A JUSTIÇA QUE CANSA E CONSTRANGE

Maria Eunice Gennari Silva

 

- Bom dia. A Dona Justiça está?

- Bom dia. Não. Ela ainda não chegou.

- Então, ela ainda vem?

- Pode ser que sim, pode ser que não.

- Hummm... pode ser?

- É isso aí. É só com ela? A secretária dela não resolve?

- Não. É com ela que eu preciso falar.

- Faz o seguinte: senta ali naquele banco e espera um pouco. Quem sabe ela vem hoje.

- Tudo bem.

 

- Olha, eu esperei muito. Não dá mais. Tenho que trabalhar. Volto à tarde.

- A senhora é quem sabe. Mas volta só depois das duas da tarde. Antes, nem adianta.

- Tudo bem, até mais tarde.

- Até mais tarde.

 

- Boa tarde.

- Ah, a senhora voltou? Boa tarde.

- E aí, a Dona Justiça já chegou?

- Infelizmente, não.

- Mas ela vem, né?

- Olha, a gente espera que sim.

- Melhor sentar, então.

- Isso. Senta e se quiser uma aguinha, tem bebedouro ali no corredor, mas precisa arrumar um copo.

- Não se preocupe. Não estou com sede de água...

 

- Meu senhor, será que dá pra ver se ela chegou. Quem sabe ela entrou por outra porta e o senhor nem viu?

- Não, ela não chegou mesmo. Quando ela chega, a gente fica sabendo na hora, porque tem que aproveitar, rapidinho, pra entregar e falar muita coisa pra ela. Sabe como é, né?

- Se sei. Eu também tenho a mesma necessidade. Fazer o quê, né? Mas, olha, não dá mais. Estou sentada há mais de hora e meia. Amanhã eu volto. Até.

- Até amanhã. E não esquece que a gente só abre às 10 horas.

- Falou!

 

- Bom dia.

- Bom dia. A Dona Justiça já chegou?

- Não.

- Mas pode ser que ela venha ou não, né?

- É isso aí.

- Então, vou sentar e esperar.

- Tudo bem. Fique à vontade. Quando e “se” ela chegar, eu aviso.

- Ok.

 

- Cansei. Volto à tarde.

- A senhora é quem sabe. Até à tarde.

- Até.

 

- Boa tarde.

- Olha, ela não chegou, mas não desanima não.

- Já sei. Pode ser que ela venha e pode ser que ela não venha.

- Isso mesmo.

- Então, vou sentar e esperar. Hoje eu trouxe uma revista, palavras cruzadas, gibi e copo descartável.

- É isso aí. A senhora já assimilou o sistema. E como ele funciona também.

- Que pena, né?

 

- Minha senhora, desculpe, mas não tenho boas notícias. Acabaram de me informar que a Dona Justiça entrou de férias.

- De novo?

- E ela só retorna daqui 3 semanas. Então, a senhora marca direitinho no calendário e quando voltar, venha o mais cedo possível. Quem sabe dá certo?

----------------------

O diálogo acima faz parte de um livro já se encontra no final da sua redação. Em seguida, vai para a gráfica onde serão editados 800 exemplares, com ajuda financeira de amigos. O livro não será comercializado, mas doado em praça pública, para quem comprovar ser estudante do curso de Direito.

O objetivo é de que o aluno do curso de Direito passe a se questionar a respeito de posturas, cada vez mais, distantes e desacreditadas pela sociedade.

Entre os vários questionamentos, é sugerido, ao aluno, que ele pergunte se, depois de formado, valerá a pena exercer uma profissão que exige objetividade do cliente, enquanto que ele (o cliente) não recebe retorno na mesma proporção. O que justifica o título “A justiça que cansa e constrange”.

Cansa, porque que ela (a justiça) não te atende no tempo que você espera e precisa para, inclusive, não adoecer. Constrange, porque nas idas e vindas, em busca de quem pode, de fato, lhe socorrer, somos vistos e rotulados de cansativos e insistentes. E na condição de idoso, num país onde o respeito e a tolerância não fazem parte da educação de muitos, fica ainda mais constrangedor. Ou seja, buscar informação sobre um processo do seu interesse, acaba gerando mal-estar, como se você estivesse atrapalhando o atendimento a outras pessoas.  

Como testemunha de práticas consideradas “legais”, tenho presenciado algumas aberrações que, na maioria das vezes, ficam soltas no ar, mal explicadas e, pior, sem respostas objetivas. O mais comum, infelizmente, é o “jogo do empurra ou aguarda”. Ou seja, ora de um para outro profissional (que resolve, ou não, conforme sua importância na hierarquia garantida pelo Direito Constitucional), ora de um funcionário subalterno que recebe ordens e tem que cumpri-las, custe o que custar.

Funcionários que, também, te atendem conforme o humor do dia. Ora ficam até com vergonha de te encarar, ora revelam a sua agressividade, depois de um dia exaustivo, respondendo o que não querem e nem sabem direito. E assim vai. Acaba mês, começa mês.

À noite, quando ponho a cabeça no travesseiro, vem à memória as inúmeras tentativas para resolver pendências que se arrastam há anos. Então, o que espanta e entristece é a certeza de que amanhã começa tudo de novo e, possivelmente, sem nenhuma novidade. Afinal, as informações e orientações nem sempre procedem. Há uma falta de coerência entre as falas dos profissionais. E, pasmem, todos respaldados na facilidade com que se ajeita a “interpretação” da lei. Mais uma vez, conforme a disponibilidade e interesse de cada um.

A gente sabe que, nessa histórica acomodação perversa da justiça, felizmente, cresce o número de profissionais interessados em mudanças rápidas. Mesmo que em número pequeno, já se pode contar com os que exigem tomadas de decisões, em relação à ética e a moralidade. Tudo graças ao desconforto provocado por escândalos que envergonham o país. Mas, por pior que sejam, eles continuam vindo à tona.

Nesta visão, o texto pretende provocar a existência de uma justiça que não cansa e nem constrange. Uma justiça que cumpra o seu propósito de atender a sociedade, utilizando critérios imparciais e coerentes com seus princípios.

Assim espero para as próximas gerações.