Os trens de passageiros fizeram parte da história de minha geração no interior de São Paulo. O estado é cruzado por muitas ferrovias e as viagens, embora demoradas, eram quase sempre muito agradáveis.

Quando se viajava sozinho, era muito gostoso sentar-se à janela e deixar o pensamento fluir da mesma forma que os quadros da paisagem se sucediam, embalados pelo som ritmado da passagem dos truques pelas junções dos trilhos.

Uma das provas do sucesso dos trens é que eles nunca vinham vazios. Às vezes estavam cheios, outras vezes, lotados e o jeito era viajar em pé.

Fiz muitas viagens de trem a partir de Bauru. Algumas para o pedaço de Mato Grosso que nem era do Sul ainda, outras para São Paulo e muitas para Campinas, como estudante, às vezes com outros colegas.

Quando se estava em grupo, tudo era festa! Tanto faz estar sentado ou em pé. Íamos conversando, rindo, andando pelo trem quando era possível e a viagem passava logo. Quando se estava sozinho, entretanto, encarar em pé a viagem entre Bauru e Campinas não era uma experiência agradável, mesmo para um hígido soldado. Acreditem! Já fui isso!

O Trem vinha lá das barrancas do Rio Paraná. Atravessava todo o Estado, passando por muitas cidades com destino à Estação da Luz em São Paulo. Em Bauru, muita gente embarcava e desembarcava. 

As janelas costumavam ficar abertas. Era comum que as pessoas, da plataforma, ao verem alguém sozinho num banco, pedissem para guardar o lugar vago para um conhecido que estivesse embarcando. Foi o que minha mãe fez certa vez, ao ver uma japonesinha sentada sozinha. Pediu que guardasse para mim o lugar a seu lado, no que foi atendida.

Embarquei e ocupei o lugar que me foi reservado.  Minha mãe permaneceu junto à janela do trem para trocarmos as costumeiras palavras de despedida. Entre ela e eu, assim, quase cara a cara, a alma gentil que me guardou o lugar.

Aproveitando para me ajudar a iniciar um bate papo com minha companhia de viagem, ela dizia “agradece ela!” e eu não encontrava uma palavra para dizer. Ela repetia “agradece ela!”  e eu continuava mudo. Minha timidez mastodôntica já era bem conhecida. Dessa vez, porém, devo ter deixado a ideia de que o adjetivo mastodôntica era insuficiente para qualificá-la.

Alguns minutos se passaram e finalmente o trem partiu. Minha mãe, com os olhos de sempre, já estampando saudade, me acenava. Dessa vez, porém, um pouco mais feliz, por ter conseguido um lugar para eu viajar sentado e, de quebra, na companhia de uma bela japinha.

Os orientais também costumam ser pessoas tímidas de recatadas. Acho que isso fez com que sequer encontrássemos uma forma de nos cumprimentarmos e de dizermos pelo menos nossos nomes um ao outro. Passei muito tempo pensando numa forma de quebrar o gelo, falar alguma coisa, mas nenhuma palavra me vinha à cabeça. Cheguei a sentir vontade de mudar de lugar, caso houvesse outro assento vago, mas não havia. O jeito era ficar por ali mesmo, quieto, convivendo com a timidez incômoda e esperando a viagem terminar.

Nas cinco horas do trajeto não consegui sequer olhar para o lado. Ficamos os dois calados o tempo todo. Chegando em Campinas desembarquei aliviado, ainda bloqueado pela timidez. Não consegui sequer pedir desculpas ao japonês cabeludo pelo terrível equívoco cometido por minha mãe. Só ela conseguiu ver naquela criatura uma bela japinha!