A JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO CONCEITO PUNITIVO DE DIREITO PENAL
Por FRANCISCO BRUNO MARTINS DE ANDRADE | 22/08/2020 | DireitoA JUSTIÇA RESTAURATIVA COMO NOVO CONCEITO PUNITIVO DO DIREITO PENAL.
FRANCISCO BRUNO MARTINS DE ANDRADE[1]
MARCELO SCHNEIDER MESQUITA DE AGUIAR
LUIZ ALEANDRO DE SOUSA ALCÂNTARA
Resumo:Este trabalho surgiu da necessidade de apresentar uma nova face do Direito. Urge abordar uma maneira de resolver o ato infracional que não seja a culpabilização. A possibilidade de trabalhar o conflito com diálogo, onde o causador do dano fale com a vítima e se responsabilize verdadeiramente. O presente estudo tem por objetivo central analisar e desmembrar minuciosamente a justiça restaurativa e o novo modelo de punição que existe por trás desse método, tangenciando seus sentidos formais, de modo que seja estendido um novo sentido de justiça punitiva sob a ótica de qualquer agrupamento humano, em qualquer ponto geográfico ou lugar do Brasil, alongando-se no novo ordenamento jurídico pelas mais diversas áreas. A relação causa-consequência apresentada está alinhada a noção de reparar o dano em um processo colaborativo, trazendo uma solução para a ofensa. Trata-se de uma pesquisa teórico-bibliográfica e documental, onde se tornam explicito a aplicação do método, as evidências que possui e a arguição das vantagens dessa sistemática no Direito Penal. Desenvolvendo, então, os principais acontecimentos históricos-sociais para a adoção e adaptação da justiça restaurativa. Por conseguinte, é indispensável o implemento de políticas institucionais no amparo as vítimas, observando-se que o implemento desse método é ainda muito recente e precisa de uma vasta explanação sobre o que realmente defende e pratica. Este fenômeno deve ser entendido como uma nova formula de reestruturação social tanto para a vítima como para o causador do ato. Nessa senda, o trabalho propõe apresentar e analisar a justiça restaurativa como meio de solução para a crise do judiciário e para uma possível reforma do sistema punitivo.
Palavras- chave:Direito Penal; Restauração Social; Sistema Punitivo; Justiça Restaurativa.
Abstract:This work arose from the need to present a new face of the Law. It is urgent to address a way of resolving the inflationary act other than blame. The possibility of working the conflict with dialogue, where the cause of the damage speaks to the victim and truly blames himself. The main objective of this study is to analyze and dismantle thoroughly the restorative justice and the new model of punishment that exists behind this method, tangentiating its formal senses, so that a new sense of punitive justice is extended from the perspective of any human grouping , in any geographical point or place of Brazil, extending in the new legal order by the most diverse areas. The cause-consequence presented is aligned with the notion of repairing the damage in a collaborative process, bringing a solution to the offense. It is a theoretical-bibliographical and documentary research, where the application of the method, the evidence that it possesses and the argument of the advantages of this systematic in the Criminal Law becomes explicit. Developing, then, the main historical-social events for the adoption and adaptation of restorative justice. Therefore, it is indispensable to implement institutional policies in support of victims, observing that the implementation of this method is still very recent and needs a broad explanation of what it really advocates and practices. This phenomenon must be understood as a new formula of social restructuring for both the victim and the cause of the act. In this way, the paper proposes to present and analyze restorative justice as a means of solving the crisis of the judiciary and for a possible reform of the punitive system.
Keywords:Criminal Law - Social Restoration - Punitive System - Restorative Justice.
INTRODUÇÃO
O Direito está sempre em constante mutação. Nos últimos anos, observa-se como grandes movimentos foram capazes de abrir discussões acerca das mudanças de pensamentos sociais e incentivar incontáveis projetos de leis reformando o que antes se era considerado imutável.
Por conseguinte, a necessidade de abordar temas polêmicos vem crescendo e se tornando um mecanismo de ação para as diversas mutações. Entra-se então, no âmbito do objetivo central do trabalho, onde se especifica a mutação no sistema penal com essa nova forma de punição: a justiça restaurativa.
