INTER CRIMINIS

A INTERVENÇÃO LEGAL NOS ATOS PREPARATÓRIOS E A POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO NA NTERPRETAÇÃO PENAL BRASILEIRA

Paulo Sérgio Ramirez Penna Marinho*

RESUMO

O presente tema versa sobre a possibilidade de alteração na interpretação da legislação penal brasileira, visando permitir a punição do crime ainda em sua fase de preparação, levando-se em conta as fases percorridas durante sua execução, ou seja, o "Inter Criminis".

Utilizando-se a metodologia dedutiva na análise do caminho percorrido até a configuração do crime e apoiando-se em pesquisas bibliográficas, documentais, além de legislação estrangeira, entende-se que:  o Direito Penal deve agir ainda na fase de atos preparatórios para considerar como tentativa imperfeita do crime a sua preparação frustrada. Essa ótica deve ser  calçada em provas concretas e devidamente autorizadas pela justiça que tem a disposição um aparato tecnológico a serviço das policias judiciárias incumbidas da repressão penal.

Palavras-chave: Atos preparatórios. Punição. Direito penal. Inter criminis. Tentativa.

INTER CRIMINIS

THE LEGAL INTERVENTION IN THE ACTS PREPARATORY AND THE POSSIBILITY OF ALTERATION IN THE BRAZILIAN PENAL INTERPRETATION

Paulo Sérgio Ramirez Penna Marinho

ABSTRACT

The present theme deals with the possibility of alteration in the interpretation of the Brazilian penal legislation, aiming to allow the punishment of the crime still in its preparation phase, taking the planed phases during its execution in account, in other words, the "Inter Criminis".

We used the deductive methodology in the analysis of the planed way until the crime configuration, and supporting in bibliographies researches, documental, besides foreign legislation about the theme, it understands the Penal Right should still act in the acts preparatory phase, considering like imperfect attempted of the crime its frustrated  reparation, since supported in concrete proofs and properly authorized by justice, enabled by the current technology available to judiciary police.

Key-Words: Acts Preparatory. Punishment. Penal Right. Inter criminis. Attempted.

INTRODUÇÃO

O objeto desse estudo é a crítica à sistemática de interpretação do início de execução do crime, levando-se em conta as diversas fases defendidas pela doutrina pátria no Inter criminis, tais como: cogitação, preparação, execução e consumação.

A grande maioria dos doutrinadores pátrios entende que no Direito Penal brasileiro a fase dita como cogitatórias e preparatórias não são passíveis de punição, uma vez que o crime não chega a ingressar na fase de execução. 1

Porém, a dificuldade reside exatamente nesse ponto: definir quando se inicia a fase de execução e quando se termina a de preparação. Assim, a doutrina vem digladiando-se em teorias infindáveis, propondo soluções para a questão, sem, contudo, chegar a uma conclusão satisfatória.

Analisando as diversas teorias a respeito do tema, conclui-se que uma solução razoável para a questão não é dividir em marcos o que vem a ser atos preparatórios e atos de execução, mas sim considerá-los como indissociáveis, de forma que os primeiros estejam contidos nos segundos.

Desta feita, possibilitar-se-ia um Direito penal atuante e eficiente, de forma a proteger o bem jurídico, diminuindo-se o risco de consumação do delito sem ferir a Constituição Federal, pois estar-se-ia atuando na forma como é interpretada a questão da definição de início do crime, uma vez que não se pode dissociar, de maneira segura, os atos preparatórios dos atos de execução.

O tipo penal continuaria intacto, e o binômio "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena prévia sem cominação legal", preceituado no inciso XXXIX, do art. 5o da Constituição Federal, permaneceria inviolado.

1 DO INTER CRIMINIS E SUAS FASES

 

É cediço que o inter criminis contempla as seguintes fases: cogitação, preparação, execução e consumação.

