RESUMO:

 O presente artigo visa demonstrar, através de uma análise histórica a questão da inimputabilidade dos doentes mentais no Direito Penal brasileiro. Para tanto, faz-se uma abordagem voltada para estes pontos nos Códigos que vigeram até então no país. No Código Criminal do Império, eram considerados doentes mentais os “loucos de todo gênero”, sem precisar para tanto, nenhum diagnóstico fundamentado, bastava a observação objetiva, intelectualista. No Código Penal da República a loucura é observada como um fenômeno de ordem moral. E, no Código Penal vigente, analisam-se esses distúrbios através do critério biopsicológico. Buscou-se também verificar, através de posições doutrinárias, a definição da inimputabilidade, bem como quem são os inimputáveis na lei penal pátria e o que enseja aplica-la às pessoas que possuem esses transtornos mentais. Por fim, tratou-se da questão dos psicopatas no Direito através das divergências de entendimentos acerca da psicopatia: se esses devem ser considerados ou não doentes mentais.

  1. INTRODUÇÃO

   As doenças mentais sempre existiram na sociedade. Ao longo do tempo foram tratadas das mais diversas formas. Em alguns momentos esses distúrbios foram tidos como positivas em outros como negativas em virtude da existência das mais diversas formas. Em cada época, em cada fase da civilização, variaram os conceitos dessas pessoas e da ocorrência de fatos sociais que as envolvia o direito penal passou a regulamentar essas questões. No entanto questiona-se qual o tratamento dado aos doentes mentais e o que explica o fato dos mesmos serem considerados inimputáveis no ordena mento pátrio.

  O objetivo principal deste artigo é analisar a questão da inimputabilidade dos doentes mentais. Para isso foram traçados alguns objetivos específicos tais como: apontar a evolução da inimputabilidade dos doentes mentais ao longo da história do Direito Penal brasileiro; identificar quem são os doentes mentais considerados inimputáveis para o direito pátrio; traçar as principais características dos psicopatas e verificar o tratamento dado pelo direito a esses indivíduos.

  A importância de se realizar essa pesquisa deve-se, sobretudo, ao alto índice de criminalidade que a sociedade brasileira tem convivido. Muitos desses crimes são cometidos por pessoas portadoras de doenças mentais ou de transtornos de personalidades. A temática então se encontra estreitamente ligada aos interesses da sociedade, a qual busca sempre se proteger das investidas criminosas e do risco social. Deseja-se sempre a paz social.

  Para o desenvolvimento do presente trabalho foi feito um estudo descritivo-analítico. Buscou-se descrever, explicar, classificar e esclarecer o problema apresentado. Para isso foi realizada uma pesquisa de caráter bibliográfico por meio de livros, revistas, artigos eletrônicos, dados oficiais publicados na internet.

 O artigo foi subdividido em capítulos, que visam discutir o problema apresentado e esclarecer questões e conceitos importantes com o fim de obter um resultado satisfatório da pesquisa.

  1. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA INIMPUTABILIDADE DOS DOENTES MENTAIS NO DIREITO PENAL BRASILEIRO.

   Ao analisar sob a perspectiva histórica as doenças mentais, pode-se chegar facilmente à conclusão de que elas fazem parte da humanidade desde os primórdios, tendo em vista que, desde que vivem em sociedade e compartilham experiências, os homens reconhecem, determinam e classificam aqueles comportamentos que eram comuns, levando em consideração também a cultura e os costumes. Sendo assim, aqueles que os seguem são ditas pessoas normais; e, aqueles que apresentavam comportamentos que iam de encontro às tradições, ou seja, ao padrão de comportamento que se costumava seguir, eram consideradas “anormais”.

  Fazendo um breve retrospecto, a titulo exemplificativo, vale mencionar que esses comportamentos se apresentavam com definições diferentes (sinais positivos ou negativos) baseado no tempo e contexto histórico de cada época. Na antiguidade, a loucura era considerada como um sinal divino; no entanto, algum tempo após, devido à influência da igreja na sociedade, os mesmos passaram a ser observados como um sinal negativo, consideradas, dessa maneira, como manifestações demoníacas. Na idade média, os indivíduos que apresentavam comportamento desviante eram já considerados loucos, e, por representarem uma ameaça à integridade das pessoas normais eram isoladas, ficando, portanto, à margem da sociedade. Diante da evolução dos estudos e da medicina, todos esses estigmas em que as pessoas eram “aprisionadas” caíram por terra, e, hoje são tratadas com a compreensão devida.

   É cediço que o Direito Penal além de ter por objeto o crime, a pena e os sujeitos do crime, está intimamente ligado à “mente criminosa” para desempenhar a sua função de tutelar os bens jurídicos fundamentais. Ou seja, junto à Psicologia Jurídica estuda as motivações do crime, a fim de melhor compreender a relação entre a doença mental e o delito.

  Diante deste elo formado entre a Psicologia e Direito, onde há a o entrosamento das duas a fim de que se criasse, dentro do estatuto penal, dispositivos capazes de reger as atitudes delituosas desses indivíduos, vale fazer uma análise histórica de como, no Brasil, desde a vigência do Código Criminal do Império até o Código Penal de 1940(com a posterior reforma pela Lei 7.209/84) ocorria a intervenção penal dos doentes mentais.