A escolha desse tema foi pela consideração, a começar de doutrinadores que se aventuraram ao assunto, de uma fora jurídica e social de modo a suscitar uma comparação entre duas formas de justiça punitiva e quanto o Direito se modicava a cada uma delas. Tendo em conta que as relações sociais dependem de um sistema que não só esteja focado em punir, mas em realizar políticas públicas para a integração dos que foram punidos.
O problema central identificado ao revisar a literatura foi a existência de diversos entraves em trazer para o centro das relações jurídicas a nova forma de resolução de conflitos posto que a sociedade já vem desde outrora com dispositivos teórico-metodológicos muito diferentes, quais sejam, a exclusão de direitos e liberdades sem nenhuma forma de integração social com a vítima, ou arrependimento verdadeiro e reparação do dano “frente a frente”.
Com o intuito de viabilizar tal premissa, o presente estudo propõe de maneira específica: apresentar o conceito e os fatos históricos correlacionados com a justiça restaurativa e a sua integração no sistema penal; explanar sobre fatores de risco, buscando um estudo aprofundado quanto a adaptação da justiça no Brasil e a comparação em outros países como forma de apresentar prós e contras; identificar a resposta principal para a indagação “ o que realmente busca restaurar?”; sublinhar através do resgate histórico as tradições conservadoras que ditaram a posição do sujeito e como ele deveria se desenvolver dentro do ambiente em que nasceu, como se desenvolveu e o porquê da necessidade de um novo método para sua restauração; individualizar a função de cada indivíduo, levando em conta sua escolha quanto a se submeter ou não ao método restaurativo e o quanto essa nova ideia pode prejudicar as vítimas ou ajuda-las.
No primeiro tópico, o conceito de Justiça Restaurativa é definido. A visão dispersa entre alguns doutrinadores sobre as constantes desvantagens para a mudança do método punitivo e vantagens para com, por exemplo, a solução da crise do judiciário, evitando a criação de novos processos e causando a resolução de um número maior de conflitos. É buscado, com isso, trazer a baila do que será maior aprofundado nos tópicos seguintes, no que se concerne aos princípios e procedimentos que estão em volta da Justiça Restaurativa.
Em seguida, o segundo tópico anuncia visões ampliadas sobre a restauração, tal como sua comparação tanto com a Justiça Retributiva, quanto com a aplicação em outros países e o funcionamento eficaz sob as punições.
O terceiro tópico, tendo por noção a finalização do projeto, está para mostrar como a legislação lida com o novo método, as situações onde a justiça restaurativa foi aplicada, se houve constrangimento ou realmente é eficaz e merece ser integrada realmente ao sistema penal. Tratar da observação de estudiosos, que se perguntam “a punição é a única maneira?” e por causa dessa indagação defendem o retorno social do réu para com a vítima, por fim abordar os crimes onde se possa usar da Justiça Restaurativa e o porquê de ainda não ser totalmente defendido esse método para qualquer crime cometido.
É imprescindível não abrir uma pauta de discussão sobre o quão vasto pode ser os danos causados a justiça, principalmente ao que corresponde ao âmbito penal, com a adoção total da restauração, mesmo que em crimes de menor potencial ofensivo. Demonstrar que a vítima não é apenas parte do processo, mas também sujeitos pensantes que arcam com uma carga emocional após sofrer danos causados por outrem.
Terá em mente, assim, que o Direito será o objeto mais utilizado nessa pesquisa, tanto atuante em favor da vítima, quanto para defender os direitos de quem praticou a ofensa. Mostrando os dois lados da balança sobre a Justiça Restaurativa, abrindo a pauta de possibilidades onde pode ser vantajosa ou não sua adoção integral.
DO HISTÓRICO LEGISLATIVO
Segundo Rafael Gonçalves (2009) o Direito punitivo foi referencia dos nossos antepassados que apresentavam soluções peculiares aos conflitos de sua época. Com isso, as resoluções de conflito foram sofrendo mutações, passando pelas gerações posteriores e chegando até o mundo atual. Seria uma adaptação aos tempos.
