A tendência de renovação de conceitos se vê clara quando o assunto é liberdade: as definições já percorreram pensamentos religiosos – já dizia Santo Agostinho que é livre aquele que pode escolher entre o bem e o mal -, ideais absolutistas – John Locke afirmava que “onde não há lei, não há liberdade -, e filosofias contemporâneas - nas quais o existencialista Jean-Paul Sartre condicionava a existência humana à liberdade individual. Percebe-se, portanto, que as influências sobre o conceito são incontáveis e chegam a protagonizar embates entre si, o que, em uma esfera constitucional, torna o assunto extremamente amplo e passível de discussões.
    Dessa forma, é de primordial importância analisar o significado de liberdade quando se fala em eutanásia, ortotanásia e distanásia. Aquela diz respeito à prática de se proporcionar a morte a um doente incurável, preservando a dignidade da pessoa humana. Já essa refere-se à atitude de se evitar morte precoce, contudo sem prolongá-la indevidamente. Esta, por fim, é a prática pela qual se prolonga, através de meios artificiais e desproporcionais, a vida de um enfermo sem cura. É possível aferir que há, aqui, um embate principal entre dois direitos fundamentais básicos, devidamente garantidos pela Constituição Federal: o direito à vida e o direito à liberdade.
    Tais direitos, para que sejam analisados dentro do tema deste artigo, devem ser pautados em outros preceitos constitucionais, tais como a laicidade do Estado, a forma de governo republicana e o regime governamental democrática. O Estado laico, além de garantir o pluralismo religioso, garante também a proteção das tomadas de decisões no que tange influências da religião ou da moralidade. Já a República tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, que é a razão de ser do Estado e não ele próprio, tampouco a Igreja, as sociedades empresariais ou outras instituições. Ao se tratar da democracia, percebe-se que seus três pilares principais – povo, liberdade e progresso – devem caminhar juntos, sem que haja sobreposição ou afronte entre eles.
    Ao analisar as vontades individuais - que são expressas nas situações de eutanásia, ortotanásia e distanásia - perante a sociedade, é de comum senso que tais ensejos só serão livres caso estejam em consonância com a perspectiva coletiva e são, portanto, limitados diante da decisão da sociedade. Dessa forma, o juízo de valor advindo da ordem social, mesmo que difira de algumas vontades individuais, acaba se transferindo para a ordem jurídica, sendo imposto à esfera individual. É nesse contexto que se insere o individualismo liberal, que defende que o mais apto a tomar decisões sobre o indivíduo é ele próprio, não importando se a decisão está correta ou não. Vê-se, aqui, um embate entre o individualismo liberal e a paternidade estatal.

  O direito à morte digna ou à boa morte, considerando os debates feitos no Brasil - insta citar o Projeto de Lei n. 732/1938 e o Decreto Legislativo n. 244/1993, que propunham, entre outras coisas, instituir a eutanásia como forma de abreviar o sofrimento de enfermos terminais (vale ressaltar que ambos foram arquivados e considerados inconstitucionais) -, sempre foi um ponto insolucionável diante dos pontos de vista antagônicos de laicistas e religiosos. Acaba, portanto, tornando-se uma discussão que se afasta das premissas da Constituição Federal,  na medida em que cresce o juízo de valor acerca dos embasamentos jurídicos. O debate, do jeito que é proporcionado no Brasil, é um choque perante a República Democrática, isso porque um dos pressupostos básicos da democracia é atingido: quem, senão um democrático, proporcionará um debate de opiniões e garantirá o direito de os indivíduos decidirem sobre seus rumos?

   Retomando as definições de liberdade, parece justo afirmar que o respeito pela vida depende do que cada um pensa da morte e que, dessa forma, como bem disse Ronald Dworkin em sua obra Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais, percebe-se a necessidade de um “sistema jurídico e de uma atitude que incentive cada um de nós a tomar decisões individuais sobre a própria morte”. É sempre importante ressaltar que a morte não envolve questões meramente políticas ou individuais, mas também diz respeito ao pensamento moral de cada um, e é isso que pontua o caráter especial da vivência. É o indivíduo, dentro de seu próprio eu, que sofre com a enfermidade e com o sofrimento de não mais ter um pleno deleite de sua vida.

   Diante da breve apresentação conceitual de liberdade, dos pilares republicanos e democráticos e dos direitos e premissas constitucionais referentes  ao direito à morte digna e boa, percebe-se que a melhor solução para o - não mais - insolucionável debate é a decisão do próprio indivíduo, para o próprio indivíduo.