A LEI 10.639/03 E AS ESCOLAS INFANTIS DE SÃO JERÔNIMO:

                   Conhecimento e Aplicação da Lei no Cotidiano Escolar

 

                                                                     Magali Helena Buralde Argenton Gonçalves[1]                                                                                           Prof.ª Daniela Rohan Hirschmann[2]

 

 

Resumo          

O presente trabalho aborda como tema a Lei 10.639/93 tendo como delimitação o conhecimento e aplicação da lei no dia a dia escolar da Educação Infantil. O objetivo geral é investigar como as professoras de Educação Infantil trabalham e vivenciam a Lei 10.639/93 nas escolas do município de São Jerônimo. Os objetivos específicos são: identificar o nível de conhecimento dos professores, diretores e supervisores sobre a Lei 10.639/93 nas escolas de Educação Infantil do município de São Jerônimo, relatar os dados colhidos através de questionários sobre o conhecimento e a forma de trabalho da Lei 10.639/93 e discutir o resultado aferido pelos dados recolhidos realizando um contraponto entre o que é efetiva,emte feito e a teoria. O trabalho se apresenta como uma pesquisa qualitativa, de procedimento bibliográfico e de levantamento. Foi realizada através de questionários entregues nas duas escolas do município. Através dos resultados constatou-se que não há aplicação efetiva da lei, falta orientação, conhecimento, material humano e didático.

Palavras-chave: Cultura Afro-Brasileira. Lei 10.639/03. Educação Infantil.

1 INTRODUÇÃO

           O presente trabalho tem por tema a Lei 10.639/93 e a delimitação do tema é “A Lei e as Escolas de Educação Infantil no Município de São Jerônimo/RS: conhecimento e aplicação da lei no dia a dia escolar”. Será realizado em duas escolas infantis escolhidas, uma particular e outra municipal.

            Para este trabalho foi definido como objetivo geral investigar como as professoras de Educação Infantil trabalham e vivenciam a Lei 10.639/93 nas escolas do município de São Jerônimo. Como objetivos específicos elencam-se: identificar o nível de conhecimento dos professores e supervisores sobre a Lei 10.639/93 nas escolas de Educação Infantil do município de São Jerônimo, relatar os dados colhidos através de questionários sobre o conhecimento e a forma de trabalho da Lei 10.639/93 e discutir o resultado aferido pelos dados recolhidos propondo sugestões de atividades para a efetivação no cotidiano escolar da aplicação da Lei 20.639/93.

              O trabalho se apresenta como uma pesquisa quanti-qualitativa, de procedimento bibliográfico e de levantamento. Foi realizada através de questionários entregues nas duas escolas do município e tem relevância fundamental para o Curso de História e a sua implicação nos conteúdos da Educação Infantil pois traz ao cotidiano um assunto importante e que faz parte da História de nosso país e da maioria dos brasileiros, a Herança e a Cultura Afro.

              São Jerônimo assim como diversos municípios em nosso país tem as aulas pautadas em cima de datas comemorativas e o 20 de novembro em algumas delas é trabalhado, porém a Lei 10.639/03 nunca é trabalhada com as crianças no cotidiano, o que se observa é um trabalho pontual, onde normalmente se trabalha contos como “Menina bonita do laço de fita” e se explica que há colegas com cores de pele mais escura e pronto, nada mais é dito ou trabalhado sobre o Continente que nos deu tanta coisa rica e que pouco falamos porque pouco sabemos. Este projeto de pesquisa nasce deste questionamento: o que se sabe sobre esta lei e como se trabalha a cultura afro em nossas escolas infantis.

             Infelizmente nos dias atuais encontramos presentes em nossas salas de aula atitudes de racismo entre crianças de 3-4 anos e entre professores negros encontramos a autodenominação de cor como pardos ou morenos claros, ou seja, o próprio educador tem medo ou vergonha de sua etnia.

 

Existe a crença de que a discriminação e o preconceito não fazem parte do cotidiano da Educação Infantil, de que não há conflitos entre as crianças por conta de seus pertencimentos raciais, de que os professores nessa etapa não fazem escolhas com base no fenótipo das crianças. Em suma, nesse território sempre houve a ideia de felicidade, de cordialidade e, na verdade, não é isso o que ocorre (BENTO, 2012, p.9).