Gonçalves apresenta formas diferentes de resolução de conflitos entre os antepassados. No caso dos indígenas, por exemplo, que resolviam por meio do diálogo. Depois, sua observação textual já se encontra na década de 80, em outros países, “onde a análise e o conceito da lei são diferentes das normas que são aplicadas pelas instituições tradicionais.” Ou seja, aplicavam seus ensinamentos não só mostrando autoridade, mas apresentando a solidariedade ou outros modos de se resolver o dano sofrido.
O conceito de justiça restaurativa surgiu na Nova Zelândia, após ser criada uma lei dando as famílias sem recurso a oportunidade de criar seus filhos, garantindo conjuntamente a responsabilidade primária pelas decisões,aliados a outra forma de assistência, como mostra Rafael Gonçalves (2009).
A teoria da justiça restaurativa surgiu à mesma época em que essa legislação foi aprovada, porém logo tornou-se evidente que os valores de participação, reparação e reintegração à sociedade refletiam o novo sistema de justiça juvenil da Nova Zelândia. Em especial, observou-se no processo no grupo familiar um mecanismo eficaz que poderia ser aplicado dentro do sistema de justiça tradicional para prover novas alternativas e o melhor acesso à Justiça. (PINHO, 2009, p.16)
A realização da justiça reconstrutiva na Nova Zelândia deu ao país melhores resultados no que tange ao poder de polícia. Desenvolveram-se meios alternativo de responder as infrações de crimes de menor potencial ofensivo cometidos por jovens.
No Brasil, ainda se percebe a atuação quase unânime do modelo punitivo tradicional sob o modelo restaurativo. Segundo Rafael Gonçalves, a explicação para isso se encontra no fato de “limitar a vingança pessoal da vítima ou de suprir a debilidade desta”.
Apesar de a Justiça restaurativa no Brasil já não ser um assunto novo, pois foi introduzida no ano de 2005, como a explicação a seguir:
O Debate acerca da Justiça restaurativa foi introduzido no Brasil com a Carta de Araçatuba, redigida no I Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, realizado na cidade de Araçatuba, estado de São Paulo - Brasil, nos dias 28, 29 e 30 de abril de 2005, na qual delineava sobre os princípios da justiça restaurativa e atitudes iniciais para implementação em solo nacional. Logo após, foi ratificada pela Carta de Brasília, na conferência Internacional "Acesso à Justiça por Meios Alternativos de Resolução de Conflitos", realizada na cidade de Brasília, Distrito Federal, nos dias 14, 15, 16 e 17 de junho de 2005, já apresentando valores e princípios a serem aplicados no sistema brasileiro. Na mesma esteira, a Carta do Recife, elaborada no II Simpósio Brasileiro de Justiça Restaurativa, realizado na Cidade do Recife, Estado de Pernambuco - Brasil, nos dias 10, 11 e 12 de abril de 2006, ratificando as estratégias adotadas pelas iniciativas de Justiça Restaurativa em curso, bem como sua consolidação. (PINHO, 2009, p.16)
Torna-se indispensável registrar que o exemplo restaurativo no Brasil se difere dos modelos dos outros países, visto que o Brasil ainda precisa de muitas transformações legislativas para uma adaptação totalitária da justiça restaurativa e como esse modelo é um processo de vasta adaptação, éperceptível que ainda carece de muitas tangentes no que concerne a realidade brasileira.
O que se pode observar prontamente é que o grande obstáculo para a aplicação integral da justiça restaurativa é o aspecto cultural dos países em que se busca mais sua participação no conceito jurídico. No que tange a aplicação legal, seria uma parte muito romantizada, já que é de notório conhecimento que a adaptação sofre diversas modificações e sua pregação seria um risco.
Portanto, a justiça restaurativa, apesar de ser um modelo voluntário, ainda encontra muitos questionamentos contrários para sua implementação total. Mesmo que seja uma forma de resolver socialmente um conflito, buscando o arrependimento total do infrator, funcionando como um meio de mediação, entre vítima e réu.
