A LEI PELÉ E A INCONGRUÊNCIA DA LEI DO PASSE

 

 

Cristhiano Botelho Arrais[1]

Eddla Karina Gomes Pereira[2]

 

 

RESUMO

Este artigo aborda questões referentes às mudanças e consequências com a relação de trabalho entre jogador de futebol brasileiro com o seu clube. Essa relação gerou, em quantidade elevada, a saída de jogadores cada vez mais jovens para o futebol internacional e a permanência de atletas apenas para os clubes de elite. O trabalho proporciona uma reflexão e análise critica sobre a questão do passe dos jogadores, apresentando maiores esclarecimentos sobre a legislação que regulamenta a relação e vínculo trabalhista para os profissionais do futebol. O estudo constitui-se em embasamento teórico

 

Palavras-chave: Lei Pelé. Lei do Passe. Futebol.


 

1. INTRODUÇÃO

 

A Lei 9.615 de 24 de março de 1998, mais conhecida como Lei Pelé, devido a iniciativa do ex-ministro Edson Arantes do Nascimento, trouxe uma série de regulamentações para o desporto com o objetivo de aprimorar a Lei Nº 8.672 de 06 de julho de 1993, a chamada Lei Zico. Uma delas, talvez primordial, é a lei do passe que, na tentativa de acabar com a sujeição dos clubes, garante ao jogador o direito de liberdade, deixando de ser, em dois anos, propriedade dos clubes. A consequência disso foi o enfraquecimento do mercado futebolístico brasileiro, já que muitos jogadores se transferem para clubes estrangeiros.

Diante dessa evasão excessiva de atletas jovens para clubes internacionais, esse texto busca uma análise crítica desse ordenamento, mais especificamente sobre essa modalidade de contrato bilateral entre jogador e clube, que é a lei do passe.

Outro aspecto importante é em relação às disparidades entre os direitos dos jogadores de futebol profissional em relação às outras profissões, como, por exemplo, o prazo de contratação, que para o atleta é sempre determinado. Não recebe hora extra, não tem direito a aviso prévio e não conta com o benefício da insalubridade, bem como periculosidade, devido aos possíveis riscos durante as partidas. Além disso, esse profissional não goza do benefício da aposentadoria.

O presente trabalho busca em seu objetivo apresentar, através de embasamento teórico, e de estudo dos dispositivos legais vigentes, maiores esclarecimentos sobre como a legislação regulamenta a relação empregado empregador dos atletas profissionais de futebol.


 

2. A LEI DO PASSE

 

A Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé) que determinou o fim da lei do passe, também estimula a transformação dos clubes em empresas, incentiva a criação de associações para árbitros e determina que os tribunais de justiça esportiva tenham representantes indicados pela sociedade civil, bem como determina ainda a fiscalização das atividades de clubes e federações pelo Ministério Público, ou seja, a finalidade do dinheiro arrecadado com o esporte deverá ser de forma transparente. A legislação não atua somente no passe, mas no campeonato, na estrutura organizacional, na participação de empresas e até mesmo nas mudanças das regras.

A mencionada lei trouxe dois polêmicos temas, o primeiro, foi em relação à restrição da prática da atividade esportiva profissional apenas às sociedades que se revestissem da forma jurídica prevista pela lei, conhecido como transformação dos clubes em empresas. A segunda polêmica foi em relação ao passe, mais especificamente ao fim dele.

A redação do art. 11 da Lei nº 6.354/76 conceitua passe: “Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois do seu término, observadas as normas desportivas pertinentes”. (revogado pela Lei nº 9.615/98), ou seja, passe é uma forma de indenizar pelo investimento do clube ao jogador ainda não conhecido. O passe é mais regulado pelo direito privado do que pelo direito do trabalho devido sua forma eminentemente contratual, proteção que evitaria uma liberação imprevista por parte do jogador, para não comprometer o clube no campeonato atual.

“A relação jurídica que prende o jogador de futebol profissional ao clube é trabalhista. Trata-se, portanto, de um contrato de trabalho, regido pelas leis trabalhistas, pelas leis desportivas e pelos regulamentos da Fedération International de Football Association (FIFA).” (NASCIMENTO, 1996)

Os clubes tinham esse instituto como principal fonte de renda e subsistência, já que o atleta, mesmo encerrando seu contrato, não poderia transferir-se para outra agremiação até o pagamento da importância prevista em lei.

Assim, se faz mister a menção do art. 28, §2º da Lei 9.615/98.

“§2º. O vínculo do atleta com a entidade contratante tem natureza acessória ao respectivo vínculo empregatício, dissolvendo-se, para todos os efeitos legais, com o término da vigência do contrato de trabalho”.

