Poucos, talvez, afora os operadores do Direito, tenham percebido o quanto o silêncio tem elevada importância para a coletividade e para o indivíduo, ganhando foros de juridicidade e acarretando implicações diversas. 

Tal qual à garantia constitucional da liberdade de expressão, o silêncio é uma manifestação da vontade, apresentando, assim, uma função jurídica e sociocultural indispensável do ponto de vista individual e coletivo. Sem ele, por exemplo, torna-se difícil ler e meditar numa Biblioteca Pública; com ele a convalescença, em hospitais, encontra forças. Num minuto de silêncio, é possível fazer um protesto político ou reverenciar ou homenagear alguma personalidade ou fato de repercussão histórica. Com o silêncio, o indivíduo pode encontrar a paz consigo próprio e refletir sobre o mundo em que vive. Ele pode ser útil à prudência balizando a liberdade de expressão. 

 Todos nós temos o direito ao sossego quando estamos em nossa casa. Muitos dos problemas atuais de convivência social decorrem do barulho originado na propriedade do vizinho ou na via pública. Imagine o alto volume do equipamento de som no imóvel ao lado, a reforma do outro vizinho que vai noite adentro, grupos musicais ensaiando, o sino da igreja em altas badaladas etc. Nesses casos, a falta do silêncio ou da moderação do barulho dá margem à poluição sonora que se tornou um dos grandes problemas ambientais nos grandes centros urbanos, tornando-se numa questão de saúde pública. 

 As modestas observações aqui lançadas visam trazer à tona um instituto pouco abordado na seara jurídica, não tendo, assim, a pretensão de firmar dogmas a respeito, mas tão somente propiciar uma discussão sobre o tema à luz do Direito. 

O silêncio, como manifestação da vontade coletiva e individual, tem relevância jurídica, produzindo efeitos que afetam tanto o direito objetivo quanto o subjetivo. Aquele diz respeito ao ordenamento jurídico e este ao direito ou faculdade individual. Nessa perspectiva, importa-se assimilar, juridicamente, o silêncio não somente como ausência de expressão oral, mas também como não-agir. 

 Assim sendo, destacamos, de início, que o silêncio poderá ser o responsável pelo ingresso de uma lei no mundo jurídico. É o que se depreende do parágrafo terceiro do art. 66 da Constituição no qual o silêncio do Presidente da República importará sanção da nova lei. Se o Presidente da República deixar o prazo se exaurir sem praticar o ato formal da sanção, a lei produzida pelo Congresso Nacional entrará, automaticamente, no mundo do Direito Objetivo. 

 No plano do direito ou faculdade subjetiva, o silêncio produz efeitos de ordem material ou processual. No primeiro caso, é elemento da vontade que pode entrar na formação dos negócios jurídicos, acarretando ao indivíduo uma obrigação contratual em certas circunstâncias especiais[1]. Veja a lição do civilista Sílvio Rodrigues: Excepcionalmente, entretanto, tem-se admitido a função vinculadora do silêncio quando, em virtude de circunstâncias especiais, a inércia de uma das partes deve ser compreendida como aceitação. Diz-se, então, ocorrer silêncio circunstanciado ou qualificado.” ( In: Direito Civil – Dos contratos e das declarações unilaterais da vontade, volume 3, 30ª edição, Ed. Saraiva, 2007, pág. 68.) 

Por outro, pode o silêncio induzir a invalidade do negócio jurídico, viciando a manifestação da vontade e impondo ao seu autor uma responsabilidade civil pelos danos eventualmente causados. Nesse sentido, dispõe o Código Civil, nos artigos 147 e 150. Também, na teoria dos vícios redibitórios, o silêncio intencional produz consequências jurídicas ao alienante[2]. 

Mas, o Código Civil prevê o silêncio culposo? Sim, conforme se depreende da leitura do art. 186, que alcança a ação ou omissão, decorrente de dolo, negligência, imperícia ou imprudência, sendo estas últimas modalidades culposas a caracterizar o ato ilícito. 

É possível se vislumbrar, portanto, no campo do Direito Civil, a existência do silêncio doloso ou voluntário e o culposo. Aquele afeta fato ou qualidade do negócio jurídico ou a boa funcionalidade da coisa alienada e o segundo pode dar causa a violação do direito; ambos demandam, em comum, a reparação pelos danos causados.  

Na ótica do Direito Penal, o silêncio, em certos casos, pode ter relevância na configuração do fato típico. Em algumas hipóteses, percebe-se que se constitui uma clara omissão dolosa,  um não agir como meio de se alcançar o resultado pretendido. É o que se observa em certas condutas como a da apropriação indébita(art. 169), do estelionato(art. 171), da falsidade ideológica(art. 299), da prevaricação(art. 319 e 319-A), da condescendência criminosa(art. 320), etc. 

No processo penal, o silêncio leva-se a presumir a inocência, garantindo a liberdade individual. Aquele que for indiciado em Inquérito Policial ou acusado em Processo Penal tem o direito de ficar calado. As esferas Policial e Judicial não podem cercear-lhe tampouco julgar prejudicado quem o exercitar. Ninguém é obrigado a produzir provas contra si e o envolvido no crime é considerado inocente até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. (o art. 5º, da CF/88: “LVII e LXIII)

Mas, cuidado se deve tomar para não ficar calado quando se estiver na condição de testemunha ou de parte litigiosa. 

A testemunha tem a obrigação legal de responder ao que lhe é indagado, quando compromissada de falar a verdade. Sem motivo justo amparado pelo ordenamento jurídico, a testemunha que ficar calada, quando indagada sobre o que viu ou ouviu, poderá responder por crime de falso testemunho. Isso porque calar-se constitui elemento constitutivo do delito previsto no art. 342 do CP[3]. 

 Ao se demandar alguém ou se for demandado em juízo, deve-se responder sempre, afirmativa ou negativamente, ao que for perguntado ou se manifestar quando necessário; do contrário, pode ser considerado revel ou serem os fatos alegados presumidos verdadeiros. Vislumbra-se aí o velho brocardo popular de que “quem cala, consente”. Assim, fala o Código de Processo Civil, nos artigos 319, 343§1º e 345. 

Nesse viés, ao contrário do ocorre no Processo Penal, em que o silêncio não representa confissão, no Processo Civil, esse efeito poderá ocorrer por expressa previsão legal.

Portanto, do pouco que aqui fora descortinado, deixa-nos claro que o nosso silêncio vale ouro, requerendo prudência para sua manifestação, uma vez que não só juridicamente gera efeitos como socialmente pode nos comprometer, pois 'quem cala, consente'.

      



  1. 1.         Art. 111 do Código Civil: “ O silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa.”

[2] Art. 443, do CC.: “Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.”

[3] Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.”