Como se trata de uma discussão, além de jurisprudencial, doutrinária, o modelo restaurativo abre uma pergunta principal: o que busca restaurar? A partir desse questionamento, torna-se crucial citar as vantagens e desvantagens sobre a adoção desse novo modelo, principalmente quanto a adaptação no sistema penal brasileiro.
Nesse cenário, abre uma nova janela referente ao debate citado ao inicio do projeto. Para isso, se faz presente uma breve apresentação sobre o que a justiça restaurativa aplica no presente estado do Brasil, ou no que consiste, pelo menos a princípio. Para que em seguida apresente-se as vantagens e críticas mais importantes contra esse modelo.
É um processo que se usa da voluntariedade, informalidade e providencia um encontro entre as partes e uma inclusão social. No concernente ao encontro entre as artes, entende-se como ponto fundamental na efetivação do modelo restaurativo, já que a ideia central é sair do formalismo característico no sistema punitivo e solucionar de forma democrática o caso em pauta. Fazendo, por fim, a inclusão social, já que os indivíduos contribuem para todo o processo e resolução. Mostrando assim, a diferença ao que diz respeito ao sistema tradicional e sem aplicação da lei crua e imposição estatal. (BRANDÃO 2010)
Portanto, a princípio, o que se toma para devidos conhecimentos, é que o exemplo restaurativo busca uma resolução social para o dano, dando a vítima uma forma de perdoar o causador do dano em um momento de “acareação” informal, ou seja, sem uma pressão física ou legislativa. Fazendouma espécie de “arrependimento” e “perdão” entre o réu e o danoso, colocando em termos leigos.
Seria então cabível dizer que a adoção da justiça restaurativa implicaria uma quebra na legislação? Não, pois o modelo restaurativo busca uma forma mais suscita de solução de conflitos, mas não significa que o causador do dano sairá sem a punição justa para o ato infracional cometido. Apenas, com a adoção do modelo restaurativo, causaria uma diminuição na crise do judiciário, tendo em vista a diminuição de processos que podem ser resolvidos por meio da intervenção social que o modelo prega.
O modelo restaurativo se molda em fases. Segundo Rafael Gonçalves (2009) ela se divide em: escuta restaurativa, onde os elementos envolvidos ouvem sem julgamentos, cada um em um momento que é dito pelo mediador o que motiva as partes a encontrarem uma resolução para o problema, apenas por meio da escuta; o debate restaurativo, que consiste em um encontro para resolver o desequilíbrio de interesses entre as partes “Exige de todos a acuidade na percepção dos sentimentos e necessidades envolvidas, a fim de entender os reais motivos que ensejaram a conduta delitiva.” (GONÇALVES, 2009).
A mediação restaurativa, que é nada menos que um encontro entre as partes onde cada um credita no outro o porquê do litígio e o mediador imparcial ajuda na consensualidade entre as partes; mediação vítima-transgressor, “é um encontro restaurativo na qual são incentivadas, por intermédio do mediador imparcial, as partes o reconhecimento do problema, bem como sua reconciliação e responsabilização.” (PINHO, 2009), os círculos restaurativos, que em poucas palavras pode-se dizer que é uma reunião onde, por meio da confiança, respeito e responsabilização do dano, as partes possam entrar em acordo e resolver o problema entre si, onde o coordenador apresentará uma metodologia para mostrar o procedimento de reconciliação; câmaras restaurativas, onde é efetivado o acordo e já existe o reconhecimento por meio do causador do dano quanto à vítima e por fim as câmaras de família, sendo uma reunião para unir as partes.
Portanto, a justiça restaurativa é basicamente composta de princípios e valores. Dando ao sistema penal uma nova forma de lidar com as infrações e condutas punitivas. Apresentando o infrator, a vitima e a comunidade de forma consensual e praticando o respeito as ideias e condições postadas, dando as partes envolvidas o direito de revogar a qualquer momento, já que se trata de um processo que necessita da voluntariedade.
DA PRÁTICA NO BRASIL
O modelo restaurativo aparece nesse contexto como uma forma de amenizar a punição aplicada ao Direito Penal, trazendo o crime sob várias visões e várias formas de lidar com elas. Se sobrepondo aos elementos da justiça retributiva, trazendo outras formas elementares de aplicar uma sanção ao responsável pelo delito.