Portanto, as melhores propostas de negócio feitas pelos atletas ou pelos clubes, de forma antecipada, poderiam rescindir o contrato mediante pagamento de indenização.

            Antes da década de 80, época em que a realidade do futebol era diferente da atual e a remuneração dos salários não sofria influência direta de outras equipes, a prática do passe não tolerava questionamento. Com a crescente globalização o futebol se transformou em um grande negócio internacional e nos anos 90, a Lei Zico (Lei nº 8.672/93) surgiu com proposta de novos rumos e alternativas ao panorama do futebol.

            Em 1990, devido à economia brasileira, a relação profissional dos jogadores ficou mais flexível fazendo com que o esporte se tornasse mais moderno e melhor na qualidade dos serviços prestados, bem como maiores incentivos à participação privada, futebol-empresa e o marketing esportivo.

            Não há duvidas de que o Brasil é uma grande indústria na produção de talentosos jogadores e que os clubes estrangeiros oferecem fortuna para defenderem o seu clube. Os investimentos dos clubes nacionais são muito altos, já que as categorias de base começam ainda na infância e recebem auxílio como moradia, alimentação, vestuário, etc. O problema é quem vai ressarcir os investimentos que estes clubes fizeram. Na verdade, o Brasil apenas formará atletas para exportação, deixando abalada a relação profissional entre jogadores e clubes.

            O delicado e polêmico tema foi alvo de muitas conjecturas. Abaixo, citaremos algumas, apresentando suas consequências (NETO, 1998):

  • Conjectura (a) – perspectiva de vermos cada vez mais cedo nossos melhores atletas deixarem os clubes que os revelam e partirem para o exterior.

Consequência – nunca na história do futebol brasileiro tivemos tantos jogadores (bons e ruins) indo ao estrangeiro, houve uma avalanche desenfreada dos clubes europeus, asiáticos e africanos que fizeram suas propostas irrecusáveis aos jovens atletas, dentro de cada perspectiva de jogador.

  • Conjectura (b) – sangria que pode desencadear nos clubes de futebol que investiram anos em suas categorias de base para formarem alguns poucos jogadores.

Consequência – as pequenas agremiações tiveram que fechar por não conseguir se manter, porém os clubes que tinham melhores estruturas, inclusive básicas para atender o atleta, mantiveram-se.

  • Conjectura (c) – diminuição das categorias de base.

Consequência – o Brasil continua revelando atletas, porque a demanda de jogadores novos é crescente, muitos clubes se especializam em vender jogadores para países com pouca tradição no futebol.

3. DISPARIDADES DA RELAÇÃO DE TRABALHO

Duração da relação de trabalho

A Lei 9.615/98 traz uma série de distinções da relação de trabalho entre o jogador profissional de futebol e outros profissionais acobertados pela CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

            Uma primeira colocação se faz em relação à duração do contrato. Enquanto a CLT permite prazo determinado ou indeterminado, a “Lei Pelé” adota obrigatoriedade quando diz no art. 30, que “O contrato de trabalho do atleta terá prazo determinado, com vigência nunca inferior a três meses nem superior a cinco anos”. Ainda completa, em seu parágrafo único: “Não se aplica ao contrato de trabalho do atleta profissional o disposto no art. 445 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT”.

Prazo determinado é o ajuste antecipado feito pelas partes, portanto não se presume. “Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especiais ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada” (art. 443, §1º, CLT).

            Importante salientar que a Lei Pelé nada estabelece em relação à duração máxima do ajuste, salvo em relação ao primeiro contrato profissional do atleta com o clube que o formou. Portanto, o clube formador do atleta terá o direito de assinar com este, obedecendo ao prazo limite de 2 (dois) anos (art. 29, §3º da Lei 9.615/98). Ou, o primeiro contrato de um atleta de futebol, maior de 16 (dezesseis) anos, com seu clube formador, poderá ser, no máximo de 5 (cinco) anos, com direito de preferência caso haja renovação.

            Nota-se também, que a redação dos arts. 451 e 452 da CLT determina que o contrato não pode ser prorrogado mais de uma vez e a sua renovação está adstrita ao interregno de 6 (seis) meses entre as duas celebrações, sob pena do prazo passar a ser indeterminado. No caso do contrato do jogador, essa prorrogação poderá ser feita mais de uma vez e não fica com adstrição ao prazo.

           

 

Hora extra

Uma questão intrigante na relação de trabalho entre jogador e clube é no que diz respeito a horas extra. Não seria pretensão o direito desse benefício já que só a minoria recebe altos salários, deixando uma grande maioria com salários ínfimos.