 

               Também existe a necessidade de discutir sobre todo o patrimônio cultural afro-brasileiro, uma beleza que poucos conhecem e muitos tratam como tabu, como se fosse algo errado trazer para o nosso cotidiano esta herança tão bonita trazida pelos negros da África.

 

As influências africanas estão na linguagem, na comida, na religião, na música, nas brincadeiras, nas artes visuais, nas festas etc. No entanto, sabemos que a valorização e o reconhecimento dessas heranças não têm o mesmo peso do passado europeu. As matrizes indígenas e africanas são muitas vezes consideradas inferiores, menos sofisticadas e ficam relegadas a segundo plano. O valor e a importância desse patrimônio cultural devem ser considerados pelas unidades escolares e precisam ser incluídos entre os temas trabalhados na Educação Infantil no dia a dia. A proposta é de que esse eixo possa incluir as manifestações presentes nas comunidades e que, desse modo, as crianças sintam-se valorizadas à medida que os saberes locais adentrem os espaços educacionais como produção de bens civilizatórios e produto de diferentes grupos (BENTO, 2012, p.31).

 

               A pergunta norteadora deste trabalho será “A Lei 10.639/03 é aplicada nas Escolas Infantis do município de São Jerônimo ou somente se fala em herança negra em 20 de novembro?”, com este intuito acredito na relevância deste trabalho para um conhecimento sobre o que nossos professores de São Jerônimo pensam e conhecem sobre tal lei e a sua importância.

 

2 A EDUCAÇÃO INFANTIL E A LEI 10.639/03

2.1 O PAPEL DA EDUCAÇÃO INFANTIL E A CULTURA AFRO

            Para Abramowicz (2012, p. 128) “a Educação Infantil tem papel fundamental para possibilitar o desenvolvimento humano e social de todas as crianças. Para isso, deve respeitar as especificidades de cada uma delas, considerando suas histórias, culturas e formas de ser”. É papel da Educação Infantil ensinar a criança o respeito a si mesmo e ao próximo e nisso englobamos o conhecimento das diversas culturas que formam a sociedade brasileira, o conhecer as etnias que formaram o nosso povo, valorizando-as e apropriando-se das riquezas e conhecimentos por essas etnias tranmitidas (ABRAMOWICZ, 2012).

Todas as crianças têm o direito de conhecer a história de seus antepassados, os locais de onde vieram e como eles contribuíram e contribuem para a construção de seu país. As culturas regionais e as diferentes formas de se viver são importantes para que as crianças se reconheçam como parte de um país diverso em culturas. Por meio de práticas pedagógicas que resultem em um currículo qualificado, a educação infantil pode fazer a diferença na construção de identidades positivas, e certamente contribuirá para que o ciclo perverso existente na realidade de crianças pequenas seja quebrado. No espaço de educação infantil, o desenvolvimento dessas práticas pedagógicas, voltadas para o respeito à diversidade étnico-racial que caracteriza as crianças, deve ser compromisso de todos os envolvidos com a educação (ABRAMOWICZ, 2012, p.129).

Completa ainda Bento (2012, p. 41)

 

As instituições de Educação Infantil devem se caracterizar como locais nos quais as crianças encontrem, desde cedo, espaço vivo de informações sobre a população negra, as tradições afro-brasileiras, o continente africano e outros diferentes assuntos que compõem o universo de conhecimentos sobre a questão racial.

 

               Portanto é um compromisso de todos fazer com que a Educação Infantil seja um local qualificado, com acolhimento digno, respeitando as singularidades e heranças familiares onde através do conhecimento de suas histórias reconhecerão a sua importância como sujeitos escritores de sua própria história. (BENTO, 2012)

 

Independentemente do grupo social e/ou étnico-racial a que atendem, é importante que as instituições de Educação Infantil reconheçam o seu papel e função social de atender às necessidades das crianças constituindo-se em espaço de socialização, de convivência entre iguais e diferentes e suas formas de pertencimento, como espaços de cuidar e educar, que permita às crianças explorar o mundo, novas vivências e experiências, ter acesso a diversos materiais como livros, brinquedos, jogos, assim como momentos para o lúdico, permitindo uma inserção e uma interação com o mundo e com as pessoas presentes nessa socialização de forma ampla e formadora (BRASIL, 2006, p.37).

