A METAFICÇÃO PRESENTE NO ROMANCE EM LIBERDADE*

 

Juliano Ramos Santos**

Vitor Hugo Martins***

 

RESUMO: O presente artigo vem destacar a metaficção historiográfica no romance “Em Liberdade” de Silviano Santiago. O livro narra por datas, as anotações de Graciliano feitas quase em expurgo depois da saída da prisão (onde ele é o principal personagem, o epicentro da edificação da narrativa ficcional de Silviano Santiago), é uma construção antes de tudo sentimental e absolutamente articulada pela narrativa de autor. Até a chegada de Graciliano a pensão no Catete, a luta pela reconquista da liberdade, a reconstrução ou ressignificação da sua vida pós-cárcere, a luta por sobrevida numa sociedade de capas, de elite, de unanimidade e que proíbe que as dissonâncias sobrevivam com a mesma dignidade.  Além disto o presente vem analisar a metaficcção historiográfica no pós-modernismo.

 

PALAVRAS CHAVES: ficção, liberdade, criação, história, estória, metaficção, prisão, pós-prisão, alter-ego, diário, mártir, suicídio, Graciliano Ramos, Cláudio Manuel da Costa.

 

ABSTRACT: The book tells for dates, the done notations of Graciliano almost in expurgation after the exit of the arrest (where it is the main personage, the epicenter of the construction of the ficcional narrative of Silviano Santiago), it is a construction before all sentimental one and absolutely articulated by the author narrative. Until the arrival of Graciliano the pension in the Catete, the fight for reconquers of the freedom, the reconstruction or ressignificação of its life after-jail, the supervened fight for in a society of layers, the elite, unamimity and that proíbe that the dissonâncias survive with the same dignity.

 

WORDS KEYS: fiction, freedom, creation, history, estória, metaficção, arrest, after-arrest, alter-ego, daily, to mártir, suicide, Graciliano Ramos, Cláudio Manuel da Costa .

 

                                      L

*Artigo apresentado ao docente Vitor Hugo F. Martins, do componente curricular Estudo da Ficção Brasileira Contemporânea, do curso de Letras da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, campus XXI, como requisito para a complementação de nota.

* *Graduando do curso de letras, V semestre, vespertino. 

*** Doutorem Literatura Brasileirae professor da Universidade do Estado da Bahia. *

. *                                                                               Epigrafe: A criação: "um exercício constante (e cotidiano) da imaginação em liberdade"?  Liberdade?

“Para o artista, o conceito de liberdade tem pouco a ver com o vôo do pássaro pela imensidão azul, tem mais a ver com a beleza pujante da flor, que, desprovida da haste que a liga à planta, fenece, perde a pulsão vital, vira forma. Em outras palavras, para o artista o conceito de liberdade só tem sentido se oposto ao conceito de norma, de onde retira a sua força e beleza. A liberdade, portanto, é uma força do contra. Num romance meu, Em liberdade, chamei-a de forma-prisão, porque nascida e dependente duma margem, que eram os escritos carcerários de Graciliano Ramos. Estes serviam como ponto de apoio e de arremesso da minha própria escrita em liberdade. A liberdade é força dependente e ativa, dependente da norma e, no entanto, questionadora dela. O grau de independência da liberdade artística se mede pelo grau de transgressão à norma que a obra consegue articular. Não existe, portanto, liberdade sem cordão umbilical, a não ser numa sociedade totalmente anômica, ocasião em que tudo seria permitido e, por isso mesmo, desnecessário o conceito. Por tudo isso, a liberdade é produto dum exercício constante e cotidiano da imaginação criadora em sociedades que se afirmam pelo cárcere dos costumes, do preconceito, da intolerância e das leis. Fora disso, ela é a peça retórica mais chique do liberalismo, ombreando com a fraternidade e a igualdade.” (http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/A9429BA038CDEB930325704D004EC444?OpenDocument&pub=T&proj=Literal&sec=Entrevista)

 

Introdução

 

