A lei de proteção de dados brasileira e o resultado de seus termos no campo teórico em comparação com a obra 1984.1

Thiago Brandão Cardoso2

Amanda Costa Thomé Travincas3

Resumo

Uma particularidade da distopia Orwellica de 1984 é a vagueza das leis que a regem, sejam estas de modo de conduta, forma de tortura ou da norma penal de Oceânia, toda a lógica do ordenamento jurídico desta é sua plasticidade para se moldar em volta dos interesses atuais dos lideres do partido e do Grande Irmão. Uma vagueza e plasticidade parecidas s e encontram na lei brasileira geral de proteção de dados – LGPD - que utiliza expressões vagas para definir as exceções dessa proteção como para defesa nacional, segurança pública e segurança do Estado. Pergunta- se se estas expressões são vagas ou definidas o suficiente para não se tornarem abusivas. Esta pergunta será respondida por meio deste paper de analise bibliográfica ao tentar definir os termos citados, analisa-los em cima da utilidade da lei e finalmente desenvolvendo uma critica sobre os mesmos para comprovar ou não se esta lei segue os princípios constitucionais de defesa das informações privadas. Será usada a pesquisa bibliográfica por meio de bibliotecas e da internet, respeitando sempre as normas de referencias da ABNT.

Palavras-chave: direitos, dados, plasticidade da norma.

1 INTRODUÇÃO


 

A lei de proteção de dados pessoais brasileira possui um objetivo inerentemente honroso, o de guarda dos direitos fundamentais de proteção de dados e intimidade. Contudo, foi lhe concedida uma redação no mínimo confusa se tratando dos termos que configuram os limites destes direitos segundo a lei.

A existência de termos vagos como defesa nacional, segurança pública e segurança do Estado, limita a atuação da lei e impõem no judiciário a competência de legislar sobre do que se tratam estes limites. Como afirmam Ivan Aparecido Ruiz e Antonio Carlos Gomes, isto não é necessariamente ruim, pois com os poderes mais em par um dos outros diminui abusos a partir da visão de Montesquieu. Entretanto, Orwell já discorda por oferecer na base do ordenamento jurídico do país fictício de Oceânia algo parecido, a vagueza dos termos usados é o que permite os abusos de poder neste mundo.

Logo, este paper tem como objetivo entender o que significam estes termos para, então, decidir se são suficientemente certos para permitir a força do judiciário enquanto impedem abusos causados por uma redação feita sem a clareza como foco.

Para tanto, serão pesquisadas em bibliotecas e pela internet informações atinentes a dados pessoais e os direitos fundamentais circundantes. Todas as informações serão utilizadas somente para fins acadêmicos.

Assim sendo, reitera-se o objetivo da analise da lei dada de acordo com a obra de Orwell para que seja estudado se esta se encontra em acordo ou desacordo com seu objetivo primário declarado, o de garantir os direitos fundamentais de proteção dos dados pessoais, intimidade e outros próximos.


 

2 FUNDAMENTAÇÃO TEORICA


 

2.1 O que significam os termos defesa nacional, segurança pública e segurança do Estado ?

Neste tópico, será discutido os significados de cada termo utilizando do que for disponível e útil para tal.

É certo que para todo ouvinte despreparado estes termos parecem sinônimos, o uso de palavras e expressões parecidas não contribuem para a compreensão completa do que cada um significa e por estes parecerem, abrangentes somente piora a situação dos mesmos. Felizmente, a doutrina e a legislação nos trazem significados mais precisos para cada um dos mesmos.

No governo de Fernando Henrique Cardoso foi declarada a política de defesa nacional que explicitamente descreve defesa nacional como meio de manter a soberania brasileira em frente aos interesses de partes exteriores. Não somente isto, como descreve que as maneiras de atingir o mesmo são por, em geral, estreitar relações com os países vizinhos e não se envolver com guerras sem ignorar a necessidade de manter as forças armadas em condição de utilização se necessário.

Já na doutrina, Oliveira (2006) afirma que defesa nacional está diretamente ligada à soberania de uma nação, sendo esta contra crimes internacionais quanto em embate contra outra nação soberana, desse modo, esta intimamente se ligaria com a defesa da soberania. Amorim (2012) também se posiciona neste sentido, avisando sobre a necessidade de algum foco no pensamento estratégico de defesa da soberania brasileira como exemplo de medida de defesa nacional, contudo, diferente da posição oficial do Estado, ambos se preocupam com a utilização das forças armadas muito mais que com medidas pacifistas, adotando posições praticamente armamentistas sobre isto para o combate do narcotráfico.

Desse modo, pode- se definir a defesa nacional como o objetivo de manter a soberania plena do Estado brasileiro, independentemente do método.

Já sobre a segurança pública, segundo Chimenti (2005, 128-129) esta é um dos deveres do Estado com a finalidade da preservação da ordem pública, defesa do patrimônio e a integridade das pessoas, sendo esta uma função negativa do Estado por poder modificar e atingir a ordem jurídica.

