Introdução.

Neste trabalho pretende-se brevemente explorar as vias que Schopenhauer toma para a fundamentação de sua Ética. Tal qual em sua obra Sobre o Fundamento da Moral, e também encontrados nas primeiras seções do livro IV da obra O Mundo como vontade e como representação, Schopenhauer explana sobre a metafísica da vontade e a ligação que ela tem com a ética. Essa ligação pode ser feita, se for notada “a ordenação a partir do homem, que sugere um agir moral” (Rodrigues, 1999). Procura-se, entretanto aqui levar em consideração a vontade pela qual o homem é a mais pura manifestação no mundo sensível de modo que se estabeleça a ética da compaixão.

Tal ética é fundamentada tendo em vista que o homem é capaz de ver o sofrer do outro no mundo como um mal atingindo a si mesmo e desta forma ele se identifica com o outro. Supera-se, portanto, o princípio de individualização e nasce daí a simpatia e a compaixão pelos outros seres. Contudo, pode-se dizer que a Ética da Compaixão é aí fundamentada.

A Metafísica da Vontade

 

Schopenhauer considera a Vontade como “puramente em si, destituída de conhecimento” (MVR, 2005, p. 370) [1], como ela é um ímpeto cego e irresistível, e, sendo coisa em-si, se dá o caráter de atingir também, como seu espelho, o mundo como representação, de ser manifesta no mundo fenomênico. Dessa maneira, o filósofo afirma que o homem é a mais alta objetivação, esse reflexo no espelho, da Vontade e por isso, enquanto houver Vontade haverá vida. Pode-se dizer que Vontade é vontade de vida (MVR, 2005, p. 358).

A Vontade tida como “um impulso primordial por detrás dos fenômenos” (Rodrigues, 1999, p18), pode ser considerada uma negação de inteligibilidade para o mundo. A inteligência, tal qual afirma Thomas Mann(1975), é um instrumento que a vontade criou para tomar a si. E deste modo, não seria a inteligência, o espírito, a faculdade de conhecer que constituiriam o primeiro elemento dominador; seria a vontade, a inteligência sua serva.

Ora, se atribuir à Vontade o que impulsiona a ação do homem no mundo como vontade cega, então como se explicar uma ordenação moral para tal agir? Pois se pode crer que já que a manifestação da Vontade no mundo não é impulsionada pela consciência moral do homem, se firma assim uma certa dificuldade em atribuir a ele princípios morais.

No entanto, a metafísica da Vontade em Schopenhauer se dá no mundo da experiência possível, pois de acordo com a tese de Eli Vagner Rodrigues, o conhecimento da vontade se dá através da experiência interna da vontade, sendo as ações do corpo e os atos da vontade os responsáveis pelo agir. O último ainda afirma que a opção pela experiência do mundo e pelo autoconhecimento, pelo conhecimento da vontade individual, no fenômeno do corpo fundamentam a metafísica schopenhauriana.

Tendo em vista a experiência possível através, do corpo a metafísica da vontade é estabelecida.

 

A Ética da Compaixão, de sua fundamentação:

Schopenhauer busca para sua metafísica um caráter não dogmático e com a ligação entre a metafísica da Vontade e Ética. Busca, todavia, inaugurar uma Ética diferente da até então instaurada por Kant. Para aquele é no mundo noumênico que encontramos conhecimento, diferentemente do que afirmava Kant, pois para esse somente o mundo fenomenal é passível de conhecimento não passando as coisas-em-si de idéias da razão.

Como objetivação da Vontade, os homens estabelecem relações entre si e são tais relações que são consideradas dotadas de valor moral. Schopenhauer fundamentará uma ética repousando-a sobre tais ações e o valor que elas tem quando são praticadas pelos homens.

Deste modo, as ações, segundo o filósofo, podem obter valores tais como morais ou antimorais. Para ele as segundas seriam o tipo de motivações representadas pelo egoísmo, onde se pode ver em:

 A motivação principal e fundamental, tanto no homem quanto no animal é o egoísmo, quer dizer o ímpeto para a existência e o bem-estar. A palavra alemã ‘Selbstsuch’[amor próprio] leva a um falso conceito, próximo de doença. A palavra ‘Eigennutz’[interesse próprio] indica porém o egoísmo enquanto este é guiado pela razão que o torna capaz, por meio da reflexão, de perseguir seu alvo de modo planejado.( SFM, 2005, pág.114).

