JANELA MÁGICA.

Ellen caminhava lentamente por um sombrio e imenso corredor que dava acesso a salas de questões jurídicas. Ela buscava solucionar problemas dessa natureza naquela manhã triste e chuvosa. Seu coração estava extremamente apertado como se estivesse vestido com uma calça jeans muito justa. No entanto não era aquele procedimento de conciliação daquela audiência que a inquietava. Eram pensamentos mais distantes de toda aquela burocracia entediante, era uma inquietação que nada tinha a ver com seus problemas econômicos ou sociais.  Era algo mais íntimo, particular. Entrou na penúltima sala afim de adquirir informações, porém a moça que estava na recepção ao perceber que alguém se aproximava, saiu à francesa e sentou-se para conversar futilidades com uma colega de trabalho. Ellen não queria acreditar no que seus olhos podiam ver, acabara de ser totalmente ignorada por uma completa estranha sem motivo aparente. O único pensamento que lhe veio à mente foi sua invisibilidade social, sobre seus ombros sentiu o peso de ser apenas mais uma pessoa comum e ela sabia que muita gente desvaloriza quem não ascendeu a algum cargo de “status” elevado e de remuneração atraente.

Naquela manhã era muito fácil ser pessimista, embora esse nunca foi o jeito de ser dela. Ellen sempre lutou ferozmente contra qualquer pensamento desse tipo, definitivamente vitimismo não era seu “hobby” muito menos fazia parte de seu cotidiano. No entanto a luta daquele dia estava mais sofrida e parecia estar perdida também. Com voz fraca e um tanto rouca ela fala mesmo sem ver a recepcionista, apenas sabendo de sua presença camuflada atrás de prateleiras de arquivos:

_ Bom dia, eu gostaria de uma informação. Após libertar essas palavras permanece por alguns segundos aguardando alguma resposta enquanto seus olhos se abrem mais com a intenção de ficarem mais atentos a qualquer movimento. Nada acontece. Ela agora puxa mais fôlego e com a voz com tom mais forte repete a frase anterior, mas sem sucesso. Vira que era inútil buscar informação ali, então se retirou da lá e seguiu até a última sala. Chegando lá, dirigiu-se até um rapaz com quem ela pôde enfim ter alguma informação. Ela descobriu que estava na sala correta agora e que nada mais podia fazer senão aguardar.

Sentou-se em uma das poucas cadeiras desocupadas que ela escolhera por estar bem próxima da janela gigante de vidro. Procurou a posição mais confortável e abriu a bolsa buscando seu celular e fones de ouvido. Fez uma breve seleção de músicas tranquilas e pôs-se a ouvi-las. Olhou, avistou do seu lado direito o demandante da causa que ela fora resolver. Ele a observou ao mesmo tempo que ele e, rapidamente, ele virou a face na direção oposta a dela como se quisesse mostrar que não estava ali como amigo, mas como rival. Ellen ignorou completamente aquele gesto dele, o qual julgou até imaturo, embora ela pouco se importasse com o nível de imaturidade dele. Na verdade, nada dele a interessava, ela só queria resolver logo aquele impasse para poder seguir com sua vida e pensar nas decisões que ela precisava tomar.

Ela voltou seu olhar novamente para aquela grande janela de vidro transparente enquanto se deliciava ouvindo canções e assistindo às lembranças mais recentes que ela guardara em sua mente. Fitou a janela e começou a observar aquele vidro “mágico” que lhe trazia imagens que só existiam porque era ela quem estava olhando. Ela sabia disso, e continuou a olhar mesmo assim. Até achou interessante poder ver o que ninguém naquele lugar frio e sem sentimentos conseguia ver. Talvez não fosse culpa daquelas pessoas não poderem ver o que era tão óbvio, talvez até aquelas pessoas um dia já tenham olhado por aquele janelão e tenham visto tudo que Ellen estava vendo, porém podem ter cansado de olhar e admirar as mesmas coisas todos os dias, ou talvez essas pessoas já estivessem lá há muito tempo e já tivessem até esquecidas do quanto a imagem que era trazida por aquela janela era bonita. Para Ellen era um completo desperdício ter tal imagem e não contemplar. O belo só existe para ser apreciado, adorado!  

Passaram-se mais trinta minutos de espera e ela permanecia naquela mesma cadeira a delirar em frente ao vidro mágico. Era como se o mundo naquela hora não importasse mais para ela, a única coisa que ela se importava, naquele instante, era visualizar os sentimentos que ninguém ali a não ser ela, poderia ver e sentir. A chuva, que havia cessado, agora retomava o seu espaço naquela manhã mostrando sua força majestosa ao cair com toda sua brutalidade primitiva que causava um forte barulho no momento que batia impiedosamente no teto. Ellen olhou mais uma vez admirada para o que via lá fora, o que já era belo tornou-se ainda mais após a nova cor que a chuva dera a tudo que ela via.

Uma voz na caixinha de som presa à parede traz uma informação de que era hora de Ellen entrar na sala, pois a audiência iria começar. Ela levantou-se em direção à sala com um olhar de pesar por ter de desligar a música e se desligar daquela janela. Mas sabia que era necessário passar por aquele momento chato. Respirou fundo e entrou na sala logo depois do demandante. Sentaram-se para fazer o acordo formal. Houve uma conversa muito tensa por parte dele, mas ela conduzia tudo de forma muito calma e racional. Quem a observasse acreditaria certamente que ela estava totalmente ali, concentrada e portando muita clareza dos fatos. No entanto, era como se pudesse coexistir duas pessoas ao mesmo tempo em apenas um ser. Sendo que a pessoa que estava ali poderia mais ser comparada a uma programação de computador para solucionar um caso de vírus enquanto o programador está ocupado resolvendo outras tarefas que necessitam de fato da presença dele.

Tudo seguiu tão bem, tão natural que fez o demandante mostrar sua aflição diante de sua impotência para conseguir o que queria. Ele que chegara tão hostil e arrogante, agora se via obrigado a aceitar os fatos, pois a última instância era aquela: a justiça. Após os papéis terem sido devidamente assinados, ele saiu com a fúria de uma ventania arrastando a cadeira e batendo forte a porta. Ellen mais uma vez respirou profundamente, mas dessa vez a sensação foi de alívio. Ela sabia que pelo menos uma questão ela tinha resolvido, embora soubesse que a caminhada ainda seria muito longa. Mas dentro dela não havia medo de enfrentar nada, ela aprendeu cedo a lidar com situações difíceis.

Regressou até a primeira sala, a sala do janelão. Foi em direção a ele e viu que mais uma vez a chuva tinha cessado. Agora as imagens não estavam mais lá, ela sabia que não as poderia ver mais ali. Agora ela teria de seguir em frente se quisesse voltar a vê-las. Sorriu enquanto seus olhos choviam e uma grande ausência esmagou seu peito. Apertou os lábios projetando-os para dentro de sua boca sentindo o sal de suas lágrimas. Ellen sentia que nada seria mais difícil do que viver da dor da saudades.

 LIMA, Luciene Aragão.