Por: Núbia Litaiff Moriz Schwamborn – CEST/UEA[1]

             O Trovadorismo, por ser um estilo de caráter essencialmente poético, nos legou as composições líricas, denominadas de cantigas. O termo “cantiga” dá-se em função do acompanhamento da música e dança nos textos poéticos da época, e aqueles que cultivavam esse modelo poético, eram denominados de trovadores.

            Conforme Massaud Moisés (2004), o trovador, do provençal “troubadour”; “trobador” era “o poeta completo, que compunha a letra e a melodia das cantigas e também as executava, acompanhado de instrumento musical. As mais das vezes, pertencia à aristocracia ou era fidalgo decaído” (MOISÉS, 2004, p. 503). De um modo geral, os trovadores eram de ascendência nobre, eles compunham a letra e música das cantigas, mas sem nenhuma preocupação financeira. Os jograis eram aqueles que cantavam em troca de algum pagamento e os segréis eram aqueles jograis que cantavam as cantigas na Corte medieval.  As moças que acompanhavam os trovadores e tocavam castanholas ou pandeiros, enquanto dançavam, denominavam-se de jogralesas ou soldadeiras.

            Quanto às composições trovadorescas, recebiam a seguinte classificação: as cantigas lírico-amorosas compreendiam as cantigas de amor e as cantigas de amigo; as cantigas satíricas compreendiam as cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer. Pela denominação dada às cantigas, caracterizam-se as temáticas e a posição do eu-poético. As cantigas de amor ou cantares d’ amor, de procedência provençal, constituem “um retrato da vida feudal da corte, portanto expressão de um meio culto, refinado, comprometido pelo convencionalismo da vida palaciana” (SPINA, 1974, p. 16).  Marcadas pelo eu-poético masculino, expressam o lamento passional do homem pela mulher amada. O sofrimento amoroso e passional do trovador é justamente o que caracteriza a relação amorosa (“coyta” de amor), muitas vezes, platônica. É o sentimento confessado que torna a mulher uma dama sem compaixão (“dame sans mercy”). 

Quanto às cantigas de amigo, caracterizadas pela presença do eu-poético feminino, as mesmas revelavam a visão da mulher acerca do relacionamento amoroso. De acordo com Segismundo Spina (1974), na Galiza e em Portugal “a mulher aparece representada, principalmente pelas meninas casadouras, que nestas composições vibram de saudade pelo namorado que foi para as trincheiras combater o mouro invasor” (SPINA, 1974, p. 15). Do ponto de vista estético, ainda em conformidade com Spina, constituem uma poesia inferior à cantiga de amor, visto que são “de estrutura coral, com versos parelhados na forma e no conteúdo, seguidos de refrão” (p. 14). 

As cantigas satíricas, como o próprio nome sugere, expressam mensagens de forma irônica, e, às vezes, apresentam uma intenção moralizadora.  As cantigas satíricas tem sua origem, em consonância com Oliveira (1999), “na poesia dos goliardos, religiosos que, devido à excessiva população monástica, ficavam sem empregos e entregavam-se ao desregramento da vida boêmia”. São classificadas em cantares de escárnio e de maldizer. Na cantiga de maldizer identifica-se a pessoa satirizada, faz-se de forma mordaz, a divulgação de atos ridículos ou revela-se a hipocrisia de particulares. De acordo com Oliveira, o alvo das cantigas de escárnio recaia nos “maus jograis, homens sovinas, clérigos lúbricos, pobretões que viviam de aparência, mulheres feias, adúlteros ou pessoas que bebiam demais” (OLIVEIRA, 1999, p. 34). Nas cantigas de escárnio há a utilização de trocadilhos e jogos semânticos. As cantigas satíricas apresentam maior valor histórico do que propriamente literário: há a visão crítica do cotidiano na sociedade portuguesa.

Segundo os estudos de Ferreira Tarracha (1981), o galego-português, língua falada, com pequenas diferenças, no noroeste da Península Ibérica, aquém e além do rio Minho,

tornou-se, até cerca de 1350, a língua literária de toda a Península, pois foi o idioma adotado pelos poetas leoneses, castelhanos, aragoneses, catalães, e, naturalmente, também pelos galegos e portugueses, perdurando isoladamente até cerca de 1450 (FERREIRA TARRACHA, 1981).

 Assim, antes de as cantigas de amor, de origem provençal, chegarem a Península Ibérica, já havia em Portugal a poesia galego-portuguesa, denominada cantiga de amigo. Sabe-se que, entre os séculos XII e XIV, o galego-português era falado, principalmente, na região de Galiza e Portugal, faixa que compreendia a parte ocidental da Península Ibérica. Portanto, a produção literária do Trovadorismo que compreendeu as chamadas cantigas de amigo trovadorescas, eram escritas na língua galego-portuguesa (galaico-português).

            Quanto ao marco do Trovadorismo, em Portugal, o primeiro documento (poesia escrita) em língua portuguesa refere-se ao texto intitulado Cantiga da Ribeirinha. Esse primeiro documento artístico, também conhecido como Cantiga de Guarvaia (Cantiga de Garvaia), atesta a existência cultural de Portugal e atribui sua autoria ao trovador Paio Soares de Taveirós. A cantiga é dirigida a Maria Pais Ribeiro (a Ribeirinha), amante de D. Sancho I: “E, mia Senhor, des aquel’ di’ ai! / me foi a mi mui mal; / e vós filha de Dom Paay / Moniz, e bem vos semelha”. Quanto à data do texto citado, Spina (1974) afirma que “é 1198 a data presumível da mais antiga composição literária portuguesa”. De acordo com Tarracha Ferreira (1981), também “modernamente atribui-se-lhe a data de 1198, e não 1189, mas há quem a julgue posterior a 1200”.

 REFERÊNCIAS

 MOISÉS, Massaud. Dicionário de Termos Literários. Cultrix: São Paulo, 2004.

OLIVEIRA. Clenir Bellezi de. Arte Literária - Portugal/Brasil. São Paulo: Moderna, 1999.

SPINA, Segismundo. Presença da Literatura Portuguesa – Era Medieval.  Difusão Europeia do Livro, São Paulo: 1974.

 TARRACHA FERREIRA, Maria Ema. Poesia e Prosa Medievais. Lisboa: Ulisseia, 1981.

[1] Professora Dra. em Ciências da Educação (USC/PY); Professora de Literatura, do Colegiado de Letras do Centro de Estudos Superiores de Tefé (CEST), unidade acadêmica da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).