Bitencourt leciona sobre a cogitação:

[...] é na mente do ser humano que se inicia o movimento criminoso. É a elaboração mental da resolução criminosa que começa a ganhar forma, debatendo-se entre os motivos favoráveis e desfavoráveis, e desenvolve-se até a deliberação e o propósito final, isto é, até que se firma à vontade cuja concretização constituirá o crime. Essa fase é impunível. 2

 

1 BITENCOURT, César Roberto (2002); DELMANTO, Celso (1991); FRAGOSO, Heleno Cláudio (1978), dentre outros.

Concordamos  que a fase da Cogitação é, de fato, impunível, pois, apesar de toda tecnologia existente à disposição das  policiais judiciárias, não se consegue  adentrar na esfera da psique do criminoso, de forma que se possa desvendar o que ele planeja e, ademais, o início da materialização do crime sequer ocorreu.

É também Bitencourt que explica a fase da preparação:

[...] constitui-se dos atos preparatórios, os quais são externos ao agente, que passa da cogitação à ação objetiva; por exemplo: arma-se dos instrumentos necessários a pratica da infração penal, procura o local mais adequado ou a hora mais favorável para a realização do crime etc.  De regra, os atos preparatórios também não são puníveis. 3

Observe-se que o autor citado assevera: "de regra [...] não são puníveis".

Assim é porquanto alguns artigos do Código Penal Brasileiro preveem a punição dos atos preparatórios em determinados artigos, a saber: o art. 286 "incitação ao crime", o art. 288 "quadrilha ou bando", obs:. ( STJ – HC 216996/BA – 6ª Turma – [...] Com o advento da Lei n. 12.850/2013, foi dada nova redação ao artigo 288 do Código Penal, ocasião em que também foi reduzido o aumento previsto no parágrafo único. Assim, por ser lex mitior nesse ponto, deve retroagir para alcançar os delitos praticados anteriormente à sua vigência, por força do disposto no artigo 5º, XL, da Constituição Federal [...]. Relator: Rogério Schietti Cruz – Publicação 01.10.2014) , o art. 291 "petrechos para falsificação de moeda".

Também prevê punição para os atos preparatórios o art. 35, da Lei n°. 11.343/2006,

"associação para o tráfico de drogas", dentre outras.

Depreende-se que nesses casos, o legislador não espera que se verifique algum resultado, ele antecipa-se punindo o infrator, ainda nas fases anteriores à dita fase executória, ou seja, ele pune o projeto delituoso.

Entende-se  que a política criminal que pune os atos preparatórios é perfeitamente aplicável a todos os crimes que admitem a tentativa, devendo ser adotada como forma de proteger eficientemente o bem jurídico, sem esperar que o criminoso permeie todo o Inter criminis para poder atuar. Caso contrário, estar-se-á expondo o bem jurídico tutelado a um risco desnecessário, pois é forçoso admitir que o Estado "Polis" poderá não chegar à tempo de evitar mal maior.

Possibilitando-se a aplicação do Direito Penal, ainda na fase de atos preparatórios, corroborados por provas adquiridas com base na tecnologia atual, tais como gravações de vídeos, escutas telefônicas, quebra de sigilo bancário, infiltração de agentes, dentre inúmeras outras provas legalmente permitidas e autorizadas judicialmente, estar-se-ia adquirindo um maior poder inibitório contra as práticas criminais, além de se estar antecipando, no sentido de evitar que o crime ocorra em toda sua plenitude, ou seja, que ocorra seu exaurimento.

 2 BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 43. 3 Idem.

9

 

 Assim, pode-se afirmar, também, que com base no positivismo naturalista, os atos preparatórios devem ser criminalizados a luz do Direito penal hodierno.

Quanto à fase de execução, leciona Bitencourt: "[...] dos atos preparatórios passa-se naturalmente aos executórios. Atos de execução seriam aqueles que realizam efetivamente a conduta proibida" 4

Por derradeiro, no que tange à fase da consumação, consoante o próprio Código Penal Pátrio: "diz-se do crime consumando quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal" 5

Entendidas as fases do Inter Criminis, passa-se à abordagem da Tentativa.

