Ao optar pela continuidade da forma Federativa do país, o constituinte assumiu uma grande tarefa: a de construir um ordenamento jurídico capaz de sustentar essa opção, ainda que já fosse o modelo adotado até então. Uma vez que falamos de uma constituição analítica, que desempenha, na esfera de forma de Estado e sua organização, papel de distribuição e delimitação de competências, há um alto grau de complexidade de desenvolver um sistema normativo que tenha rigidez o suficiente para assegurar a segurança institucional, mas ao mesmo tempo a flexibilidade para adaptar-se às mudanças que o tempo traz.

Se falamos de federação, falamos do conjunto de entes federados que gozam de autonomia em algumas esferas, como administrativa e legislativa. O assunto “Federação” é de tamanha importância que é tratado no caput do artigo 1º da Constituição, definindo o país como a união (necessário frisar que este termo “união” é de suma importância para preservar alguns princípios do federalismo, como por exemplo, o de autonomia) de Estados, Município e do Distrito Federal.  Para um ente federado exercer qualquer função que lhe tenha sido atribuída pela norma, ou discussão proposta pela doutrina, filosofia jurídica, ou qualquer fonte que vá debater o papel da administração pública, precisamos lhe fornecer os instrumentos necessários para prática, que grosso modo, são recursos financeiros. A forma de captação destes recursos mais usual é o tributo.

É na interseção desses assuntos que está nosso tema: qual mecanismo o constituinte criou para viabilizar a forma federativa através do tempo, preservando seus traços característicos, em principal a autonomia do ente federado, especificamente na questão de arrecadação de tributos?

O Título VI da Constituição trata exclusivamente de Tributação e Orçamento, iniciando seus capítulos com o Sistema Tributário Nacional. Além de instituir quais são os tipos de tributos no primeiro artigo do Título, 145, no seguinte a Constituição já nos traz uma das ferramentas de grande serventia para responder o questionamento anterior: a lei complementar. Aessa modalidade de norma foram atribuídas diversas funções no que diz respeito ao sistema tributário, como por exemplo, dispor de conflitos de competência entre os entes ou regular as limitações constitucionais ao poder de tributar. As seções III em diante desse capítulo atribuem as competências tributárias dos entes, sempre com uma menção ao que caberá à lei complementar regulamentar.

Uma vez que o Federalismo prega a idéia da manutenção da autonomia os entes federados, e que a lei complementar é de competência privativa do Congresso Nacional, o poder de dispor sobre todo o sistema tributário nacional não seria uma afronta à competência do ente de instituir “seu” tributo, nos que sejam de modalidade exclusiva?

A resposta para negar essa idéia é bem simples. O constituinte originário criou uma reserva de poder ao legislador futuro, a fim de garantir que, com o tempo, ele pudesse trabalhar em prol da coordenação dessas competências tributarias dos entes, pois mais importante que respeitar a autonomia dos entes federados, sem duvida, é manter a viabilidade e o funcionamento da federação.

Uma autonomia total e irrestrita poderia por em cheque essa forma de organização do Estado. É fácil perceber no atual modelo tributário, com a eclosão das famosas “guerras fiscais”, que sem mecanismos que possam harmonizar essa autonomia, o sistema tributário tende a se tornar cada vez mais complexo, menos organizado, e mais oneroso, não só para o contribuinte, mas para a própria administração pública.