A INTERTEXTUALIDADE NA MÚSICA DE CHICO BUARQUE

Por Marta Millena Rodrigues Magalhães | 10/12/2018 | Educação

A INTERTEXTUALIDADE MUSICAL EM COMPOSIÇÕES DE CHICO BUARQUE

Marta Millena Rodrigues Magalhães

RESUMO

Chico Buarque sempre se mostrou envolvido com a música popular brasileira.  Desde o início de sua carreira, torna-se frequente, em sua atividade como escritor, a inclusão de elementos que denunciavam questões sociais e culturais, através de procedimentos intertextuais, principalmente na época da ditadura, onde teve diversas músicas censuradas, e ainda fazendo uso de vários poemas drummondianos para compor suas canções. O presente trabalho cujo título “A intertextualidade musical em composições de Chico Buarque”, possui como objetivo expor aspectos do que é a intertextualidade, correlacionando-a com o gênero música, precisamente com canções de Chico Buarque. Assim, serão apresentados três exemplos, que analisam a ocorrência da intertextualidade, mostrando que os versos, trazem consigo intertextos, seja de maneira explícita ou implícita. Serviram como subsídio teórico diversos autores, tais como: MARCUSCHI (2008), MELLO (2015), SOUSA (2016), entre outros. Com este trabalho foi possível perceber que a intertextualidade é corrente em textos, seja de agora ou do passado.

PALAVRAS-CHAVE: Intertextualidade. Música. Chico Buarque. Drummond.

  1. INTRODUÇÃO

Dentre os sete fatores fundamentais para o entendimento do sentido geral de um texto, a intertextualidade evidencia-se tal como uma “condição de existência do próprio discurso” (KOCH apud MARCUSCHI, 2008, p. 131). Por outro lado, a intertextualidade está vigente nos textos, favorecendo na elaboração de sentidos, e constantemente, é essencial que se adquira os intertextos com o propósito que se entenda a mensagem.

Pode-se descrever, a intertextualidade, tratando-a como a elaboração de um texto com base em um outro já escrito. Conforme a conjuntura, essa tem funções distintas, que baseiam-se dos textos ou contextos reais em que está colocada. Apoderando-se desse conceito, relacioná-lo com outro é meramente acessível, associando-a com o gênero música, por exemplo. Diversas vezes, escritores utilizam outros meios para compor uma canção, correlacionando a letra com poemas, ou ainda a letra e o contexto social em que encontra-se.

O embasamento teórico que guiara essa investigação concebe os estudos de MARCUSCHI (2008), MELLO (2015), SOUSA (2016), entre outros suportes teóricos. Para exposição do conteúdo pesquisado, apresenta-se inicialmente os conceitos de intertextualidade e o gênero música, e adiante, análise da intertextualidade nas músicas de Chico Buarque.

Destarte, vê-se, através deste trabalho, a possibilidade de estabelecer as relações intertextuais entre as composições de Chico Buarque, que fez uso da intertextualidade, tendo como subsídio poemas de Carlos Drummond de Andrade e ainda o contexto da social ao qual estava inserido na época.

2       CONCEITOS DE INTERTEXTUALIDADE E O GÊNERO MÚSICA

No que concerne a linguística textual, a intertextualidade, é um assunto bem trabalhado e diversas vezes relacionando-se com vários gêneros textuais. Essa acarreta uma concepção dada à correlação que se consolida entre dois textos, isto é, no momento em que um texto já produzido realiza uma presença na elaboração de uma nova obra, que não requer, necessariamente, pertencer ao mesmo gênero, dado que “na literatura e até mesmo nas artes, a intertextualidade se faz presente, uma vez que todo texto, seja ele literário ou não, é originado de outro, seja direta ou indiretamente” (BONIFÁCIO; MACIEL, p.29).

Em um ponto de vista mais abrangente, o intertexto, se faz vigente em qualquer manifestação textual, e ainda, caracteriza-se como uma circunstância para o próprio texto existir. Segundo Gleice Razente (2012, p. 10): “cada texto desconstrói outros textos, reescrevendo-os em outros momentos e situações históricas. Ao fazermos uso de textos alheios em um novo contexto, podemos dizer que há a produção de um novo sentido.” Em várias ocasiões em que ler-se um texto, este remete para outros pensamentos que não está, propriamente, explicito dentro do conteúdo. Assim, enfatiza Ingedore Koch:

Segundo Koch (2008), apud Fófano, Gomes, Souza (2016, p. 08), “Todo texto é um objeto heterogêneo que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, o que predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude ou que a se opõe.”