 

2 DA TENTATIVA

Segundo Bitencourt, "a tentativa é a realização incompleta do tipo penal, do modelo descrito na lei". Para o doutrinador, na tentativa há prática de atos de execução, mas o agente não atinge a consumação por circunstâncias independentes de sua vontade. Assim, a tentativa "é o crime que entrou em execução, mas no seu caminho para a consumação é interrompido por circunstâncias acidentais"., não se completando a figura típica.6

 

Para Prado, a ação tentada caracteriza-se por uma disfunção entre o processo causal e a finalidade que o direcionava. Entende o autor que, de acordo com a dicção legal, "há tentativa quando, iniciada a execução do fato punível (tipo objetivo), este não se consuma por circunstâncias independentes do querer do agente". 7

O Código Penal pátrio traz o conceito de tentativa, no inciso II do art. 14, in verbis:

Art. 14. Diz-se o crime:

[...]

Tentativa

II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. 8

4 BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 43.

5 Idem, p. 41.

10

 

A tentativa só se compatibiliza com o crime doloso, direcionando-se a atenção dessa pesquisa para o estudo do Inter críminis, visto que exige a realização de conduta executiva, assim como uma direção subjetiva certa, centrada no plano.

A doutrina denomina a tentativa como sendo delito incompleto, e que só chega a ser punível em razão da norma de extensão da tipicidade e da punibilidade contida no art. 14, II do Código Penal Brasileiro.

A ofensa ao bem jurídico, no caso da tentativa, dá-se por meio do perigo, não se chegando à consumação. Desta feita, é uma forma de antecipação da tutela penal, onde o legislador não pune somente a efetiva lesão ao bem jurídico, ele sanciona, também, colocação em perigo.

Segundo Marones, com base em Zaffaroni:

Vislumbra-se, também, que a tentativa constitui-se em um tipo incompleto, pois o elemento subjetivo encontra-se perfeito, não ocorrendo o mesmo com o tipo objetivo, o qual se encontra falho, sendo sua relevância para o Direito Penal oriunda de uma causa de adequação típica mediata, exigindo o legislador, via de regra, a prática de atos de execução para a configuração do ilícito penal. Portanto, a tentativa é uma extensão da proibição à etapa executiva do delito, que alcança, por conseguinte, desde o começo da execução até que se apresentem todos os caracteres da conduta típica. 9

Para Marones, a ampliação da proibição típica dá-se através de fórmulas gerais, constantes na parte geral dos códigos, em que os legisladores buscam adequar um conceito substancial à realidade do direito penal vigente na sua época, pelo que, conforme o grau de desenvolvimento e evolução de determinada sociedade, o agente é punido não só pelo resultado obtido, mas sim pelo elemento subjetivo de sua conduta. 10

Nesse sentido, ainda seguindo o raciocínio de Marones:

O fundamento jurídico e teleológico da punibilidade da tentativa encontra-se presente na defesa e pertinência repressiva dos bens jurídicos tutelados, bem como no s atos e omissões que lhes sejam ofensivos, tendo o Direito evoluído para uma noção eclética de sua repressão subjetiva e objetiva, passando da Teoria Subjetiva (a qual via no elemento subjetivo a razão da punibilidade do ato ilícito, pelo que a pena do conatus11 deveria ser idêntica 9 MARONES, Sandro Loureiro. Atos Preparatórios e Executórios na Tentativa: Teorias, Limites e Diferenças.

Disponível em: . Acesso em: 11 Nov. 2006.

10 Idem.

 

11 Tentativa. In: PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro Parte Geral. 4. ed. São Paulo: RT, 2004,

p. 431.

6 BITENCOURT, César Roberto. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 43. 7 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. 4o ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, vol. 1, p. 431. Apud MANORES, Sandro Loureiro. Atos Preparatórios e Executórios na Tentativa: Teorias, Limites e Diferenças. Disponível em: . Acesso em: 11 Nov. 2006. 8 NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: RT, 2006, p. 150. do autor.

 

12 (à pena do delito consumado)

Para a Teoria Objetiva, que busca, predominantemente, reprimir o perigo ao bem jurídico tutelado. 12

É prudente ressaltar que o Código penal, originariamente, adotou a teoria objetiva, como depreende-se do parágrafo único do artigo 14, o qual dispõe que "pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços".