 

            A Educação Infantil apresenta o mundo as crianças, as influências de nossos antepassados, nossas linguagens e nossa cultura, pela Lei 10.639/03 a cultura africana passa a fazer parte efetivamente de nosso currículo e assim estarão presentes as brincadeiras, a música, a religião, as artes e a comida de modo mais amplo e buscando encontrar a mesma importância que a herança europeia. Com a Lei 10.639/03 o objetivo é valorizar as manifestações e heraças africanas, de modo as crianças sentirem-se valorizadas, com apropriação de sua herança e das contribuições importantes feitas a nossa sociedade. (Educação..., 2012, p. 31)

 

2.2 A LEI 10.639/03

 

              Em 20 de dezembro de 1996, através da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira ficou estabelecido que o ensino de História do Brasil levaria em conta as contribuições das etnias e das culturas formadoras de nosso país, especialmente das matrizes indígena, africana e europeia (BRASIL, 1996, Art, 26, §4).

 

            Alterando esta lei, em 9 de janeiro de 2003, é decretada a Lei nº 10.639, que acrescenta a LDBEN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional a inclusão oficial na rede de ensino da temática "História e Cultura Afro-Brasileira"(BRASIL, 2003), sendo esta obrigatória.

 

 

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 26-A, 79-A e 79-B:

"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.

§ 1º O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negrabrasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.

§ 2º Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras.

§ 3º (VETADO)" "Art. 79-A. (VETADO)"

"Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como 'Dia Nacional da Consciência Negra'" (BRASIL, 2003, on line).

 

Com a lei vem a exigência de capacitação dos profissionais para a explicação e aplicação dos conteúdos, ou seja sem formação adequada a lei não consegue existir por si, cursos e oficinas devem ser oferecidos aos professores para que estes revejam seus conceitos sobre o que conhecem ou aprimorem suas experiências sobre um povo rico e cheio de belezas que por motivos de uma História eurocêntrica ficou renegado ao esquecimento. “Este investimento poderá melhorar significativamente a compreensão de nossos docentes, até porque entendimentos sobre a história e cultura negra existem vários, muitos de qualidade duvidosa” (BRASIL, 2005, p.129). Sem investimento governamental não há lei sustentável, é preciso material farto a ser ditribuído nas escolas e uma cultura sem preconceitos e julgamentos, se a lei assegura este conhecimento as crianças, ele deve ser trabalhado de forma plena e completa, pois a herança ancestral é muito rica e diversificada.

2.3 PLANO NACIONAL DE IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO ETNICORRACIAIS E PARA O ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFROBRASILEIRA E AFRICANA

              A principal meta do Plano Nacional é auxiliar o Sistema de Ensino Brasileiro e as Instituições de educação a cumprirem as deterninações legais a fim de erradicar o preconceito, em todas as suas formas, o racismo e a discriminação com o intuito de fornecer o direito da aprendizagem e a igualdade educacional a todos com a finalidade de uma sociedade justa e solidária (BRASIL. 2009).

              Os objetivos do plano nacional são os seguintes:

 

- Cumprir e institucionalizar a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana, conjunto formado pelo texto da Lei 10639/03, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer CNE/CP 03/2004, e, onde couber, da Lei 11645/08.

- Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política de formação de professores, a fim de proporcionar o conhecimento e a valorização da história 28 dos povos africanos e da cultura afrobrasileira e da diversidade na construção histórica e cultural do país;

- Colaborar e construir com os sistemas de ensino, instituições, conselhos de educação, coordenações pedagógicas, gestores educacionais, professores e demais segmentos afins, políticas públicas e processos pedagógicos para a implementação das Leis 10639/03 e 11645/08;

- Promover o desenvolvimento de pesquisas e produção de materiais didáticos e paradidáticos que valorizem, nacional e regionalmente, a cultura afrobrasileira e a diversidade;

- Colaborar na construção de indicadores que permitam o necessário acompanhamento, pelos poderes públicos e pela sociedade civil, da efetiva implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura Afrobrasileira e Africana;

- Criar e consolidar agendas propositivas junto aos diversos atores do Plano Nacional para disseminar as Leis 10639/03 e 11645/08, junto a gestores e técnicos, no âmbito federal e nas gestões educacionais estaduais e municipais, garantindo condições adequadas para seu pleno desenvolvimento como política de Estado (BRASIL, 2009, p. 27 e 28).