Este artigo vem trazer à tona um estudo da obra “Em Liberdade” de Silviano Santiago, tendo com foco principal a metaficção, presença marcante nessa obra. A despeito da narrativa por Silviano Santiago, a grande vedete é a própria mensagem, o foco narrativo e ficcional de Silviano sobre um Graciliano Ramos humanista e visceral, um homem que antes do cárcere era um escritor, mas ao sair, saiu como prisioneiro da elite e do seu desconforto em saber demais. Silviano, que compõe o prólogo do livro como um processo de metalinguagem, compartilhando com o leitor a composição temático-formal do seu livro, faz uma crítica ao sistema da elite que mal sabe ler os enunciados dos livros de literatura aos escritores que se submetem para usar palavras para ser compradas por essas elites.

 

                A analogia entre História e Literatura tem sugerido inúmeras análises na crítica brasileira e latino-americana, especialmente a partir dos anos 70 e 80, com o surto do memorialismo, do “romance-reportagem” e do “romance histórico’. Nesse contexto, “Em Liberdade” (1981), de Silviano Santiago, tem se singularizado por utilizar estratégias que desconstroem esse modelo mimético da literatura que era influente na época. Hoje - digamos mais o menos dos anos noventa em diante - o histórico parece ter deixado de ser um foco de interesse, e em contrapartida o que predomina no romance é uma estética do espetáculo na qual “a referencialidade biográfica ou social pode ressurgir com nova roupagem, agora teatralizada” (cf. AZEVEDO, 2002).

 

 

 

I - A metaficção de em liberdade   

           

O autor da ficção (“Em liberdade, uma ficção...) conhece muito bem a obra e a vida de Graciliano. transcrever o seu estilo com perfeição, “iludindo”, com facilidade, um leitor distraído e acostumado à leitura de Mestre Graciliano. A frase curta seca um vocabulário poupado, certamente escolhido na própria obra “ausência” do escritor, o jogo das palavras, o talhe, tudo confere ao texto uma admirável parecença com o original, isto é, o estilo de o autor de “S. Bernardo”. Várias vezes, o sonho é um recurso não só para “engordar” o diário, mas para enriquecê-lo. São montados com riqueza de conteúdo: carregam idéias e informações que constituem o grande patrimônio do escritor de Alagoas.

                         Em 1981, publica luminosa obra-prima que é “Em Liberdade”. Na capa do livro, o aviso: “uma ficção de Silviano Santiago.” Na pagina do título, a mesma ressalva. Mas a partir daí começa uma brincadeira, bem séria por sinal: Silviano prefacia o livro com uma “uma nota do editor” em que avisa ter encontrado um manuscrito de Graciliano Ramos, escrito por ele depois de ser libertado da prisão onde o lançara Getúlio Vargas em 1936 (e cuja experiência seria relatada no clássico “Memórias do Cárcere”).

“O romancista ofereceu os originais de “Em Liberdade” a um amigo, em 1946, pedindo-lhe que só os entregasse ao publico vinte e cinco anos após sua morte. Seis anos mais tarde, em 1952, às vésperas de viagem à Argentina  para tratamento de saúde, o escritor escreveu ao amigo, pedindo-lhe para que queimasse essas paginas. Não dava justificativa nenhuma para a destruição. O amigo – cujo nome não devo revelar, como se compreenderá mais tarde – esperou que o mestre Graciliano regressasse da Argentina para então, visitá-lo e falar-lhe pessoalmente do assunto. Disse a Graciliano que tinha queimado os originais que estava em seu poder, embora não o tivesse feito. Seu gesto tem um precedente notável: o das obras de Kafka, que foram confiados a max Brod.
Um mês depois, morria Graciliano Ramos no Rio de Janeiro, tendo sido enterrado na quadra 16 do cemitério São João Batista” (Em Liberdade, p. 10).

 

O “diário de Graciliano” é escrito num estilo que mimetiza o escritor alagoano e traz ásperas reflexões sobre a situação do intelectual no Brasil. Inúmeros leitores – e inclusive alguns críticos – esqueceram-se do aviso da capa e caíram na armadilha de achar que estavam lendo Graciliano. A “brincadeira” jogava o leitor na vertigem dos problemas da assinatura, do estilo, da autoria. Se há alguma obra literária contemporânea que penetre mais fundo na reflexão sobre o lugar do escritor brasileiro, eu a desconheço.