Enquanto na justiça retributiva o crime é contra a sociedade e o Estado a representa, no modelo restaurativo, o crime é contra a comunidade, a vítima e o infrator e gera um interessa de reparar e punir pelas pessoas que estão presentes no caso, tendo uma responsabilidade social. A justiça restaurativa também deixa a opção de se usar ou não do Direito Penal, colocando o foco para a conciliação e não para a punição ou “castigo”.
Juristas e estudiosos afirmam que a melhor forma para um sistema penal completo e livre de falhas, por assim dizer, seria a fusão dos dois modelos de justiça. Por um lado, deixando o modelo de arbitragem e privação de liberdade e ao mesmo modo não aplicando sanção liberal, mas justa ao delito cometido, mesmo que seja preciso uma ação social para a resolução.
Portanto, toma-se por conhecimento que os dois modelos de justiça possui extremos que não seriam adequados a uma adaptação para a realidade brasileira, por isso uma criação de um novo padrão de justiça punitiva usando da fusão de ideias seria o ideal para aplicar e gerar uma resolução para a crise do judiciário, para a reabilitação dos infratores e, principalmente, para satisfação social e pecuniária da vítima.
Importante frisar que no Brasil prevalece o princípio da indisponibilidade da ação penal e nos países que o sistema restaurativo é aplicado prevalece o principio da oportunidade, isso quer dizer que a abertura para conciliação e práticas alternativas é mínima e exige muita paciência para implementação.
A Constituição Federal de 1988 e a Lei 9.099/95, abriu portas para uma possível implementação da justiça restaurativa no Brasil, porém é perceptível que a adoção desse modelo ainda enfrente receios por parte de certos juristas e aplicadores da lei, mostrando ser compreensível o porquê de esse sistema estar há anos buscando uma maior aceitação no Direito Penal brasileiro, mas a utilização como método de resolução de conflitos ainda ser muito pequena.
A abertura de oportunidades desse sistema, mencionado no parágrafo anterior, diz respeito, por exemplo, a crimes de menor potencial ofensivo. Previsto na Constituição Federal, em seu artigo 98, toma-se conhecimento da seguinte redação:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de
causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. (BRASIL, 1988)
Dando, dessa forma, a oportunidade de transição da justiça penal formal, para um método restaurativo e conciliador. Nas palavras de Renato Sócrates (2007): “Pode-se dizer que o princípio da oportunidade passou a coexistir com o princípio da obrigatoriedade da ação penal.”
Portanto, compreende-se que o juiz pode se usar da transição para o modelo restaurativo em algumas ocasiões. A Lei 9.099/95 dá a oportunidade de aplicação restaurativa na fase preliminar do processo e até mesmo no procedimento sumaríssimo, desde que não tenha tido nenhuma tentativa de conciliação até aquele momento. (PINTO, 2007)
Existe outra maneira de aplicação da Justiça Restaurativa no Brasil, quando ocorre a suspenção condicional do processo. Ou seja, quando a aplicação da pena é afastada porque não houve sentença proferida. Nesse caso gera uma amplitude maior, já que quando diz respeito a suspensão
condicional do processo, também abrange crimes de médio potencial ofensivo, saindo da esfera apenas dos de menor potencial. Entende-se então que essa é outra opção de utilização do método restaurativo, desde que atenda as condições previstas na letra da lei
As exigências por meio dos juristas em desfavor da justiça restaurativa requerem um cuidado para a aplicação, porém em contra partida, existe o fator de que o modelo restaurativo vem trazendo bons resultados diante da crise que passa o judiciário, trazendo técnicas de mediação que não necessita de um processo formal e contando com a participação fundamental da vítima e do ofensor, como partes ativas e principais para realização do acordo, mediação ou conciliação.
DO MELHOR RETORNO SOCIAL
Urge, então, um contexto mais atual da atuação do Direito Penal no Brasil e o porquê de pensar na justiça restaurativa como algo que irá beneficiar tanto os envolvidos diretamente no processo como o sistema.