             

2.4 O GOVERNO MUNICIPAL E SUAS ATRIBUIÇÕES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI NAS ESCOLAS

O Brasil apresenta um sistema de ensino dividido em três esferas, onde cada uma dela tem suas atribuições, neste trabalho o aspecto abordado é o Sistema de Ensino Municipal e como ele auxilia as escolas do município a trabalharem a Lei 10.639/03.

O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Nacionais para a Educação Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana reconhecem que entre as ações previstas no Artigo 11 da LDB para o Governo Municipal estão a responsabilidade de

                        organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus             sistemas de ensino, integrando-os às políticas e planos educacionais da União e dos Estados; baixar normas complementares para o seu sistema de            ensino; autorizar, credenciar e supervisionar os estabelecimentos do seu   sistema de ensino; oferecer a                      Educação Infantil em creches e pré-escolas,           e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros            níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as                                       necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos          percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e           desenvolvimento do ensino (BRASIL, 2009, p.37).

Portanto pelo Plano Nacional o município de São Jerônimo, pela legislação vigente em todo o território brasileiro, tem a obrigação de cumprir e fazer cumprir a Lei 10.639/2003 (BRASIL. 2009).

2.5 AS ESCOLAS

A inclusão de novos conteúdos  nos currículos se faz pertinente nas escolas e o Plano Nacional traz a seguinte observação

caberá às escolas incluírem no contexto de seus estudos e atividades cotidianas, tanto a contribuição histórico-cultural dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, quanto às contribuições de raiz africana e européia. É preciso ter clareza de que o Art. 26A, acrescido à Lei nº. 9.394/96, impõe bem mais do que a inclusão de novos conteúdos, mas exige que se repense um conjunto de questões: as relações Etnicorraciais, sociais e pedagógicas; os procedimentos de ensino; as condições oferecidas para aprendizagem; e os objetivos da educação proporcionada pelas escolas (BRASIL, 2009, p.40).

        

            Pela presente observação as instituições devem obsrvar seus Projetos Políticos Pedagógicos e fazer uma revisão curricular para fazer os devidos ajustes conforme a lei para que “possuem a liberdade para ajustar seus conteúdos e contribuir no necessário processo de democratização da escola, da ampliação do direito de todos e todas à educação, e do reconhecimento de outras matrizes de saberes da sociedade brasileira” (BRASIL, 2009, p.41).

            Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Nacionais para a Educação Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana apresentam as seguintes recomendações a rede pública e particular de ensino

 

a) Reformular ou formular junto á comunidade escolar o seu Projeto Político Pedagógico adequando seu currículo ao ensino de história e cultura da afrobrasileira e africana, conforme Parecer CNE/CP 03/2004 e as regulamentações dos seus conselhos de educação, assim como os conteúdos propostos na Lei 11645/08;

 b) Garantir no Planejamento de Curso dos professores a existência da temática das relações etnicorraciais, de acordo sua área de conhecimento e o Parecer CNE/CP 03/2004;

c) Responder em tempo hábil as pesquisas e levantamentos sobre a temática da Educação para as Relações etnicorraciais;

d) Estimular estudos sobre Educação das Relações Étnicorraciais e história e cultura africana e afrobrasileira, proporcionando condições para que professores, gestores e funcionários de apoio participem de atividades de formação continuada e/ou formem grupos de estudos sobre a temática;

 e) Encaminhar solicitação ao órgão de gestão educacional ao qual esteja vinculada para a realização de formação continuada para o desenvolvimento da temática;

f) Encaminhar solicitação ao órgão superior da gestão educacional ao qual a escola estiver subordinada, para fornecimento de material didático e paradidático com intuito de manter acervo específico para o ensino da temática das relações etnicorraciais;

g) Detectar e combater com medidas socioeducativas casos de racismo e preconceito e discriminação nas dependências escolares(BRASIL, 2009, p. 41 e 42).

                              

            No entanto, o aproveitamento dessa oportunidade dependerá de nossa capacidade, enquanto intelectuais orgânicos, de articular politicamente a implantação dessa lei com a formação política de nossos estudantes (FORMAÇÃO...2012, p.18).