  • Código Criminal do Império (1830):

   Após a proclamação da independência, e posterior promulgação da Constituição de 1824, foi elaborado e o Código Criminal do Império, em 1830. Este tinha por base, e alimentava a aplicação do Direito Penal sob a perspectiva protetiva e humanitária. Por se estruturar  nos pilares da doutrina clássica, tinha por pressupostos a igualdade perante a lei, o caráter retributivo da pena e adequação do crime à sua definição na lei, além do livre arbítrio e do senso de responsabilidade. No entanto, quando um indivíduo que era acometido pela loucura praticava um delito, todos esses pilares eram colocados à prova, já que logo se questionava a sua responsabilidade diante do fato e a sua real situação diante dos sentidos que permitiam avaliar tal obrigação jurídica em seus atos.

 Sendo assim, disciplinado tal fenômeno, o Código vigente, em seu artigo 10, § 2º previa que:

Art. 10. Também não se julgarão criminosos:

2º Os loucos de todo o genero, salvo se tiverem lucidos intervallos, e nelles commetterem o crime.

   Destarte, de tal dispositivo é possível extrair que esses indivíduos teriam, instantaneamente o diagnostico da sua loucura, não necessitando, para tanto, de um alienista, tendo em vista que esta era percebida, à época, sob um prisma objetivo, intelectualista.

"O juiz de direito (era) obrigado a formular quesito sobre o estado de loucura do réu, quando lhe for requerido" e o "exame" deveria ser feito diante do júri, "que é quem devia apreciá-lo para decisão ... . A circunstância da loucura, ainda que de notoriedade pública, só podia ser tomada em consideração pelo júri.” (FILGUEIRAS-JR., 1876, p. 12 apud PERES, M. F. T. e NERY FILHO,2002,p.3),

  • Código Penal da República (1890):

   Logo após a Proclamação da República, e consequente abolição do estatuto anterior, entrou em vigor o Código Criminal da República. Este, observando as restrições impostas pela então contemporânea Constituição – pena de morte e prisão com caráter perpétuo – modificou o mecanismo de punição dos doentes mentais.

     Em seu artigo 27, §§ 3º e 4º, fica clara tal modificação, a saber: 

 Art. 27. Não são criminosos

:3º Os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de imputação;

4º Os que se acharem em estado de completa privação de sentidos e de intelligencia no acto de commetter o crime; (BRASIL, 1890)

.  À vista disso, é possível compreender que, diferentemente do entendimento acerca da doença mental tida no Código anterior, a loucura é observada como um fenômeno de ordem moral, ou seja, a loucura, antes um fator capaz de estigmatizar um indivíduo, não tinha mais esse poder cerceador, tendo em vista que não poderia ser fator determinado através de um simples olhar objetivo àqueles que se tornavam exceção à uma regra padrão de comportamento. Neste diapasão:

“Imputar, "significa atribuir a um sujeito como causa, uma ação, um fenômeno, como efeito ... “Imputabilidade (é) uma qualidade que tem em si uma ação ou um fenômeno qualquer que o torna atribuível àquela causa.” A imputação, ou imputabilidade, estabelece uma relação causal entre um sujeito e uma ação, no caso, uma ação delituosa.  ... Os loucos, compreendidos no parágrafo 4 do artigo 27 entram, então, no campo da inimputabilidade: os atos por eles praticados não lhes são atribuídos. (PERES, M. F. T. e NERY FILHO, 2002, p.3).

   Neste caso, diante do novo regime jurídico, o crime passa a ser compreendido através da relação da imputabilidade daquele que o pratica. Por consequência, uma vez considerados doentes mentais, não recairia sobre eles a sanção cominada em virtude da antijuricidade do ato cometido, ou seja, seriam, dessa maneira, considerados inimputáveis.

   Além disso, tal artigo não limita esses indivíduos, já que prevê uma série de outros distúrbios que poderiam se encaixar dentro do conceito adotado de “loucura”, como o sonambulismo, a embriaguez completa, a epilepsia, dentre outros. Segundo afirma Pereira apud Soares, tal dispositivo referia-se ao "estado de inconsciência, seja qual for à causa".

  Já em relação ao que dispunha o § 3º do artigo em questão, a imbecilidade se referia a uma situação de determinado individuo que não tinha alcançado o pleno desenvolvimento da sua mentalidade. Esta deficiência era causada, afirmavam os alienistas, por causas hereditárias. Além do mais, estes doentes mentais se figuravam como, segundo Peres e Nery Filho, “perigosos, selvagens e portadores de estigmas físicos”.

  • Código Penal (1940):

   Diante de inúmeras modificações do Código até então vigente, se fez necessário a edição de um novo a fim poder contemplar tais normas. Sendo assim, entra em vigor o Código Penal, em 1942, que estabelece o sistema penal básico do Brasil (sua parte geral foi reformulada pela lei 7.209/84).

   Nesse novo código, a doença mental não é tratada como fator que enseja diretamente a inimputabilidade. Pelo fato de adotar o sistema biopsicológico, é necessário que se façam presentes alguns elementos, dentre eles: a ausência de vontade ou entendimento, diretamente relacionadas com um desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Segundo Sanches, sob essa perspectiva,

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