Como vimos na lei ditada, esta resguarda para o Estado o direito de violar um direito fundamental do cidadão ao invadir sua privacidade, o que iguala à ação descrita por Ricardo Chimenti quando este aponta o dever do Estado. O autor segue por tratar da lei n0 10.446/2002 que trata sobre uma das utilidades do termo de segurança pública para definir uma interferência da União em uma das unidades federativas, dada a necessidade criada por repercussão interestadual ou internacional.

Ainda sobre a segurança pública, Rolim (2007, p. 40) afirma que existem duas correntes principais sobre do que se trata a mesma, a corrente tradicional trata sobre a reatividade da polícia e uso da força para atingir a ordem pública, enquanto a corrente mais progressista trata sobre métodos mais alternativos e abordagens preventivas para tal. Com isto podemos perceber que o autor percebe que, não importando o método, o objetivo final da segurança pública é a preservação da ordem pública.

Completam Carvalho e Silva (2010 p. 6) que a segurança pública se diferenciaria das políticas de segurança pública por estas se definirem como a ação federal para controle social enquanto aquela se apresenta como a união das ações cíveis e do Estado para a manutenção da ordem pública.

Percebemos que o termo se define então como a resposta constitucional à possibilidade de riscos contra a ordem pública, sendo estas ações cíveis ou do Estado, se caracterizando como politicas de segurança pública se estas advêm pelo poder estatal.

No que tange a defesa do Estado, a constituição federal de 1988 utiliza deste termo de forma vaga, sem defini-lo por completo, contudo ainda o traz com o complemento da palavra “democrático” após este, o que sugere que o termo tem como ideia central a defesa da característica democrática do Estado brasileiro. O autor Adel Tasse expande essa ideia inicial da constituição sem infringi-la ao definir que é dever do advogado público a defesa dos ideais de democracia e liberdades quando se refere à defesa do Estado democrático.

Desse modo, se torna bem claro que, como os outros termos tratados aqui, a defesa do Estado não se trata de um meio, mas de uma finalidade.

Considerando o exposto ainda, segundo Bonavides (2013 p. 596), a segurança dos direitos constitucionais recebe, na constituição vigente, uma “proteção suprema”. Isto que o autor trata sobre, se encontra em par das características da defesa do Estado, uma defesa que visa à proteção da democracia e dos direitos do Estado vigente.


 

2.2 A analise da lei 13 709 sobre os princípios constitucionais de intimidade e proteção de dados.

Neste tópico, será discutida a lei tratada em contraste com suas influencias e com os direitos constitucionais de intimidade e proteção de dados.

O movimento de reger por meio de leis o controle de dados e a aplicação destes no Estado e no mercado não é recente, segundo Doneda, há décadas ao redor do mundo as legislações de cada país, com foco na Europa, tem tentado legislar sobre os diversos tipos de dados de computador somente para que uma lei caia em desuso quando a ciência da computação e a cultura da população ao redor desta se modifique, não sendo mais possível a aplicação desta lei o que gera a necessidade de uma nova. (2011)

É exatamente neste contexto que entra a LGPD brasileira, segundo Monteiro, quando o código de defesa do consumidor não serviu mais para manter o direito à privacidade no campo cibernético viu-se necessário a criação desta lei. A mesma propõem, então, conceitos mais abstratos para impedir que ocorram excessos por parte do mercado contra os direitos de privacidade dos consumidores, o que é uma evolução do mostrado por Doneda no caso francês e alemão iniciais. (MONTEIRO, 2018) (DONEDA, 2011).

Como afirmam Gediel e Corrêa, as informações guardadas em dados eletrônicos, para os Estados soberanos, são muito mais importantes em conceito que simplesmente para a manutenção da privacidade e intimidade dos cidadãos. Os autores afirmam que todos os direitos sociais são afetados por estas informações de diversas maneiras, como por exemplo, para atender pacientes da saúde pública adaptando-a para suas necessidades individuais ou ainda para melhor equipar agentes da segurança pública com as informações necessárias para a manutenção da ordem. (2008)

Mulholland ainda cita casos como o profiling chinês do social score, afirma ainda que a LGPD tem um tratamento especial sobre os chamados dados pessoais sensíveis (dados referentes à etnia, religião, vida sexual, opinião política, saúde etc.), estes fora do alcance do mercado ainda possuem uma possibilidade de serem utilizados pelo Estado em questões de interesse público.

Com estes exemplos, temos motivos importantes para deixar a possibilidade do Estado de invadir nossa privacidade individual para o bem da comunidade, contudo, Orwell nos demonstra que com o fim de nossa privacidade também temos o fim de nossas liberdades individuais. Desse modo, não se torna possível dar ao Estado a liberdade sem limites para esta invasão, necessitando de freios para a manutenção de nossas liberdades (1949).

O que a lei em si propõe é exatamente isto, a possibilidade do estado de invadir a privacidade dos cidadãos em situações especificas, todavia, esta liberdade não é geral por somente acontecer em casos supostamente específicos, os tratados anteriormente.