 

2.6 DESCREVENDO A REALIDADE, ONDE A LEI E A APLICAÇÃO FALAM LINGUAS DIFERENTES

2.6.1 Metodologia

            O presente trabalho foi realizado em duas escolas de Educação Infantil de São Jerônimo, uma particular e a outra da rede municipal.

            A escola particular conta com cento e vinte alunos, dez professoras e dezoito monitoras, uma diretora que também está respondendo pela supervisão no momento.

            A escola do município tem dez professoras e dezesseis monitoras, uma diretora e uma supervisora que também responde pela vice-direção. Algumas professoras e monitoras estão no anexo em uma escola estadual e lá não foram entregues questionários devido a logística, portanto o número de questionários distribuídos nas duas escolas foram de quarenta e seis questionários.

            Foram entregues os questionários com perguntas objetivas e subjetivas para os monitores, professores, supervisoras e diretoras. Dos quarenta e seis questionários entregues aos professores e monitores voltaram trinta e quatro, dois das diretoras e dois das supervisoras.

2.6.2 Conhecendo os profissionais

                Das entrevistadas todas são do sexo feminino; estão na faixa etária dos 20 aos 50 anos, vinte e quatro são solteiras, cinco são casadas e cinco vivem com o companheiro. Vinte e sete tem filhos, outras sete não têm. Quanto a religião, nove são católicas, doze são evangélicas, sete  são espirutualistas e seis da umbanda. Declaram-se e vinte e quatro de cor branca, oito pardas e duas amarelas.

            Trinta delas estudou o Ensino Médio em escola pública, quatro em escola privada; a modalidade cursada para vinte e duas profissionais foi o Normal, uma cursou Técnico, mas não especificou e onze não declararam.

            Quanto a Graduação, onze não possuem; ao serem questionadas pelo curso que fazem ou já fizeram, treze marcaram Pedagogia, cinco fizeram outras licenciaturas e cinco não declararam o curso; quanto a Pós Graduação dez possuem e vinte e quatro não.

            Todas elas trabalham somente em uma escola. Sobre a renda mensal, vinte e uma declararam ser de um a três salários, dez declararam ser de três a cinco, três declarou ser mais de nove salários e uma não declarou.

            Questionadas sobre a situação funcional, vinte declararam-se concursadas, cinco efetivas e nove estão em contrato.

 

2.6.3 O conhecimento e a aplicação da Lei pelas profissionais

            As perguntas realizadas para as professoras e monitoras estão retratadas por agrupamento por serem muito parecidas e traduzem como a Lei 10.639/03 é trabalhada no município de São Jerônimo/RS.

1. Você conhece as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN’s) para Eduação Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana e a Lei 10.639? O que sabe sobre esses documentos legais? Dos trinta e dois questionários analisados apenas duas professoras conheciam os documentos, dez tinham ouvido falar mas não souberam explicar e vinte nunca ouviram falar.

2.Tu desenvolves trabalhos sobre a Cultura Afro-Brasileira em tuas aulas? Com que frequência? A resposta foi unânime, não. A maioria confunde Cultura Afro-Brasileira com data comemorativa, e mesmo assim somente duas fazem algo comemorativo em 20 de novembro.

3. De que forma esses trabalhos são desenvolvidos? Com que materiais tu trabalhas? Com que objetivos realizas a abordagem da cultura Afro-Brasileira e Africana em tuas aulas? –

4. Este trabalho produziu algum impacto sobre atitudes dos alunos em relação aos afrodescendentes ou sobre a sua vida? Que impactos? De que forma percebeste isto? –

5. Em sua opinião, qual a importância da Lei 10.639/03 para o ensino escolar no Brasil? Vinte e oito profissionais disseram que é para acabar com o preconceito, quatro deixaram em branco.

6. Você teve na sua formação universitária conteúdos previstos na Lei 10. 639/03? Treze responderam que não tiveram ou não lembram se tiveral algo relacionado. Onze responderam que sim, seis trabalharam em paper, quatro através de mostras culturais e uma lembra de ter lido sobre diversidade.

7. Percebes alguma falha na abordagem proposta pela Lei 10.639/03? Apenas duas profissionais do grupo das doze que conheciam a Lei e citaram que não é uma Lei trabalhada nas escolas, está la para, segundo uma delas, “inglês ver”, faz-se uma atividade e pronto trabalhada a Lei.