 No diário, Graciliano Ramos expõe e discute algumas de suas idéias fundamentais: uma delas é a renegação das estruturas injustas e de sociedade burguesa. Por é que ele se sente, dentro desta sociedade, como um  desajustado, um  gauche. (E assim, na realidade, a vida inteira: um bicho de mato, em todo o seu sentido).

             Através de suas reflexões, o leitor vai descobrindo a grandeza humana do personagem, o seu alto gabarito. Ele não se considera nem herói, nem mártir, mas um homem dentro da vida. Um homem com suas grandezas e fraquezas, um homem tout court como aparece no excelente livro de sua filha: “Mestre Graciliano”. Com incomum dignidade, Clara Ramos, no seu livro, não faz a apologia do pai, mas a biografia do homem e do escritor. Seu livro vira um documento indispensável.  Essa noção revela-se útil para a leitura de “Em liberdade” ou, talvez, para uma reescritura das muitas leituras e análises já suscitadas por essa obra. Publicada em 1982, a ficção de Silviano Santiago propõe-se criar o diário que Graciliano Ramos não escreveu ao ser libertado do cárcere a que fora submetido pelo Estado Novo de Getúlio Vargas. Como recorda o próprio Silviano, é a narrativa "que a esquerda da década de 30 nunca teve a coragem de escrever", pois se limitou a relatar "a experiência da prisão, a experiência do martírio, a experiência do sofrimento, da dor."  Graciliano Ramos morreu sem pôr no papel suas impressões dos primeiros momentos em liberdade, que no entanto havia planejado registrar, como um capítulo final às suas “Memórias do cárcere”. Silviano valeu-se dessa deixa para criar os manuscritos fictícios, supostamente escritos entre janeiro e de março de 1937 e confiados a um velho amigo de Graciliano. Esse, por sua vez, os teria entregado a ele, Silviano, que assume o papel de "editor" do livro, em cujas páginas Graciliano pode confessar: "Querem que eu aqui - em liberdade - volte para trás, volte para detrás das grades; não querem deixar-me construir a minha vida em liberdade, sem as peias da repressão militar e policial. Eis a armadilha." Silviano Santiago aceita o desafio de suplementar a obra de Graciliano, oferecendo-lhe não apenas uma possível narrativa em liberdade como também uma escrita do corpo, da intimidade, da paixão, que também foi deixada de lado pela geração do escritor alagoano, voltada sobretudo para a literatura de cunho social.  Florencia Garramuño sugere que “Em liberdade” se defina talvez como um "diário apócrifo" que se increve na forte tradição memorialista brasileira de maneira ambígua, transitando entre o discurso autobiográfico e a ficção. Uma outra voz se empresta a essa narrativa memorialista e autobiográfica quando o "editor" Silviano Santiago insere notas de rodapé ao "texto original," mesclando à ficção dados factuais e tangenciando a narrativa ensaística, o que compromete ainda mais a delineação nítida de um gênero. Num outro estrato, “Em liberdade” se revela uma dobradiça entre dois momentos históricos, um passado e outro futuro, que, como o episódio do encarceramento de Graciliano, trazem para a ordem do dia a questão do papel do intelectual na sociedade. O primeiro deles surge de maneira explícita através da evocação da Inconfidência Mineira, via Cláudio Manuel da Costa, sobre cuja suposta morte por suicídio o Graciliano ficcionalizado decide escrever, depois de um sonho. O segundo é o paralelo óbvio com o momento político do Brasil dos anos 70. Esse paralelo é reiterado de maneira sub-reptícia, nas entrelinhas, quando a morte do poeta árcade e inconfidente é revestida com várias características do assassinato do jornalista Wladimir Herzog pela ditadura de Geisel. Note-se que a transcrição, nas páginas de “Em liberdade”, de um trecho de autoria de um suposto historiador sobre o suicídio de Cláudio Manuel da Costa é cópia literal da nota divulgada pelo DOI-CODI em 25 de outubro de 1975, quando da morte de Wladimir Herzog. Como sintetiza Idelber Avelar em seu estudo sobre a literatura latino-americana do período imediatamente pós-ditadura.