Schopenhauer ainda nos explica que o egoísmo é a motivação antimoral da natureza de todo homem e de todo animal; para o homem é a base da Vontade de Viver e se há uma maior vontade de viver maior se torna o egoísmo.

Pode-se inquirir, portanto, que o egoísmo é uma espécie de prejuízo entre os homens, pois se sabe que o egoísta ao considerar “a si tudo no todo, encontra-se como possuidor de toda a realidade e nada pode ser mais importante para ele do que ele próprio” (SFM pág. 116). Este, portanto pode prejudicar quem está à sua volta porque, segundo afirma o filósofo, o homem é capaz de muitas coisas maléficas para que sua vontade seja satisfeita. Deste modo, a potência antimoral representada pelo egoísmo é oposta à “virtude da justiça”, classificada pelo filósofo como a primeira e bem própria virtude cardinal (SFM, 1995, p. 117).

Entretanto, Schopenhauer mostra ainda que existem outras ações que se opõe ao egoísmo tal como aquelas que as pessoas sem comportam de maneira justa, pois o filósofo acredita que há quem se comporte de modo justo apenas por desejar que não ocorra a outrem injustiças. Essas pessoas também não agem como os egoístas que se aproximam de outras pessoas com finalidade interesseira.

Deste modo, segundo Schopenhauer, ações tais como as praticadas pelas pessoas descritas acima são as únicas que se pode atribuir valor moral. E a característica delas é a ausência “daquela espécie de motivos, por meio dos quais, ao contrário, procedem todas as ações humanas, a saber, o interesse próprio, no sentido amplo da palavra” (SFM pág.124). Daí se tem como conseqüência que a ausência de motivação egoísta é um critério de uma ação dotada de valor moral.

Na obra SFM, se configura a afirmação de que as ações repousadas sobre os princípios morais humanos, expostos anteriormente neste trabalho, são carregados do que se pode chamar valor moral e se tornam então, fenômenos diante de nós para serem explicados, já que toda a ética se apóia neles (SFM, 1995, p.125).

Schopenhauer demonstrará, então, o problema em se caracterizar as ações como morais tendo em vista que os homens agem de acordo com a experiência de suas vontades. Assim ele constata a natureza sofredora desta essência metafísica do mundo, e como afirma Eli Vagner em sua tese, “a sua experiência interna (do homem) da vontade aliada à experiência externa leva-o a constatar que aquilo que subjaz ao mundo como um todo, inclusive a ele próprio, é a mesma vontade infinita, eternamente insatisfeita” (Rodrigues, 1999, p.82).

Então se o egoísmo é o que é a própria experiência do eu como forma de estabelecer bem estar ao eu, a outra forma de estabelecer uma forma de bem-estar não satisfazendo minha vontade, mas como um bem ao outro é a manifestação da compaixão. Para isto, é necessário que o outro se torne o fim último das ações do eu tal como o é para si.

A compaixão, explica o filósofo é “a participação totalmente imediata, independente de qualquer outra consideração, no sofrimento de um outro, e portanto, no impedimento ou supressão deste sofrimento, como sendo aquilo em que consiste todo contentamento e todo bem-estar e felicidade.”(SFM pág 129.)

A compaixão, pode-se dizer, funda a ética, pois “estabelece a natureza última da ação moral, e dá sentido à  uma ordenação a partir do homem”( Rodrigues, 1999). O homem como contato como mundo fenomênico faz possível se estabelecer a ética da compaixão.

Bibliografia:

Obras de Schopenhauer:

Schopenhauer, Arthur, 1788-1860. O Mundo como vontade e como Representação, 1º tomo. Tradução, Apresentação, Notas e Índices por Jair Barboza. São Paulo: Editora UNESP, 2005.

_____________, Sobre o Fundamento da Moral. Tradução Maria Lúcia Cacciola. – São Paulo: Martins Fontes, 1995. – (Coleção Clássicos).

 

Obras Sobre Schopenhauer:

Rodrigues, Eli Vagner Francisco. Ética e teleologia na filosofia de Schopenhauer: 1999. R618 e. Dissertação (Mestrado em Filosofia) - Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo.

MANN, T. O pensamento vivo de Schopenhauer. Trad. Pedro Ferraz do Amaral, in  Col. Pensamento vivo. Ed. Da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1975.



[1] Com a intenção de facilitar as referências às obras de Schopenhauer utilizaremos as seguintes abreviaturas: O mundo como Vontade e Representação: MVR; Sobre o fundamento da moral: SFM.