8. Na sua escola, trabalha-se com os conteúdos da Lei 10.639/03? Existe alguma resistência? De quem? As trinta e duas profissionais responderam que não são trabalhados os conteúdos da Lei. Trinta e uma disseram não haver percepção de uma resistência explícita. Somente uma das professoras respondeu que há resistência de todos na escola, desde alunos, pais e professores.

9. Há material específico para os conteúdos? Existe material didático que aborde as especificidades regionais? Vinte e sete responderam que não há material, cinco disseram haver mas sem abordagem regional, o fator maior é que por ser escola de Educação Infantil não lhes é enviado material pedagógico para esse tipo de abordagem sobre a Lei com as crianças.

10. Esses conteúdos são trabalhados durante o ano todo ou só em dias específicos como “Abolição da Escravatura” e “Dia da Consciência Negra”? Resposta unânime. Somente em dias específicos e somente a fala a respeito da cor e algum desenho relativo a data, mas trabalhar a cultura e a história negra, nunca.

11. Que melhorias você poderia sugerir para um ensino efetivo acerca da Cultura e História Afro-Brasileira na Eduacação Infantil? Vinte e seis profissioais não opinaram por desconhecerem o assunto completamente, oito responderam que não há profissionais na Educação Infantil que saibam trabalhar o assunto pois até mesmo o ensino de História é precário, lhes falta conhecimento, material e cursos, as poucas coisas que viram foram somente falas de igualdade, contra o racismo, mas em se tratando de conhecimento cultural sobre a África e a Afro-Brasilidade não há esse conhecimento, inclusive sobre a rituais de festa não há permissão de fala por ainda se tratar de preconceito. 

12. Como o município trata a questão do ensino da Cultura e História Afro-Brasileira na Educação  Infantil? Para dezoito profissionais o município não se interessa em fornecer subsídios para o trabalho sobre a Lei, tanto pela falta de material quanto pela falta de profissionais capazes de explicar sobrea cultura afro.

Para uma profissional o município é antiquado, lento e racista, não interessado em fazer essa conexão com o passado.

Três profissionais responderam que falta conhecimento para fazer essa interligação com os alunos negros da sala de aula, e por ser Eduacação Infantil o município não dá atenção à Lei, nem está motivado a isso.

Quatro profissional respondeu que é solicitado que se trabalhe com datas comemorativas, então a respeito da Cultura Afro não entra no contesto e sim somente acontecimentos como a Lei Áurea e Zumbi dos Palmares.

Por fim, sete profissionais trouxeram novamente o fatos das datas comemorativas e a preocupação do que é registrado no Caderno de Sala, ou seja, no caderno registre-se o trabalho pontual somente para constar que foi feito.

13. A escola oferece formação continuada para que possas trabalhar com teus alunos da Educação Infantil? Que livros trabalhas e de que maneira? Como trabalhas a Cultura e História da África no cotidiano? Cite exemplos.

Não, nenhuma das escolas fornece formação. O município não fornece uma formação sólida, apenas palestras de início de semestre que são pouco proveitosas, são repetições de fala quando abordam o tema. A escola particular é conveniada com o município,  mas não tem formação continuada e para realização paga não há interesse ainda manifestado.      Duas profissionais citaram os livros “Menina bonita do laço de fita” e “Negrinho do Pastoreio”, as demais não citaram nenhum livro. Com os livros realizam contação de história e depois desenham.

Sobre trabalhar a cultura africana no cotidiano ninguém acrescentou nenhuma resposta.

2.6.4 O conhecimento e a aplicação da Lei pelas diretoras

            Para as duas diretoras foram perguntadas as questões abaixo registradas, a resposta número um corresponde a professora da escola particular e a número dois corresponde a diretora da escola municipal.

1. A escola que você dirige aplica a Lei 10.639/03? De que forma?

            1. Não aplica, por ser uma escola infantil há pouca preparação dos profissionais em um assunto tangível como esse, apenas trabalhamos a socialização e o respeito interpessoal, mas sobre a Cultura em si nada é trabalhado, as datas comemorativas às vezes são trabalhadas mas nada muito incisivo.