Observe-se que a Exposição de Motivos do Código Penal de 1940, assim aduz:

Dentro do seu critério dúplice de medir a responsabilidade do ponto de vista da quantidade do crime e da temibilidade do agente, o projeto dispõe, divergindo da Teoria Subjetiva, que a pena da tentativa é inferior (de um a dois terços) a do Grime consumado. Atendeu-se à tradição do nosso Direito e ao sentimento popular, que não consente sejam colocados em pé de igualdade o crime perfeito e o crime imperfeito. 13

Ante ao exposto, evidencia-se, exceto as exceções legais em que a tentativa é punida com a mesma pena do delito consumado, que a sua configuração advém de uma atividade dolosa dirigida aos elementos do tipo, simultaneamente a uma ausência de resultado, indesejada pelo perpetrador, procedente de atos executórios objetivamente imperfeitos ou atos preparatórios, os quais entende-se serem indissociáveis, devido à impropriedade das diversas Teorias que tentam, sem sucesso, distingui-los, o que, indubitavelmente, gera perigo ao bem jurídico e, por conseguinte, responsabilização penal de seu causador.

Por oportuno, volta-se a atenção, nesse ponto, à problemática existente em se definir atos de execução.

MARONES, Sandro Loureiro. Atos Preparatórios e Executórios na Tentativa: Teorias, Limites e Diferenças.

Disponível em: . Acesso em: 11 Nov. 2006.

13 JESCHECK, Hans-Heinrich. Tratado de Derecho Penal. Trad. Mir Puig e Munoz Conde. Madri: Bosch, 1981, p. 702. Apud MARONES, Sandro Loureiro. Ob. Cit. 13

 

 

3 DA PROBLEMÁTICA EM SE DEFINIR ATOS DE EXECUÇÃO

 

Segundo Zafaroni, "a fórmula legal do começo de execução, não passa de uns indicadores gerais e fluídos, que pouco esclarece em cada caso particular, ou seja, quando se torna mister precisá-la para a sua aplicação a uma realidade concreta". Seguindo esse entendimento, e ainda nas palavras do autor: "[...] é praticamente impossível separar Atos Preparatórios de Atos de Execução, pois são indicadores fluídicos". 14

Leciona Zafaroni:

Tomemos, por exemplo, uma jarra de água. Ao colocarmos seu conteúdo em um copo vário são as partes, componentes moleculares que ficarão no copo e vários ficarão na jarra, sendo impossível precisá-los, o quantum de cada parte. O crime, da mesma forma, iniciado os atos preparatórios, impossíveis dissociá-los da execução em si, pois esta já tomou corpo. 15

Para Souza:

O operador jurídico deve também romper com as amarras do conceito de começo de execução da ação típica. Isto porque tal conceito difere do começo de execução do crime, o qual é mais amplo e abarca situações em que o agente não executa o verbo nuclear da figura típica, sendo que, em princípio, os atos executivos são abarcados pelo núcleo típico, mas incluem, sem dúvida, os atos periféricos e imediatamente anteriores, os quais devem ser conjugados com a sistemática de garantias do ordenamento jurídico e os princípios constitucionais vigentes. 16

Sejam quais forem os termos utilizados pelos criminalistas, é forçoso reconhecer que a definição de atos de execução jamais passará de uma regra doutrinária insuficiente e de difícil aplicação, diante da impossibilidade de apresentar-se algum sinal característico e geral que possa indicar, de maneira absoluta e indubitável em todos os casos, o que é mera preparação e o que é execução.

 

14 ZAFARONI, Eugênio Raul. Da Tentativa: doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 16-20.

15 Idem.

16 SOUZA, Braz Florentino Henriques. Lições de Direito Penal. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,

2003.

14

 

Contudo, os anseios sociais e a evolução criminal clamam por um Direito penal mais atuante. Nesse sentido, uma das formas de se conter a atual escalada da criminalidade no Brasil é contar com uma política criminal moderna, desprendida de conceitos arcaicos, que tentam, sem sucesso, explicar o começo de execução da ação típica, pois, enquanto a doutrina tenta delimitar esse paradigma, o crime já vem ocorrendo com toda sua amplitude.