 


 

2.3 Os termos explicitados e sua comparação com a obra Orwelliana.

Neste tópico, será discutido o que os termos tratados no primeiro tópico implicam sobre a LGDP brasileira e sua influencia nos direitos fundamentais acercados.

A distopia que é o mundo de 1984 somente é possível pelos enormes avanços nas áreas computacional e de captação de dados pessoais que a nação de Oceânia conseguiu produzir até chegar à construção em nível industrial de teletelas, que eram construídas com o proposito único de monitorar cada cidadão do país para o “bem” destes e do mesmo.

Ao final do livro, é revelado que tudo que foi feito pelo Partido tinha como objetivo único: a manutenção do poder deste com a população da nação. Isto somente era possível com a coleta infindável de dados pessoais de cada cidadão de Oceânia. Sem contar com os outros diversos artifícios que eram utilizados com a mesma desculpa da manutenção da ordem do País e da “paz” sangrenta e bélica dentro do mesmo.

Segundo Sarlet, Marinoni e Mitidiero tratam sobre o direito de proteção de dados e de privacidade como direitos que devem ser protegidos pelo Estado. Contudo ainda sustentam a necessidade do mesmo de ter algum controle sobre estes a fim de uso para a manutenção de direitos de cunho social da mesma forma que afirma Chimenti tratado anteriormente. (2017) (2005)

A LGPD brasileira traz exatamente isto, os dados pessoais não podem ser violados pelo Estado a menos que por algumas exceções, não se aplicando por completo em casos com para fim de segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado. Como vimos anteriormente, estes termos possuem alguma força semântica além de o que quer que seja conveniente no momento, contudo, ainda se encontram extremamente vagos para a importância que possuem nesta lei.

Este é o grande problema da questão, estes termos foram postos exatamente para a necessidade do Estado de melhorar o atendimento da população aos direitos sociais, contudo, os mesmos termos podem ser utilizados facilmente de modo deturpado para a formação de uma sociedade marcada pela observação incessante que Orwell nos mostrou. Utilizando da desculpa do mantimento da ordem social ou pelo exercício da soberania é possível. Findlay afirma, por exemplo, que o massacre de Tiananmen na China é um grande exemplo do uso da desculpa do mantimento da ordem social para provocar injustiças, o que somente dá mais credito a distopia de Orwell e uma infeliz visão de possibilidades futuras se for o caso do tratamento não ideal dos dados pessoais. (1989)


 

CONCLUSÃO 

Segundo todo o apresentado, temos que mundialmente, leis desse tipo falham pela evolução a passos largos da tecnologia de computadores o que incapacita legislações a respeito de funcionarem por tempo suficiente como afirmou Doneda. (2011)

Logo, faria sentido a utilização de termos vagos para a construção destas, isto foi feito no caso da LGPD brasileira no caso das expressões de defesa nacional, segurança do Estado e segurança pública. Infelizmente, contudo, isto nos causa outro problema. Segundo a obra de George Orwell, 1984, a proteção de dados deve ser controlada de modo cauteloso, pois a quebra desta também incide na quebra de intimidade e possivelmente na quebra de segredo, direitos fundamentais estes que, em uma catastrofização, podem gerar a quebra de diversos outros, no caso do livro, inclusive o da liberdade ou de vida.

Deste modo, torna-se difícil a resolução deste conflito de direitos fundamentais, reger a favor da segurança ou da intimidade torna-se um fator de extrema complexidade que deve ser analisado com maior cuidado.

É chamada a atenção ao fato desta disputa se encontrar entre o judiciário e o legislativo. Por este dar a redação da lei e aquele decidir sobre a analise desta, cabe a estes dois poderes onde colocar o pesa na balança dos direitos fundamentais.

Ademais, se reforça que grande parte da analise com a obra tratada possui certo exagero como a própria obra traz, mesmo que os acontecimentos aqui discutidos na china, por exemplo, tem cada vez mais aproximado a ficção da realidade.


 

3 METODOLOGIA:

Esta pesquisa caracteriza-se por descritiva, com abordagem qualitativa, recorte longitudinal e com levantamento de informação em pesquisas, sendo realizada em bibliotecas, salas de pesquisa e com a ajuda da internet pelos pesquisadores que estudaram e retrataram o tema abordado

As informações serão levantadas por meio da pesquisa bibliográfica mediante pesquisa pelos integrantes através de estudos, livros e matérias

Serão respeitadas as normas da ABNT, respeitando os autores originais das obras. Além disso, os pesquisadores se comprometeram a utilizar as informações obtidas exclusivamente para fins acadêmicos.


 


 


 

REFERÊNCIAS


 

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BRASIL. Constituição Federal, 1988

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1 Paper apresentado à disciplina Teoria dos direitos fundamentais da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco

2 Aluno(a) do quarto período de direito

3 Professora doutora, orientadora