up, ele se torna um alcoólatra incapaz de assumir a própria sexualidade, visto que ele é homossexual desde a infância e apaixonado por Eddie, este agora casado com uma mulher que sem dúvidas é a réplica perfeita da mãe, ela é obesa e autoritária, além de sufocá-lo com excessos de cuidados.

Mas tendo em vista a quantidade de protagonistas e suas respectivas complexidades traumáticas vamos dar foco a Bervely, que ao voltar a Derry e reencontrar-se com o clube dos perdedores tem de enfrentar seus medos mais obscuros para poder vencer “a coisa” junto aos seus amigos. Suas lembranças estão extremamente obscuras e nebulosas.

Quando em sua vida adulta ela é afetada por pesadelos intensos, e é convive rotineiramente com a fobia de sua morte, a qual era tema dos pesadelos, mas não somente dela, mas também de seus amigos de infância, aqui claramente é possível notar a presença de uma psicopatologia de manifestação fóbica e obsessiva, com origem na infância que foi quando ocorreram os traumas, tanto com o pai abusivo, quanto com a perseguição da “coisa”, já na maturidade, ela não lembra nem mesmo vincula os pesadelos e a melancolia aparente em seu semblante aos eventos ocorridos no passado, o que acontece com a maioria dos pacientes que sofrem de tais transtornos.

Bervely ao regressar a casa de seu pai na pequena cidade de Derry com a finalidade de confrontar seu passado tem uma crise psicótica alucinativa, visto que mesmo o prédio estando abandonado a anos, ela o percebe como habitado e até encontra uma moradora idosa no local, tudo porém se passa apenas na mente de Bervely, que pode visualizar novamente os abusos sofridos por parte do pai, bem como o sofrimento vivido no local, tais lembranças são aflitivas e enlouquentes e emergem a luz da consciência assim que adentra o local, visto que eram eventos até então esquecidos, e apesar da idosa transformar-se depois no palhaço que a persegue, bem como aos seus amigos é difícil de identificar se realmente esta “coisa” existe ou se é uma obsessão compartilhada entre Bervely e seus amigos, tendo em consideração que todos sofreram traumas e bullings na infância.

Além disso “It” é uma entidade aterrorizante que o roteirista faz questão de mostrar ser o medo das personagens que o deixa mais forte.

Uma metáfora psicanalítica, ainda que caricaturizada é vista no momento em que as personagens vão enfrentar Pennywise, elas vão até a casa abandonada, lá enfrentam os primeiros fantasmas de aparências assustadoras, mas novamente o diretor deixa claro que tudo é fruto de suas mentes já que, nesta casa defrontam-se com criaturas irreais e fantasmagóricas que tem relação direta com o medo interno de cada um.

Dentro da casa eles entram em um buraco que dá acesso ao esgoto da cidade e no esgoto entram em um túnel cujo paradeiro se dá em uma caverna escura e assustadora com muito lixo onde era a morada de “It”. Aqui a metáfora se dá seguinte forma: É possível relacionar estas cenas com a reprodução do aparelho psíquico, na descrição do modelo topográfico. A casa velha e abandonada é o consciente, nele os protagonistas convivem com medos passados e atuais, são medos visíveis aos quais são capazes de enfrentar, porém não percebem sua origem. Quando adentram até o esgoto, podemos entendê-lo como o pré-consciente, lá os protagonistas perceberam que alguns fantamas que estavam presentes na casa (consciente) não eram reais e ainda entenderam que precisavam ir mais fundo para identificarem a raiz de todos os traumas, nisto descem até a caverna, um lugar cujo contexto é visivelmente caótico, e que aqui podemos chamar de insconsciente, lugar também de residência da “coisa” a qual os protagonistas duelam até poderem vencer.

Em fim, é difícil de afirmar se esta foi a intensão do diretor, se este tem algum conhecimento das teorias psiquícas de Freud ou se fora simplesmente coincidência, no entanto, é nítida a correlação que se pode fazer com as teorias psicanalíticas principalmente com a do funcionamento do aparelho psíquico,  Pennywise por exemplo pode ser visto como um trauma compartilhado pelos protagonistas e ainda o foco que o diretor deu a vida das personagens e suas respectivas personalidades, que apesar de terem enfrentado os traumas ainda na infância, por este ter ficado inacabado e inconsciente puderam experimentar a regressão e padrões de repetição na fase adulta já que, apesar de obterem sucesso profissional, a vida pessoal de todos era marcada por problemas emocionais.

Para concluir, tais problemas psiquicos que advinham de padrões traumáticos de origem na infância (psiconeuroses) somente foram superados quando às personagens imergiram em seus inconscientes trazendo até a consciência os traumas antigos, ou seja, foram até a origem dos traumas, ao conscientizarem-se e os trazer a luz da consciência bem como suas origens puderam desvencilhar-se dos sofrimentos psiquícos que os impediam de levar uma vida emocional menos problemática e experienciar uma vida psiquíca dita como normal.