Os atos preparatórios estão contidos nos atos executórios, de forma que a melhor interpretação será considerá-los como indissociáveis, residindo, sua punibilidade, na tentativa imperfeita, cabendo ao Julgador, no caso concreto, valorar o caminho, percorrido pelo criminoso, dentro da esfera do crime. Essa valoração será apoiada em provas concretas, lícitas, obtidas pelas polícias judiciárias e demais órgãos de inteligência estatais, com as tecnologias disponíveis, impensáveis à época da elaboração do Código penal vigente, que é do ano de 1940.

Entende-se que o Direito Penal, atuando ainda na fase de atos preparatórios, tem muito maior chance de evitar a consumação delituosa do que se for obrigado a esperar para atuar somente na fase dita pela doutrina atual como fase executória. Da maneira como se encontra hoje, separando-se no Inter Criminis a fase de atos preparatórios da fase de atos de execução, resta comprovado que a possibilidade de ocorrer um maior perigo ao bem jurídico tutelado é muito maior, o que pode ser minorado se considerar-se os atos preparatórios como indissociáveis dos atos de execução. É a melhor doutrina, é o melhor entendimento.

Assim entendido, passa-se ao estudo das principais teorias que tentam delimitar a fronteira entre atos de preparação e atos de execução.

15

4 TEORIAS DESENVOLVIDAS

A doutrina e a jurisprudência vêm utilizando-se de inúmeras teorias, na tentativa de estabelecer um liame entre as fases preparatória e executória, sendo consideradas principais: Teoria Objetivo-formal (ou da Ação Típica); Teoria Subjetiva; Teoria Objetivo-material (ou da Unidade Natural); Teoria Objetiva individual e Teoria da Univocidade.

 

A Teoria Objetivo-Formal parte da punição de condutas adequadas tipicamente. Assim, o começo dos atos executórios somente ocorreria tipo por tipo, ou seja, exigir-se-ia que o agente realizasse, efetivamente e de modo concreto, uma parcela da própria conduta típica descrita em abstrato na norma. Poder-se-ia dizer que essa teoria, em tese, seria mais adequada a um Direito Penal de garantias, pautado pelos princípios da legalidade e da tipicidade, ou, como nos dizeres de Noronha "a mesma corresponderia melhor ao ideal da justiça e aos interesses sociais". 17

A Teoria Subjetiva, por sua vez, defende que os tipos penais não são descritivos de simples causadores de resultado, mas de processos determinados teleologicamente, com um sentido próprio que os controle, que é exatamente a ação do agente. Para essa teoria a tentativa inicia-se com o plano individual do autor.

Segundo Prado, "a tentativa começa com aquela atividade com a qual o autor, segundo seu plano delitivo, se coloca em relação imediata com a realização do tipo delitivo". 18

Comunga-se do entendimento de que a teoria em tela é perfeitamente viável diante da legislação atual, uma vez que diante das provas possibilitadas pelas tecnologias atuais (escutas telefônicas autorizadas judicialmente, quebra de sigilo bancário, infiltração de agentes de policia em organizações criminosas, etc.), estar- sei-a possibilitando que o Direito penal atue desde os atos de preparação, evitando-se, portanto, a consumação do crime.

 

É importante repisar a importância de considerar os atos preparatórios indissociáveis dos atos de execução. Afinal, os atos preparatórios nada mais são do que a exteriorização da vontade do agente e, para que seja possível aplicar-se a tese aqui esposada, faz-se necessário que esses atos preparatórios, ainda que interrompidos por vontade alheia à de seu autor, sejam punidos com a pena da tentativa imperfeita.