Há quem defenda e concorde que o tipo de justiça criminal atuante no Brasil é mais eficaz e tem mais funcionalidade que outros. Em verdade, inclusive apresentado anteriormente, sempre existem críticas e contra críticas para qualquer modelo de justiça que vier a ser adotado no meio legislativo.
Entretanto, o tópico em desenvolvimento será essencialmente para apresentar e discorrer sobre a crise do judiciário, as falhas na aplicação e interpretação da lei, bem como casos em que ela seria indispensável. Utilizando as “duas faces da moeda” para expor sobre o benefício da justiça restaurativa no atual cenário do Direito Penal, bem como as vezes em que a justiça em vigência será necessária.
Diante do exposto, inicia-se uma discussão sobre a eficácia da lei penal sobre os Direitos Humanos. Fazendo uso de uma abordagem mais introdutória e, logo em seguida, expandido um pouco mais para algumas espécies em caso concreto.
É inevitável ter notícias de crimes no dia a dia, a mídia e redes sociais sempre causa uma explosão de visualizações para crimes horrendos e impactantes que acontecem a todo momento pelo mundo. Todos os dias são
exibidos em horário nobre reportagens dos mais variados tipos de crimes. Tirando aqueles que não tem conhecimento e acontecem por detrás das câmeras. Ou seja, diariamente, centenas de cidadãos tem seus Direitos Humanos violados, seja com um roubo, um latrocínio, um homicídio ou estupro. Nesse cenário, inicia-se uma explanação sobre a legitimidade e eficácia do Direito Penal tradicional.
Qual modelo melhor se adapta às expectativas constitucionais voltadas à eficácia dos Direitos Humanos e efetividade dos Direitos Fundamentais, não só dos Indivíduos (Direito Fundamental à Liberdade e à Dignidade da Pessoa Humana), bem como da coletividade (Direito Fundamental à Segurança Pública), para que, na idéia da Proibição de Excesso – não tolerância aos desrespeitos e abusos do estado - aliada a Proibição de insuficiência – eficiência na prestação de segurança e não tolerância à impunidade - o Estado, que teria a função de solucionar os conflitos sociais, não seja o propulsor do aumento da violência e da criminalidade na sociedade contemporânea (BASTOS, 2015, p.1).
Vale lembrar que a função do Direito Penal é punir e disciplinar, aplicando a lei que demanda o caso em questão. Ou seja, o Direito Penal sozinho não garante a prevenção do delito, nem evita ou cria programas para nele intervir. É necessário um sistema que realiza uma junção dos ramos penais para realizar mais que a punição. Por isso a importância da criminologia, para lidar com a prevenção do delito. Douglas Bastos (2015, p.1) em poucas palavras resume exatamente que é necessário expressar: “Portanto, de nada adianta a resposta penal do Estado, se esta não for aliada às intervenções da e para a sociedade civil.”
Após a explicação anterior, muito se espera para destacar a atuação do Estado e as formas de se lidar com a aplicação da pena, e a ressocialização do apenado após o cumprimento. Porem, essa ressocialização está ligada ao sistema penal como um todo, atentando-se, desse modo, a falha presente na forma prática.
A importância do sistema penal para solucionar conflitos, amenizando e prevenindo delitos, se dá de forma equivocada após a prisão do ofensor. Esse equivoco vem desde os primórdios, onde o sistema carcerário se mostra a única solução e a sociedade faz com que seja o principal problema para a ressocialização.
O drama do encarceramento se dá as consequências do “depois”. Por falta de interação social e julgamento das pessoas, o ofensor após o cumprimento da sua pena (ou até no ato de cumprir), não é visto mais como merecedor de direitos, fazendo com que sejam colocados á margem da sociedade e sem espação para ressocialização mesmo após a punição de seu delito.
Uma solução para isso seria exatamente amenizar o encarceramento e buscar formas alternativas de punir o ofensor sem que as consequências fossem devastadoras para depois de cumprir sua punição. Uma evolução do
sistema penal e da própria sociedade, para poder evitar a pena privativa de liberdade, mas ao mesmo tempo, aplicar uma sanção que seja apta ao crime cometido.