            2. Sim. Nas atividades de Literatura e com as turmas maiores (idade pré-escolar) se trabalha a culinária, vestimentas e da Data da Consciência Negra.

 

2. Você acredita ser importante a implementação da Lei 10.639/03 em turmas de Educação Infantil?

            1. Sim, porém há falta de profissionais que prontifiquem  a fornecer tal conhecimento pois até mesmo as Licenciaturas são pobres neste assunto. É importante pois faz parte de nossa cultura, foram pessoas que trouxeram grandes contribuições e por estiguimatização europeia uma cultura rica é vista com desprezo e preconceito.

            2. Sim. Temos que ensinar nossas crianças a respeitar e valorizar as diferenças independentes de cor.

 

3. A escola encontra barreiras para a implementação da Lei 10.639/03? Quais? Como fazer para derrubar estas barreiras?

            1. Sim, O preconceito presente ainda nos dias de hoje, muitos veem com preconceito a cultura negra e não querem seus filhos aprendendo isso. A melhor forma de vencer essa barreira é a educação, e aqui, entramos todos nós, pois não somos conhecedores dessa cultura, muitas brincadeiras e comidas não são ditas que vieram dos ancestrais negros e isso precisa mudar.

            2. A única coisa que ainda acho é a dificuldade de material de apoio para nossos professores de Educação Infantil e capacitação para os mesmos.

 

2.6.5 O conhecimento e a aplicação da Lei pelas supervisoras

 

Para as duas diretoras foram perguntadas as questões abaixo registradas, a resposta número um corresponde a supervisora da escola particular e a número dois corresponde a supervisora da escola municipal.

 

1. Você tem conhecimento das diretrizes pedagógicas que a Lei 10.639/03 prevê? O PPP contempla essa diretriz? Tem sido desenvolvido algo na escola para contemplar a Lei?

            1. Não.

            2. Sim

 

2. Quais são as temáticas das relações étnico-raciais e como são abordadas na escola? Há interdisciplinaridade na abordagem?

            1. Através de brincadeiras, gincanas, pintura, dança, hora do conto, etc.

            2. não há abordagem temática.

 

3. Quais os fatores predominantes para não aplicação dessas diretrizes na escola?

            1. Falta de conhecimento e de interesse do governo em realmente por essa discussão em prática, o Brasil é preconceituoso.

            2. Falta de interesse do professor.

 

4. Como tem sido oferecida a capacitação da escola e professores para a aplicação da Lei 10.639/03? Tem sido suficiente? Como é a receptividade dos professores com relação à capacitação?

            1. Não há capacitação realizada, os professores por conta própria não demonstram interesse.

            2. São oferecidos através de reuniões pedagógicas e oficinas abordando o assumto.

 

5. Como a direção vê a importância de trabalhar as temáticas étnico-raciais e o ensino de  História Cultura Africana e Afro-Brasileira na escola?

            1. Éimportante pois faz parte da formação de nosso povo.

            2. É importante porque faz parte da nossa história.

 

6. Já ouve relato, denúncia ou identificação de casos de racismo, discriminação ou preconceito na escola? O que foi feito a respeito?

            1. Não.

            2. Nunca aconteceu na escola.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

            Após analisar os questionários devolvidos, o primeiro dado constatado foi que nenhum dos questionários que retornaram foram preenchidos por participantes negros. O pouco retorno de participação 73,91% também demonstra o quão pouco à vontade os funcionários se sentiram em participar de trabalhos com este tema, ficaram incomodados preferindo absterem-se.

            As leis e diretrizes sobre o trabalho da Cultura Africana e Afro-Brasileira são claras porém observando as respostas analisadas observa-se que em nenhum momento ela é trabalhada nas Escolas Infantis. O pouco conhecimento da profundidade da Lei é retratado nas respostas concedidas, somente duas professoras já haviam lido a Lei e as Diretrizes de Educação. Infelizmente trabalhar diversidade racial não é o foco da Lei, trabalhar data comemorativa além de ultrapassado é algo quastionável, pois não existe um só dia de conciência negra. Há uma confusão de valores e de conceitos, a lei é mais ampla e abrange muitos itens da cultura africana que nem foram citados.

O que ela busca é trazer para o cotidiano o estudo da cultura africana,da mesma maneira como se estuda os imigrantes europeus e asiáticos e toma-se conhecimento seus gostos, ritos, músicas, alimentação, brincadeiras e religião.