Quanto à Teoria Objetivo-material (ou da Unidade Natural), nas lições de Prado, é a que inclui na tentativa as ações que, em virtude de sua vinculação necessária com a ação típica "aparecem como parte integrante dela, segundo uma concepção natural, pelo que, só há ato executivo se estiver em conexão necessária com a ação típica, isto é, intimamente unido ao descrito na ação típica". 19

Para a Teoria Objetivo-individual, explica Zaffaroni:  

a) o começo de execução do delito não é o começo de execução da ação típica; b) o começo de execução do delito abarca aqueles atos que, conforme o plano do autor são imediatamente anteriores ao começo de execução da ação típica (e logicamente também, o começo de execução da ação típica); c) um ato parcial será imediatamente precedente da realização da ação típica quando entre este e a ação típica não exista outro ato parcial; d) para se delimitar se há ou não outro ato parcial intermediário, deve-se tomar em conta o plano concreto do autor e não o que possa imaginar um observador alheio.20

Por derradeiro, a Teoria da Univocidade, a qual tem Carrara como seu defensor, postula que os atos preparatórios seriam inequívocos, tendo em vista que poderiam ser dirigidos tanto para a prática de atos ilícitos quanto para a prática de atos lícitos. Por outro lado, os atos executivos seriam unívocos, vez que dirigidos diretamente à comissão delituosa. Depreende-se, pois, que os atos distantes seriam inequívocos e a proximidade com os atos executórios consistiria na expressão inequívoca de uma vontade criminosa voltada a uma finalidade determinada e, portanto, gerar-se-ia a necessidade de interferência do Direito Penal. 21.

17 NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 123.

18 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 434.

16.

19 PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 433.

20 ZAFARONI, Eugênio Raul. Da Tentativa: doutrina e jurisprudência. 6. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 56.

17

Para Marones:

Os postulados da teoria da univocidade, além de provocar uma repetição de terminologias de proximidade e de afastamento do tipo, são insuficientes e imprecisos para a delimitação do problema, servindo, isso sim, como mais um complemento à análise sistêmica da matéria.

Esgotada a fase em que foram apresentadas algumas teorias que tentaram estabelecer uma demarcação entre as fases preparatória e executória no Inter Criminis, é importante trazer à baila, o exemplo de alguns países que defendem a atuação do Direito Penal a partir dos atos preparatórios ao crime.

MARONES, Sandro Loureiro. Atos Preparatórios e Executórios na Tentativa: Teorias, Limites e Diferenças.

Disponível em: . Acesso em: 11 Nov. 2006.

18

5 A QUESTÃO NO DIREITO COMPARADO - PAÍSES QUE DEFENDEM A INTERVENÇÃO LEGAL A PARTIR DOS ATOS PREPARATÓRIOS

Alguns países defendem a atuação do Direito Penal a partir do instante em que se iniciam os atos preparatórios. Volta-se a atenção para os modelos Francês, Italiano e Norte-Americano, para, em seguida, apresentar-se breves palavras sobre o modelo brasileiro.

A França prevê em seu Código Penal a punição da chamada Association de Malfaiteurs, que consiste em todo grupo formado com vistas à preparação, caracterizada por um ou mais feitos materiais, de um ou mais crimes punidos com dez ou mais anos de prisão.

Sobre esse tipo penal, leciona Costa:

Vislumbra-se que o caso do tipo penal em tela adota, como critério delimitativo de seu âmbito de incidência, a gravidade dos crimes visados pela associação, sendo esta auferida através da pena cominada a estes delitos.

O legislador francês também consagrou aqui uma hipótese, nem sempre pacificamente aceita na doutrina, de incriminação de atos preparatórios, estes ordinariamente impuníveis. Ressalte-se que a Association de Malfaiteurs pode ser punível juntamente com outro delito, residindo aqui uma das diferenças de abordagem do ordenamento jurídico francês para o caso italiano e norte-americano?

2

O modelo Italiano, diversamente do modelo francês, adotou o tipo penal denominado Associazione per Delinquere, para punir quando três ou mais pessoas organizam-se ou associam-se com o objetivo de cometer crimes, sendo cominada, para esse caso, pena privativa de liberdade de três a sete anos de reclusão. Para o Direito Penal Italiano, "O simples fato de fazer parte de uma associação criminosa é suficiente para que a conduta seja punível" . 23

22 COSTA, Rodrigo de Souza. Autoria Mediata: uma ampliação do conceito aplicada ao crime organizado.

Disponível em: . Acesso em: 21 Nov. 2006.