A justiça restaurativa seria um método eficaz para a solução desses problemas. Porém, alguns doutrinadores afirmam que a aplicação desse modelo em casos de violência contra a mulher seria infundado. A mediação e o confronto entre vítima e agressor, muitas vezes, pode causar uma revitimização e dá a vítima uma insegurança e medo ao continuar com o processo. No caso em questão, a aplicação da Lei Maria da Pena não seria apenas punitiva, mas se enquadraria em forma de disciplinar o agressor e acudir as vítimas da violência, dando o amparo e a força que precisam
Se faz de um efeito dominó. Primeiro relata o crime, utilizando da mídia e algum meio de manipulação para que se faça acreditar que a parte mais frágil do sistema possa ser culpabilizada, logo em seguida a pressão social para com o ofensor ou causador do dano e, por fim, o julgamento no Direito. Ou seja, a lei é eficaz apenas para aqueles que estão frágeis a ela, poucas vezes alcançando as classes mais fortes.
Portanto, o que se pode tirar desse tópico é a importância da socialização dos indivíduos antes de um possível crime. Fazendo com que a sociedade aceite o “diferente” e as várias versões de pessoas que convivem no meio, aceitando como seu igual (inclusive defendido pela Constituição Federal, art. 5°, com o princípio da igualdade), tornando possível uma punição justa, mas que dê ao cidadão a oportunidade de mudar seu comportamento após o cumprimento da pena.
CONCLUSÃO
É inquestionável a discussão que ainda ronda o contexto completo da justiça restaurativa. Tanto em veias jurídicas como em cunho cultural. As críticas e pouca fé nesse modelo estão expostas em quase todos os projetos em que se conhece e estuda a justiça restaurativa.
Entretanto, o rebate aos malefícios que mencionam e acreditam também são fortemente expostos por defensores e juristas que tomam o sistema restaurativo como forma de melhor proveito jurídico.
A aplicação desse sistema também não possui lei independente e muito se utiliza da vontade do todo para a aplicação e, embora mostre todos os benefícios que possa trazer. A cultura do Brasil e a realidade em que se vive
ainda tornam esse modelo um pouco utópico. Por mais que em algumas cidades brasileiras já possa ouvir vestígios de adoção desse termo, sua aplicação integral ainda caminha a passos lentos e quase imperceptíveis.
Acontece que a tradicional justiça de punição continua sendo o meio mais fácil de chegar a culpabilização do real e ressarcimento da vítima, mesmo que desse modo as partes do processo sejam apenas instrumentos e não disponibilizam de nenhum direito de voz como a justiça restaurativa traz.
A implementação desse modelo precisa de uma administração e serviço eficientes, que estejam cem por cento voltados a prática de resolução de conflitos por meio da conversa e conciliação de todas as partes envolvidas, criando um senso de comunidade e aceitação de todos para todos.
Portanto, mesmo que seja uma infeliz constatação, a prática restaurativa integral apenas poderá ser uma realidade se começarmos a partir de certo ponto a mudar o pensamento cultural retrógrado, o preconceito que ainda reside na cabeça de quase todos os brasileiros e adaptar o sistema penal do Brasil para um modelo mais justo e sem desigualdade e nem regalias. Em outras palavras, é necessária uma evolução completa de vários pensamentos, ramos e raízes.
Indubitavelmente, a aplicação da justiça restaurativa no Brasil é possível. Até mesmo trazendo conceitos dos Direitos Humanos um pouco esquecidos pela justiça comum, envolvendo senso democrático, ampliando o principio da dignidade da pessoa humana, respeitando a cidadania de todos os presentes na sociedade e, principalmente, dando chances aqueles que são esquecidos pelo meio social. Criando novos parâmetros e uma melhora considerável nos números de processos judiciais, tal como na crise que vem assolando o sistema judiciário. Podendo inclusive, com a ressocialização e as politicas publicas que o senso comunitário traria, acontecer uma diminuição nos numerosos casos de violência que assolam o país nos últimos anos.
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[1] Graduando de Direito pela Faculdade Luciano Feijão. (brunoandradeloja@gmail.com)