             A linguagem densa, enxuta e até mesmo seca do texto imita, bem, o  estilo de Graciliano. E ainda o gosto pela frase curta, cortada e cortante. Sendo assim, o texto do diário é primoroso pela sua correção, estrutural clássica e talhe estilístico, à  Graciliano Ramos.

“Certo é necessário o renovar a língua culta, não deixa-la parecer e mumificar-se nos alfarrábios, fixar nela os subsídios que a multidão lhe oferece. Não se conclui daí que devemos tartamudear em livros uma infeliz algaravia indigente, apenas compreensível quando percebemos a entoação e o gosto. (Clara Ramos –.pág.208).”

Não há, no texto, recorrência de vocabulário regionalista. O que acontece mais na obra autêntica do escritor alagoano. O livro vai terminando, a partir do sonho que teve com Cláudio Manuel da Costa, Silviano Santiago cria a parte mais fascinante do diário. Aí se discute com sensibilidade poética, inteligência e paixão a figura do grande inconfidente, morto na prisão. Graciliano faz uma outra leitura dos relatos documentos, oficiais ou não, sobre a inconfidência. É claro que  a leitura é discutível. Mas é sedutora. (A erudição desse texto, parece-me não condiz com as limitações de Graciliano Ramos no assunto: o que ele sabia sobre Minas e sua Inconfidência de 1789?) Nesse final, perde-se até a secura do estilo do grande escritor e domina a linguagem poética, a visão poética (isto é, recriadora) de Silviano. É o que há de melhor e mais grandioso em todo o diário.

. Deste modo, o romance que queremos apresentar como uma narrativa metaficcional historiográfica vem questionar também as categorias de gênero, pois se assemelha tanto à narrativa biográfica quanto à narrativa histórica, mas esta semelhança se dá no nível da diferença, já que insere estas narrativas no mundo da ficcionalidade, onde a objetividade, a finalidade e a autoridade narrativa são contestadas, mas não destruídas, pois o questionamento que se faz sobre a autoridade e a objetividade do discurso histórico dependem da existência deste discurso que lhe serve de instrumento. É preciso, portanto, que o romance primeiro apresente o discurso da história para depois subvertê-lo e esta subversão deve geralmente ocorrer no nível ficcional. É dando voz aos personagens históricos como testemunhos de um outro possível ponto de vista sobre a história que o romance põe em discussão a autoridade do discurso histórico. Este outro ponto de vista cria um novo centro narrativo que era antes visto como periférico, não por ser um acontecimento menos importante, mas porque um outro ponto de vista havia sido protocolado ou eleito como verdade histórica hierarquicamente superior, de acordo com interesses ideológicos difundidos em tempos, espaços e culturas diferentes.
 

II: A METAFICÇÃO NA HISTÓRIA, NA LITERATURA E NO PÓS-MORDENISMO.

 

            Linda Hutcheon destaca como característica para o novo romance histórico, que denomina de metaficção historiográfica, aquele em que está visível a preocupação em rediscutir as relações entre ficção e história, assim como redefinir a própria conceituação de história, como produção humana: "sua autoconsciência teórica sobre a história e a ficção como criações humanas (metaficção historiográfica) passa a ser a base para o seu repensar e sua reelaboração das formas e dos conteúdos do passado”.