Por sua vez, a intertextualidade é um elemento de concordância textual bem considerável, uma vez que proporciona ao leitor, em seu processo cognitivo de entendimento de uma obra, valer-se de sua noção preliminar de outra. Em suma é um diálogo entre dois ou mais textos e está relacionado ao conhecimento de mundo do ledor, visto que este deve ser comum com o do escritor. E ainda é fragmentada em três maneiras, na mesma linha, Wender Souza esclarece:

“A intertextualidade tem três formas mais usuais: a citação, o plágio e a alusão. A citação ocorre com aspas, com ou sem referência precisa. O plágio ocorre quando não se declara o empréstimo. A alusão é quando há uma relação perceptível entre um enunciado e outro.” (SOUZA, p.06)

É habitual encontrar exemplos de intertextualidade em diversos setores, como na pintura, literatura, anúncios publicitários, realizando-se, ainda, em vários gêneros, como a música. Esta são produções textuais propositais, mediante do qual deseja-se propagar uma mensagem, seja moral, social ou política, isto é, uma exposição artística e cultural de uma sociedade. Ainda convém ressaltar que a intertextualidade não está presente apenas em seu escrito, uma vez que pode ser encontrado fragmentos intertextuais na sua harmonia e efeitos sonoros, assim como apresentar-se no título ou na capa de um álbum. Muitos escritores correlacionam a letra de uma música com uma poesia, fazendo-se realizar o intertexto.

Deste modo, em uma composição pode haver citações de outros fragmentos musicais, o uso de frases clichês ou ainda fazer uma releitura de outra música, ou seja, onde trabalha-se com um texto-fonte em um novo texto. Todos esses aspectos configuram-se como intertextualidade, visto que “não existem textos que não mantenham algum aspecto textual, pois nenhum texto se acha isolado ou solitário.” (MARCUSCHI, 2008 p.129)

  1. ANÁLISE DA INTERTEXTUALIDADE NAS MÚSICAS DE CHICO BUARQUE

São encontradas em canções de Chico Buarque exemplos nítidos de intertextualidade, em um trecho da composição “Flor da idade”, lançada em meados dos anos 70, observe:

“Carlos amava Dora que amava Lia que amava Léa que amava Paulo que amava Juca que amava Dora que amava Carlos que amava Dora que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Dito que amava Rita que amava Carlos amava Dora que amava Pedro que amava tanto que amava a filha que amava Carlos que amava Dora que amava toda a quadrilha.”

Logo, pode-se atestar que a música foi criada exercendo uma alusão explicita ao poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade, divulgado nos anos 30, veja:

João amava Teresa que amava Raimundo / que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili / que não amava ninguém / João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, / Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, / Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes / que não tinha entrado na história.”

Drummond expõe em seu poema, com ironia e humor, os desencontros em relações amorosas. Tais relacionamentos aparecem sucessivamente, o que pode ser visto da mesma maneira na música de Buarque.

Por conseguinte, pode-se constatar que há uma ligação entre ambos, visto que o poema de Carlos Drummond auxiliou na música de Buarque como texto-fonte, há situações explícitas entre um e outro, como a repetição do verbo amava, dando continuidade a uma história e a finalização do texto-fonte decorre de maneira inesperada, sucedendo o mesmo na composição posterior.

Mais tarde, outra canção de Buarque veio à tona, agora tendo como parceiro de escrita o talentoso Gilberto Gil, elaborando a música “Cálice”. Comtemple um trecho:

Pai, afasta de mim esse cálice / Pai, afasta de mim esse cálice / Pai, afasta de mim esse cálice / De vinho tinto de sangue / Como beber dessa bebida amarga / Tragar a dor, engolir a labuta/ Mesmo calada a boca, resta o peito / Silêncio na cidade não se escuta / De que me vale ser filho da santa / Melhor seria ser filho da outra.”

Lançada por volta de 1978, momento que acontecia a ditadura militar no Brasil, a música teve o intuito de retratar, por meio da arte, a exposição da realidade na letra, ou seja, a composição é repleta de metáforas, produzindo um intertexto com esse período.