Há uma falta de preparo nos profissionais, tanto na Educação Infantil, quanto Médio e Superior, não há formação específica e muito menos formação continuada. Não há pessoas habilitadas a trabalhar com a História, e por este trabalho observa-se que há um atraso imenso no quesito educação, temos leis mas não são aplicáveis pois não há quem as explique aos professores como fazer, infelizmente não basta falar, precisa ser algo que permeie o cotidiano, somos deficientes de historicidade, as graduações pecam neste quesito, passa batido esse pedaço de história negra dentro de um Brasil imenso. Estuda-se a Europa e suas contribuições mas a África fica renegada, há um menosprezo pela seu contibuição formativa do povo brasileiro.

Além disso, o preconceito arraigado permeia a escola quando se fala Cultura Africana, preconceito velado, mas que talvez pela ignorância muitos não compreendam que as mesmas divindades trabalhadas no Egito, na Grécia, em Roma, nas civilizações Maias, Astecas, Incas também estão presentes nesse povo e mais, permanecem até hoje. É uma riqueza cultural que se perde por falta de conhecimento sobre o assunto.

Recomenda-se que no futuro repetir a pesquisa para ver se houve avanço e também que seja oferecido cursos e materias que realmente façam a História Africana e Afro-Brasileira serem realmente estudadas e trabalhadas dentro de nossa cultura brasileira, que se entenda que a cultura distante ajudou a forjar a nossa que conhecemos bem e achamos tão colorida.

 

REFERÊNCIAS

ABRAMOWICZ ,Anete et.al.Educação infantil, igualdade racial e diversidade : aspectos políticos, jurídicos, conceituais / Maria Aparecida Silva Bento, organizadora . -- São Paulo : Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT, 2012. Dispnível em< http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=11283-educa-infantis-conceituais&Itemid=30192>. Acesso em 18 de junho de 2019.

BENTO, Maria Aparecida. Carta aos profissionais da Educação Infantil. In: Educação infantil e práticas promotoras de igualdade racial / [coordenação geral Hédio Silva Jr., Maria Aparecida Silva Bento, Silvia Pereira de Carvalho]. -- São Paulo : Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT : Instituto Avisa lá - Formação Continuada de Educadores. Disponível em < https://www.avisala.org.br/wp-content/uploads/2015/06/revistadeeducacaoinfantil_2012.pdf>. Acesso em 19 de abril de 2019.

BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília : MEC, 1996. Disponível em Acesso em: 22/04/2017. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. acesso em 30 maio de 2019.

BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº 10639/03, de 9 de janeiro de 2003. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira". MEC, 2003. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>, Acesso em 21 de maio de 2019.

BRASIL, Ministério da Educação. Educação anti-racista : caminhos abertos pela Lei Federal nº 10.639/03 / Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade. – Brasília : Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005. Disponível em < https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000143283>. Acesso em 18 de maio de 2019.

BRASIL, Ministério da Educação. Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais dara Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana. Brasília, 2009.Disponível em : Acessado em 22 de abril de 2019.

BRASIL.Ministério da Educação. Orientações e Ações para Educação das Relações Étnico-Raciais. Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.. Brasília: SECAD, 2006.

EDUCAÇÃO infantil e práticas promotoras de igualdade racial / [coordenação geral Hédio Silva Jr., Maria Aparecida Silva Bento, Silvia Pereira de Carvalho]. -- São Paulo : Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades - CEERT : Instituto Avisa lá - Formação Continuada de Educadores, 2012.

FORMAÇÃO inicial, história e cultura africana e afrobrasileira: desafios e perspectivas na implementação da Lei federal 10.639/2003 / Guimes Rodrigues Filho, Cristiane Coppe de Oliveira, João Gabriel do Nascimento, organizadores. -- 1. ed. -- Uberlândia, MG: Editora Gráfica Lops, 2012.Disponíve em.Acessa-do em 12 de abril de 2019.

 

[1] Pós graduanda no Curso de História e Cultura Afro-Brasileira. Faculdade Leonardo da Vinci. E-mail: [email protected]

[2] Mestre em Educação, professora orientadora na Faculdade Leonardo da Vinci. E-mail:[email protected]