 

A autora acrescenta ainda que a metaficção historiográfica atue dentro das convenções, não para negá-las, mas para subvertê-las. A preocupação com o passado histórico, enfatiza Hutcheon, não deve ser vinculado ao recuo nostálgico no tempo, como fizeram os antepassados românticos - essa noção precisa ser superada, e, consequentemente, assimilada à possibilidade de retornar ao passado criticamente, como propõe o pós-modernismo, utilizando-se de artifícios como a ironia, a paródia, a auto-reflexividade, auto-referencialidade. Ao afirmar que a história não existe a não ser como texto, a produção pós-modernista não nega a existência da mesma, apenas chama a atenção para importância de se pensar criticamente o passado, uma vez que tal legado chegou até nós através de textos, que são criações humanas, e invariavelmente contribuíram para a formação dos mitos históricos hoje existentes. Seguindo em sua exposição sobre a metaficção historiográfica e o pós-moderno, Linda Hutcheon cita Paolo Portoghesi, que diz: "É a perda da memória, e não o culto à memória, que nos fará prisioneiros do passado". Trabalhando os termos pós-moderno e metaficção historiográfica associados à autoreflexividade, auto-referencialidade, paródia, ironia, a teórica canadense procura justificar a natureza das relações presente e passado na arte, na cultura e na história. Para ela, o termo não apresenta uma verdade totalizadora e fechada, pois os fatos podem ser vistos de múltiplas visões e perspectivas tanto quanto a historiografia. Se colocarmos ao lado das preocupações de Hutcheon a obra de Luiz Antonio de Assis Brasil, podemos considerá-la metaficção historiográfica, pois, conforme a autora afirma aquilo que quero chamar de pós-modernismo na ficção usa e abusa paradoxalmente das convenções do realismo e do modernismo, e o faz com o objetivo de contestar a transparência dessas convenções, de evitar a atenuação das contradições que fazem com que o pós-moderno seja o que é: histórico e metaficcional, contextual e auto-reflexivo, sempre consciente de seu status de discurso, de elaboração humana. O romance de Assis Brasil, seguindo convenções do realismo e do modernismo para de certa maneira contestá-las, torna-se histórico e metaficcional, conforme afirma Carlos Alexandre Baumgarten. É uma construção literária externamente lúcida e original que se articula sobre uma base cultural extensa e correto manuseio das potencialidades da língua portuguesa. Fiel a um cânone romanesco tradicional que adapta a formulações precisas, configura uma forma romanesca peculiar à qual procura integrar a arte à história, praticando sobre o passado, sobre o presente e sobre projeções do futuro. José Onofre, no artigo intitulado "Ovo da serpente tropical: escritor vai à inquisição mostrar conformismo brasileiro", faz uma análise das raízes culturais do Brasil para situar o romance Breviário das terras do Brasil como aquele que busca rediscutir tais preceitos. Diz o autor sobre a cultura brasileira: Países que se julgam com um destino manifesto, como o Brasil, crentes de um futuro escrito nas estrelas, perdem-se na própria metáfora. Problemas concretos, ao evidenciar as dificuldades na rota para o generoso futuro que espera o país, são considerados circunstanciais, devendo desaparecer na caminhada. Um ufanismo que atropela qualquer obstáculo, destituído de razão e juízo, é a base dessas certezas. Mas isto não é uma ideologia, é uma bravata. De fato, os brasileiros não conseguem encontrar motivos para se orgulhar do país, exceto em seus heróis esportivos... O Brasil está com uma cultura pobre e uma arte de má qualidade. Após concluir seu pensamento sobre o caráter da cultura brasileira, José Onofre destaca o papel do artista em uma sociedade como a nossa, diz ele: “Os artistas nunca aceitaram a idéia de que a função da arte fosse a de reconciliar o homem com seu destino. Sempre consideraram seu trabalho como destinado à libertação do indivíduo de uma prisão cujas barras são a própria religião, o esquema familiar, a desinformação ideológica, o conformismo. A desobediência foi sempre seu principal objetivo. Desobedecer à repressão da família, da religião, do Estado e da própria sociedade, acabando com os mitos que enquadravam os indivíduos de conformidade como grupo, era despertar o indivíduo de sua alienação”.

 

Hoje a tarefa é a mesma, mas o objetivo mudou. José Onofre refere-se a uma mudança nas relações sociais, destacando o fato de que hoje a religião tanto quanto a família encontram-se fragmentadas, acresce a isso a arbitrariedade do Estado brasileiro que: sob governo autoritário ou democrático, conservador ou reformista, o torna incapaz de romper as barreiras da miséria e integrar o País, eliminando as causas e a marginalidade endêmica.