            O jogador profissional é um trabalhador como qualquer outro e depende do salário para seu próprio sustento e o da sua família. Empregado, segundo art.3º da CLT é “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

            O art. 6º da Lei 6.354/76 dispõe sobre a duração do trabalho. “O horário normal de trabalho será organizado de maneira a bem servir ao adestramento e à exibição do atleta, não excedendo, porém, de 48 (quarenta e oito) horas semanais, tempo em que o empregador poderá exigir fique o atleta à sua disposição.” Lembrando que 48 (quarenta e oito) horas é, atualmente, 44 (quarenta e quatro) horas, limite máximo previsto no at. 7º, XIII da Constituição de 1988.

            O art. 7º da Lei 6.354/76 faz referência ao chamado período de concentração, que constitui num período em que o atleta deve ficar concentrado por um período de até 3 (três) dias por semana quando houver competição amistosa ou oficial. Diante disso, a mesma lei nenhuma menção faz ao cômputo da jornada da concentração, ou seja, nesse período o jogador não terá direito ao recebimento das horas extra.

Insalubridade e Periculosidade

           

A CLT, na Seção XIII, quando trata “Das Atividades Insalubres ou Perigosas”, protege o trabalhador de atividades nocivas à saúde.

            O adicional de insalubridade é devido ao empregado que presta serviços em atividades consideradas insalubres. O jogador de futebol não tem direito a esse adicional porque não realiza atividade considerada insalubre.

            Importante também é observar a participação o jogador profissional de futebol no adicional de periculosidade. Não se confunde com insalubridade, já que aquela é considerada atividade perigosa e direta ao trabalhador. “Adicional de periculosidade é devido ao empregado que presta serviços em contato permanente com explosivos ou inflamáveis em condições de risco acentuado, bem assim aos eletricitários.” (PAULO, ALEXANDRINO, 2008)

 

 

 

 


 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da exposição podemos perceber, em síntese, a temática da Lei 9.61598 e o agravante oriundo das suas intenções. Bem como a forma sutil de explorar a relação entre a Lei Pelé e a CLT, deixando clara a incompatibilidade gerada pela lei específica, devido a relação de não continuidade da duração de trabalho e as diferenças no que toca a remuneração.

Foi o foco principal a Lei do Passe, mostrando uma breve evolução histórica e apresentando o tema na sua forma polêmica e preocupante, já que o Brasil se destaca como fábrica de atletas, mas não consegue manter melhores condições dos clubes nacionais. Os jogadores mais importantes do futebol brasileiro saíram para os grandes clubes do mundo afora, enquanto aqui o que se nota são estádios menos lotados e uma desvalorização nos contratos televisivos.

O ideal almejado está distante, mas não há dúvidas que o cenário esportivo deu salto considerável, haja vista o vínculo antes existente entre profissional e clube, deixando aquele nas mãos de dirigentes e de suas respectivas instituições.

De qualquer sorte, o objetivo com o trabalho foi alcançado, já que este não tinha a intenção de promover soluções e nem gerar ideias resolutivas para os problemas apresentados, somente uma explanação do assunto pelo qual me senti bastante interessado em realiza-lo.


 

BIBLIOGRAFIA

 

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho, 12 ed., São Paulo: Editora Saraiva, 1996

ZAINAGHI, Domingos Sávio. As horas extras do jogador de futebol. São Paulo. Em: http://www.direitodesportivo.kit.net/artigo8.htm/ Acesso em 06/11/2010 às 18h e 23m

GONÇALVES, Hortência de Abreu. Manual de artigos científicos. São Paulo: Editora Avercamp, 2004

NETO, J. S. de Assis. O desporto do Direito. 1ª ed., São Paulo: Bestbook, 1998.

ALMEIDA, Marco Antônio Bettine de. Discussão sobre as mudanças na legislação desportiva brasileira: caso do futebol e a Lei do Passe. Revista Digital, Buenos Aires – Año 12 – Nº 111 – Agosto de 2007

PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Manual de Direito do Trabalho. 11 ed. – Rio de Janeiro: Impetus, 2008

SILVEIRA, Mauro Lima. Alguns comentários sobre a Lei 9.615/98. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Em: http://www.jus.uol.com.br/revista/texto/2178/ Acesso em 03 de novembro de 2010.



[1] Acadêmico de Direito da Faculdade Paraíso do Ceará - FAP

[2] Mestre em Ciências Jurídicas e Docente da Faculdade Paraíso do Ceará.