Em suma, torna-se quase impossível não ler o texto bíblico dentro da música, já que o compositores citam o fragmento: “Pai, afasta de mim esse cálice”, frase utilizada em um momento de sofrimento por Jesus. Assim, é capaz de observar a referência ao texto bíblico. Logo constata-se que grande parte da música correlaciona entre a Paixão de Cristo e a angustia passada pelos cidadãos amedrontados com o regime, havendo ainda uma relação entre a palavra “cálice” quanto ao imperativo “cale-se”, realizando uma alusão ao procedimento da censura, que pretendia calar a população, correlacionando com o sentido original, cálice é uma taça, no período bíblico continha sangue de Cristo, entretanto, na música é uma metáfora para o sangue que foi derramado pelas vítimas do período militar.  Usando ainda da palavra ‘silencio’ na letra, os autores correferem com a censura que foi impunha na época.

Uma nova composição de Buarque conversa com um poema drummondiano, é a canção: “Até o fim”, lançado por volta dos anos 80. Aprecie um trecho da canção:

“Quando nasci veio um anjo safado / O chato do querubim / E decretou que eu estava predestinado / A ser errado assim / Já de saída a minha estrada entortou / Mas vou até o fim.”

Todavia, leia uma passagem do poema: “Poema de sete fazes”, de Drummond:

“Quando nasci, um anjo torto / Desses que vivem na sombra / Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida”

Buarque, da mesma maneira que Drummond, utiliza a figura do anjo, visto que um usa o termo “safado” para retratar o querubim, enquanto este o chama de “torto”. Sendo assim, os dois destorcem a imagem real de um anjo angelical, empregando adjetivos totalmente fora do contexto. Chico descreve uma sequência de danos que foi contado por tal anjo, indo pelo mesmo caminho que Carlos Drummond, assim contempla-se mais uma vez o intertexto entre ambos.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do estudo realizado, percebeu-se a importância da intertextualidade, que por sua vez é um elemento de coerência textual extremamente relevante, propiciando ao ledor a completude de ler e elaborar escritos, valendo-se da compreensão anterior de outra obra, dado que o texto não formula certa acepção exclusivamente sozinho. É relevante pontuar, após a pesquisa e a elaboração desta análise, o quanto a intertextualidade está inserida no dia a dia, sendo este um fenômeno que ocorre nos mais diversos gêneros, em especial, na música. Logo, verificou-se ainda que nenhum texto é escrito puramente sozinho, mas sim que ideias e mensagens são transmitidas pela literatura, pintura e até mesmo contextos sociais, que serviram e servirão como fonte para inspirar-se para a criação de outros textos. Infere-se, por fim, que a intertextualidade está diretamente relacionada ao gênero música, visto que diversos compositores desejam retratar, através de fragmentos, a realidade que está passando, exemplo esse conferido com o genial Chico Buarque.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDRADE, Carlos Drummond de. Quadrilha. Disponível em: . Acesso em 05 de abril 2018.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Poema de sete fases. Disponível em: . Acesso em 19 de abril 2018.

BONIFÁCIO, Carla; MARCIEL, João. Linguística textual. Disponível em: Acesso em 06 de abril 2018.

BUARQUE, Chico. Até o fim. Disponível em: Acesso em 19 de abril 2018.

BUARQUE, Chico. Cálice. Disponível em:. Acesso em: 07 de abril 2018.

BUARQUE, Chico. Flor da idade. Disponível em: . Acesso em 03 de abril 2018.

CARVALHO, Stephanie; ROCHA, Luana; SILVA, Jéssica; TOSO, Sthefany.  A censura às músicas de Chico Buarque na ditadura (1964-1985). Disponível em: . Acesso em: 8 de abril 2018.

FÓFANO, Clodoaldo; GOMES, Vyvian.; SOUZA, Sonia. Contribuintes discursivos: o texto a construção de sentidos. Disponível em: . Acesso em 07 de abril 2018.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, Análise de gêneros e compreensão. 1º ed. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

MELLO, Magno. Letra de música – gênero textual. Disponível em: < https://pt.linkedin.com/pulse/letra-de-m%C3%BAsica-g%C3%AAnero-textual-magno-mello>. Acesso em: 05 de abril 2018.

RAZENTE, Gleici. A importância da intertextualidade na formação do leitor. Disponível em: . Acesso em: 08 de abril 2018.

SILVA, Débora. Tipos de intertextualidade. Disponível em: < https://www.estudopratico.com.br/tipos-de-intertextualidade/>. Acesso em: 05 de abril 2018.

SOUSA, Rodrigo de. História da música Cálice de Chico Buarque. Disponível em: . Acesso em 08 de abril 2018.

SOUZA, Wender. A LITERATURA COMO DIÁLOGO: Um percurso histórico do intertexto. Disponível em: . Acesso em: 09 de abril 2018.

 
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