            Para Linda Hutcheon, a metaficção historiográfica mantém o engajamento com a História política , social e ético, partindo e discutindo sempre fontes históricas. Contudo, as comparações com a historiografia vem sendo inevitáveis, a metaficção historiográfica procura, por via de recursos reflexivos alertar o leitor ao processo de construção e seleção, às etapas do escrever da 'história da História', assim tratando da realidade social e admitindo que esta realidade é inaccessível como tal, que qualquer discussão dela é necessariamente exclusiva e parcial. O recurso a metaficcionalidade tem a função de manter estas considerações na mente do leitor, convidando-o a co-participar na construção do texto e evitando qualquer ilusão autoritária do realismo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

É inegável que Silviano Santiago criou, com perfeição e exatidão, uma obra de Graciliano Ramos: o conteúdo (os assuntos, o tema, as idéias, a ideologia...) e a forma (palavras, frases, estilo, talhe...) repetem, com extraordinária semelhança o grande autor de “Memórias do Cárcere”. Por fora e por dentro, a gente tem a impressão de ler Graciliano. O livro tem principalmente pelo final em que se discute a grande figura de Cláudio Manuel da Costa, seus ideais, sua morte, enorme força de empolgação: marca o leitor, fere sua sensibilidade, sacode, torna-se lição e até, quem sabe, modelo.

    O título corresponde ao livro: “Em Liberdade”: é a volta de Graciliano Ramos à convivência, libertado do pesadelo do Manaus e da Ilha Grande. (Muitos não ficaram para a vida toda marcada como ficou o grande escritor. Pode-se dizer que a prisão e os sofrimentos físicos e psicológicos e destruíram.) A liberdade cobra caro. Depois: ficção. Está aí, numa palavra, o que quis e fez o autor.

             Neste “diário”, “Em Liberdade”, tudo é real e tudo é fictício. Depois de longas pesquisas e vivências da obra de Graciliano Ramos, o ensaísta e poeta mineiro, consegue escrever com o autor de “Vidas Secas”.  Mete-se dentro dele e se torna um seu verdadeiro “alter-ego”.  

Não lhe basta velo do exterior, penetra-o e se tornar ele mesmo Graciliano Ramos, num ensaio de interpretação jamais tentado (Jacques de Prado Brandão – contracapa do livro” “Em Liberdade”)”.

A arte moderna se fundamenta no desejo de descobrir a essência de cada prática artística, isto é, de afirmar a identidade estética e material dessa prática. Se tal ponto de vista teórico diz que a essência (por exemplo) da arquitetura, constitui-se em linhas e massas organizadas no espaço; e, que a pintura reproduz linhas e formas organizadas numa superfície plana; por analogia, diríamos que a literatura é a materialidade da linguagem, ou seja: formas na página e sons no ar.            

            “Em Liberdade” vem a ser uma proeza literária de vulto, uma forte empresa criadora, desafiando, na sua extrema abertura, a estratégia dos gêneros na literatura e as técnicas de revisão de relato dos fatos históricos. 

REFERÊNCIAS 

CHALHUB, Samira - Funções da Linguagem, 11º edição, 2004, editora ática, São Paulo, São Paulo. 

HUTCHEON, Linda, Poética do pós-modernismo, História, teoria, ficção, Trad. Ricardo Cruz, Rio de Janeiro, Imago, 1991. 

ONOFRE, José. Ovo da serpente tropical: escritor vai à Inquisição mostrar conformismo brasileiro. Gazeta Mercantil, São Paulo, 7 nov. 1997. Caderno Cultura. p. 7. 

RAMOS, Clara. Confirmação humana de uma obra. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1979. 

SANTIAGO, Silviano. 1981. Em liberdade: uma ficção de Silviano Santiago. 4.ed. - Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 

SILVERMAN, Malcolm. 1995. Protesto e o novo romance brasileiro. Porto Alegre/ São Carlos, Ed. UFRGS/Ed. Universidade de São Carlos. 

Sítios da internet. 

www.pacc.ufrj.br 

www.olharliterario.hpg.ig.com.br 

http://portalliteral.terra.com.br