A lua escondida

           

            Abrindo a janela de suas lembranças, numa noite lúgubre, sem ao menos uma lua que a ilumine, Carlos lembra uma história comovente de seu passado: a primeira paixão.

            Aos vinte anos, sentindo-se um homem, encantou-se por sua prima Heloisa, da mesma idade. Os dois eram colegas na faculdade de odontologia Ela ignorava totalmente sua presença. Com uma cara de sapeca, era bem mais alta do que ele, pendurada em altos tamancos e rebocada com sombras e batons. Vivia rodeada de conquistadores. Só queria seduzir, mas sem entregar-se a ninguém. Estava sempre presente o conselho da mãe: “Cuidado com os homens. Eles não prestam. Só usam as mulheres e as largam.” Foi exatamente o que fez o seu pai, quando descobriu que sua mãe estava grávida: sumiu e nunca mais souberam notícias dele.

            Carlos, quanto mais desprezado, mais se apaixonava. Era uma obsessão conquistar sua prima. Nas noites de insônia, seu pensamento corria solto para Heloisa. Usava toda capacidade de persuasão para conseguir seu objetivo. Flores, passeios, cinemas eram rejeitados. Uma noite se encontraram num baile da Universidade. Convidou-a para dançar. Pela primeira vez seu convite foi aceito. Ao envolvê-la em seus calorosos braços, procurou transmitir seus sentimentos. Apertou-a com toda a força de seu desejo, sussurrando o amor que ela lhe despertava. Heloisa correspondeu aos seus carinhos, em frêmitos de excitação.

            Carlos ao relembrar o momento, não conseguiu conter uma lágrima, que teimava em cair de seus olhos, fazendo uma nódoa em sua alva camisa. Espelhado nessa, vê estampada a sequência daquela paixão, que durou exatamente oito meses.

            Passado este período, acabou o arrebatamento. Carlos começou a notar que existiam outras garotas mais bonitas, saias mais curtas, decotes mostrando seios fartos e tentadores. Descartou Heloisa, bandeando-se em busca de novos sabores e odores.

            Tornou-se voz corrente na cidade que a prima saía com qualquer homem, pulando de um para outro, tal qual uma pulga. Deixando picadas. Carlos pensava que se tivesse alguma culpa em ter rompido a relação, agora estava de consciência tranquila. Ela era mesmo uma galinha, como lhe avisaram os amigos.

            Em seguida, Heloisa apareceu grávida. Dizia a todos não saber quem era o pai. O filho seria exclusividade sua. Ficou feliz quando percebeu que o desejava mesmo era ser mãe. Afinal conseguira vingar-se do primo e dos homens em geral.

            Na véspera da Páscoa, os dois se encontraram num bar da noite. Olharam-se com surpresa, com ódio, com amor. Carlos ao vê-la, sente toda a paixão retornar com intensidade. Era a mulher de sua vida. Heloisa acaricia o rosto do primo e com voz suave diz:

            ── Carlos, em breve serás pai.

O tempo cerra a janela.