23 Idem.

A seu turno, o modelo Norte-Americano buscou combater a criminalidade organizada, por intermédio do conhecido Racketeering Influençed and Corrupt Organizations Act (RICO). O combate a esse tipo de organização para o crime é feito através de um substancial aumento nos meios legais de obtenção de provas, ao mesmo tempo em que prevê novas interdições, proibições e sanções mais graves para aqueles que, de qualquer forma, façam parte do crime organizado.

Sobre o modelo em tela, leciona Costa:

Em seu § 1962, mostra-se necessário que o Estado busque identificar a existência de uma empresa ligada a alguma espécie de racketeering activity, estas definidas em seu parágrafo anterior. Vê-se aqui que o legislador optou por uma enumeração de toda a sorte de atividades constituintes da chamada racketeering activity, sendo elas: ameaças ou homicídios consumados, sequestro, exploração de jogos de azar, incêndio, roubo, furto, extorsão, corrupção, falsificação, fraude, obstrução à justiça, peculato, prostituição, produção e tráfico de substâncias entorpecentes, racketeering, dentre outras. O já citado § 1962 define em detalhes a ideia de atividade de racket como sendo a utilização ou investimento de capitais ou de lucros produzidos de forma ilícita a fim de adquirir ou estabelecer uma empresa engajada no comércio entre os Estados norte-americanos ou adquirir qualquer empresa que utilize atividade de racket.2*

Percebe-se que o legislador não buscou uma conceituação dogmática para o fenômeno. Na verdade, optou por elencar as atividades que se relacionam de maneira genérica com a ideia de crime organizado e todas as atividades que possam cercá-la.

Ante ao exposto, percebe-se que o modelo norte-americano difere dos dois modelos apresentados anteriormente que, "apesar de serem diferentes quanto à forma de aplicação, assemelham-se quando tentam definir um conceito jurídico para crime organizado, consagrando-o em um tipo penal"2 5

No que tange ao modelo brasileiro, como assinalado anteriormente, para determinados crimes o Código Penal já adota a punição para os atos preparatórios e, como exemplo, cite-se o caso da incriminação da associação de criminosos, aqui conhecida como crime de quadrilha ou bando, bastante semelhante à citada Associazione per Delinquere, do modelo Italiano 2 6.

Assim, pune-se a simples associação criminosa, como crime autônomo, desde que realizada por mais de três indivíduos com a finalidade de cometer crimes, sendo a pena aumentada se o bando é armado.

Expostas essas breves palavras, é importante trazer ao presente estudo algumas considerações acerca do binômio Direito do Inimigo x Direito da Sociedade.

COSTA, Rodrigo de Souza. Autoria Mediata: uma ampliação do conceito aplicada ao crime organizado.

Disponível em: . Acesso em: 21 Nov. 2006.

21

6 DIREITO DO INIMIGO OU DIREITO DA SOCIEDADE

Alguns doutrinadores defendem a tese de que toda e qualquer criminalização de atos meramente preparatórios pertence ao "Direito Penal de inimigos", na medida em que se nega ao sujeito seu arcabouço de direitos, em nome de uma suposta proteção de bens jurídicos. Dessa maneira, estar-se-ia restringindo o âmbito interno de cada um, tratando o indivíduo como um inimigo, ao invés de alçá-lo à categoria de cidadão.

Obviamente, discorda-se dessa posição. Entende-se que ao atuar nos atos preparatórios o Direito Penal está numa posição de garantir à sociedade a paz social, consubstanciada nos meios de provas disponíveis na atualidade, e na verdade do perigo iminente sofrido pelo bem jurídico, dessa forma, levantar-se-á o véu da conduta delitiva intencionada pelo criminoso que vem permeando pelo "inter criminis" e chafurda pela lama do crime.

 Ressalte-se, contudo, que em nenhum momento será impedida a defesa jurídica do acusado, a qual deverá ser efetivada em cima da tentativa imperfeita.

A partir do momento que se descobre, por intermédio da tecnologia atual já mostrada nesse trabalho, desde que devidamente autorizadas pela justiça, que um indivíduo ou grupos estão em atos preparatórios para o cometimento de determinado ilícito, entende-se que o aparelho

 

24 COSTA, Rodrigo de Souza. Autoria Mediata: uma ampliação do conceito aplicada ao crime organizado.

Disponível em: < http://www.ceccrim.hpg.ig.com.br/Artigos2.htm>. Acesso em: 21 Nov. 2006.

