Juliana Fernanda Mafra Soares

O presente trabalho visa debater a problemática da inversão do ônus da prova no processo penal a partir da análise de um caso prático no qual determinado empresário ao tomar conhecimento da nocividade e risco de determinado produto após colocá-lo no mercado não comunicou o fato aos consumidores e nem mesmo às autoridades competentes, desrespeitando o que prevê o Código de Defesa do Consumidor.

Não houve composição civil de danos com os consumidores e nem mesmo transação penal com o Ministério Público. Desta forma, foi denunciado pelo crime previsto no artigo 64 do Código de Defesa do Consumidor e condenado.

Vale ressaltar que o Ministério Público baseando-se no que o CDC assegura em relação à inversão do ônus da prova, não apresentou provas para comprovar que o empresário realmente cometeu este crime, contudo, mesmo assim o empresário foi condenado. 

2 DESCRIÇÃO DAS DECISÕES POSSÍVEIS 

  • O juiz não agiu corretamente

  • O juiz agiu corretamente 

2.1  ANÁLISE DAS DESCRIÇÕES POSSÍVEIS 

  • O juiz não agiu corretamente 

- Primeiramente, é necessário fazer breves considerações a respeito do princípio da presunção de inocência.

- O princípio da presunção de inocência encontra-se disposto no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal e dispõe que: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, diante disto fica nítido o erro cometido pelo juiz pois ao condenar o empresário, anuiu com a possibilidade de inversão do ônus da prova, alegada pelo MP, o que de fato viola ferrenhamente o princípio aqui exposto pois ele “tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa (NUCCI, 2013, p. 90) ” e invertendo tal ônus presume-se que o réu é culpado.

- Não cabe aqui a inversão do ônus da prova, pois o artigo 6º, inciso VIII, do CDC diz expressamente que caberá inversão somente no Processo Civil e a conduta do empresário incorre em crime que será julgado nos ditames do Processo Penal. Vejamos: “Art.6º, VIII, CDC – A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”

- Jean Marcelo ao citar o autor Gustavo Badaró nos alerta para o fato de que não devemos confundir o ônus da prova com interesse em provar determinado fato. “O acusado não tem o ônus de provar a existência da excludente de ilicitude, nem mesmo o ônus de gerar dúvida, mas tem interesse em provar a sua ocorrência. Sendo o ônus da prova uma regra de julgamento, que somente deve ser utilizado no momento decisório, ante a dúvida do juiz sobre fato relevante, é evidente que o acusado tem interesse em provar que a excludente efetivamente acorreu. Demonstrou a existência da excludente, a sentença será absolutória, não sendo sequer necessário recorrer às regras sobre ônus da prova. Este interesse, contudo, não se confunde com ônus de prova (BADARÓ apud. MARCELO, 2009)”

- O artigo 156, do CPP assegura que “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer”, portanto, é ônus tão somente do MP provar a existência do crime. 

  • O juiz agiu corretamente 

- Para fundamentar este posicionamento é importante salientar a distinção entre provas e elementos informativos

- Renato Brasileiro (2014, p.550) faz a seguinte diferenciação: “A palavra prova só pode ser utilizada para se referir aos elementos de convicção produzidos no curso do processo judicial e com a necessária produção dialética das partes sob o manto do contraditório e da ampla defesa (...) Por outro lado, elementos de informação são aqueles colhidos na fase investigatória , sem a necessária participação dialética das partes. Tais elementos são de  vital importância para a persecução penal, pois podem auxiliar na formação da opinio delicti do órgão da acusação.

- Diante da diferenciação feita acima pelo doutrinador Renato Brasileiro, podemos entender que no caso em tela, houve não a necessidade de produção de provas, mas dos elementos de informação e para tal, não exige-se o contraditório e a ampla defesa, eles por si só já auxiliam na opinio delicti do órgão acusador, MP que optou pela não apresentação de provas contra o réu.

- Pode-se ainda, se considerarmos que se trata de produção de provas e não de elementos de informação,destacar aqui que apesar do caso se tratar de um crime e este ter que necessariamente ser regido pelo Devido Processo Legal, a relação em decorrência da qual tal crime se originou consiste em uma relação de consumo e por conseguinte, pode-se fazer uma certa flexibilização, aplicando sim a inversão do ônus da prova previsto no artigo 6º, inciso VIII do CDC, que em regra admite esta inversão apenas no processo civil.   

- Gabriel Bacurau ao citar o autor Mendroni nos apresenta uma hipótese prevista na Lei 9.613/98, artigo 4º, §2º: “o juiz determinará a liberação dos bens direitos e valores apreendidos ou seqüestrados quando comprovada a licitude de sua origem”. Podemos entender tal hipótese como inversão do ônus da prova onde cabe ao acusado comprovar a licitude de seus bens. Ora, se a legislação faz tal previsão, pode o juiz, por analogia aplicá-la ao ocorrido no caso em questão por se tratar de uma relação de consumo que também prevê que haja esta inversão.

REFERÊNCIAS

BACURAU, Gabriele Vitorino. Inversão do ônus da prova em matéria penal. 2012. Disponível em : http://www.webartigos.com/artigos/inversao-do-onus-da-prova-em-materia-penal/83307/ . Acesso em 02 out 2014.

BRASILEIRO, Renato. Manual de processo penal. Volume único. Salvador: JusPodivm, 2014

MARCELO, Jean. O ônus da prova e a recente reforma do Código de Processo Penal Brasileiro. 2009. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=1775 . Acesso em 02 out 2014.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 10 ed. rev., atual e ampl.- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.