25 Idem.

estatal não só pode como deve agir, pois o crime já esta em execução, tendo em vista a impossibilidade de separarem-se, com segurança, os atos preparatórios dos atos executórios, por serem, ambos, coisa uma.

Desta feita, esse Direito seria um Direito da sociedade e não do inimigo, como defendem alguns, pois está a serviço do bem maior que é a coletividade e a paz social, e não do indivíduo que já permeia pelo crime, colocando-se à margem da lei.

22

6 A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

O entendimento de que a incriminação dos atos preparatórios seria supostamente inconstitucional não deve prevalecer.

Todo o entendimento a esse respeito, trata-se, simplesmente, de uma questão de interpretação e de política criminal, porquanto não se pretende criar nenhum tipo penal novo e, ademais, todos os artigos serão mantidos como estão, apenas o foco do momento de iniciação do momento delitivo irá recuar para os atos preparatórios na doutrina do inter criminis, de forma a possibilitar uma ação mais segura do Estado em prol da comunidade. Assim, estar-se-á possibilitando a punição desses atos, através da norma estendida conhecida como tentativa imperfeita, também já prevista no Código Penal Pátrio, precisamente em seu artigo 14, inciso II, combinado com seu parágrafo único.

A constituição é clara e reza em seu art. 5o que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei [...]". Da mesma forma, o inciso XXXIX, do mesmo artigo apregoa que "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem previa cominação legal [...]".

Ora, nada mais coerente com tal ditame, uma vez que todos os tipos penais permanecerão como estão, sem serem alterados em suas definições e penas; logo, o entendimento da incriminação dos atos preparatórios nada tem de inconstitucional, pois, como já dito, são indissociáveis da execução, podendo desde logo, serem coibidos pelo aparato estatal, de forma a não ficar como espectador para o próximo ato que poderá ser fatal.

Falida, portanto, é a tese que tenta colocar como inconstitucional tal entendimento, vez que encontra-se fundamentada na mais estrita legalidade, consoante restou demonstrado durante o desenvolvimento dessa pesquisa.

23

CONCLUSÃO

Essa pesquisa buscou demonstrar que é impossível separar, com precisão, os atos preparatórios dos atos executórios. Portanto, qualquer tentativa nesse sentido, restará infrutífera.

Importante constar que o Código Penal Pátrio é do ano de 1940, época em que não se poderia prever a evolução do aparato tecnológico disponível  ao alcance do Estado, polícia judiciária, de forma a constituir matéria probante. Hoje diante da evolução tecnológica disponível podemos fornecer considerável subsídio para que se possa intervir ainda nos atos preparatórios  com muita segurança de forma a evitar que o crime chegue a ocorrer em sua forma exaurida.

Conclui-se, portanto, que a incriminação dos atos preparatórios é puramente uma questão de política criminal. Da mesma forma, como demonstrado, não há nenhum óbice de natureza constitucional ao entendimento desposado, tendo em vista não estar-se criando nenhum tipo penal novo, muito menos penas novas, todos os crimes já se encontram previamente descritos no modelo penal vigente.

Em sendo adotado tal procedimento, certamente, o Estado não precisará esperar o criminoso percorrer todo o inter criminis, ou grande parte dele, para agir de forma segura.

Iniciando-se os atos preparatórios, devidamente e legalmente comprovados pelos elementos de provas colhidos, além da demonstração do elemento subjetivo do agente, deverá intervir o Direito Penal, cumprindo sua função, protegendo o bem jurídico e julgando o infrator pela tentativa frustrada ou imperfeita.

Indubitavelmente, tal mudança representará uma evolução necessária na doutrina penal, propiciando-se que o Direito proteja de forma mais eficiente seus cidadãos, diminuindo de maneira significativa o risco da consumação delitiva, contribuindo para o fim maior buscado, a paz social.

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REFERÊNCIAS

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