A INIBIÇÃO DA ALIENAÇÃO PARENTAL: a guarda compartilhada como solução ao abandono afetivo da paternidade/maternidade biológica involuntária
Por Márcio Freitas Costa | 17/03/2017 | DireitoA INIBIÇÃO DA ALIENAÇÃO PARENTAL: a guarda compartilhada como solução ao abandono afetivo da paternidade/maternidade biológica involuntária*
Márcio Freitas Costa**
Sumario Introdução; 1 Alienação parental e desproporção do poder familiar 2. A guarda compartilhada e o melhor interesse do menor 3. Considerações finais.
RESUMO
O presente trabalho abordará sucintamente acerca do mais novo fenômeno da alienação parental como causa do abandono afetivo da paternidade/maternidade biológica, explicando o fenômeno, visto que muitas vezes, o abandono se dá por conta dessa síndrome, cuja gênese está diretamente relacionada à desproporção no exercício dos direitos e deveres dos pais enquanto titulares do poder familiar, já que o afrouxamento dos laços de afetividade entre pais e filhos, resultado da cessação do convívio, é cenário propício a que um dos genitores passe a obstar ao genitor não-guardião o convívio com a prole, gerando de fato um abandono afetivo, mas, muitas vezes, involuntário. E na tentativa de mitigar a ocorrência da alienação parental, propõe-se a análise da guarda compartilhada em face do melhor interesse do menor como solução do fenômeno.
Palavras-chave: Poder familiar. Alienação parental. Guarda compartilhada. Princípio do melhor interesse do menor.
INTRODUÇÃO
A igualdade entre homens e mulheres, apregoada no art. 5º, bem como a igualdade de direitos e deveres inerentes à sociedade conjugal (art. 226, § 5º), ambas estampadas na Constituição, ampliaram a participação afetiva de ambos os pais na vida dos filhos.
Ocorre que a ruptura conjugal delineia um cenário propício à ocorrência do fenômeno da alienação parental. Nesse contexto, o genitor, conhecedor da importância de que se reveste o convívio com a prole, passa a dificultar ou até mesmo obstar esse direito ao outro genitor.
Assim, para enfrentar a alienação parental é que se propõe o instituto da guarda compartilhada, como instrumento de proteção dos filhos contra qualquer tipo de abuso de poder por parte de um dos genitores.
O objeto deste trabalho consiste, pois, em analisar os aspectos atinentes ao fenômeno da alienação parental e a possibilidade de sua mitigação com a adoção da modalidade compartilhada da guarda, mesmo nos casos de litígio.
Em síntese, o presente paper analisará o fenômeno da alienação parental como causa do abandono afetivo da paternidade/maternidade biológica, explicitando a guarda compartilhada como meio de inibição à alienação parental e sua relação com o princípio do melhor interesse do menor.
Portanto, o presente trabalho se justifica diante da necessidade de desvelamento do fenômeno cada vez mais frequente na realidade das famílias, a alienação parental, e da necessidade de apresentar uma alternativa viável a impedir ou, ao menos, mitigar a ocorrência deste fenômeno que tanto prejudica as relações de afeto.
1 Alienação parental e a desproporção do poder familiar
O estudo da alienação parental a que este trabalho se propõe, passa, inevitavelmente, pelo exercício dos direitos e deveres dos pais frente ao melhor interesse do menor.
As relações paterno-filiais sofreram significativa transformação ao longo dos tempos, acompanhando a evolução das relações familiares, culminando nos dias atuais com a proclamação do exercício do poder familiar igualitário entre os pais.
Distanciou-se da antiga relação de dominação, sobretudo, do pai perante os filhos para uma relação fundada no exercício de um múnus, ou dever de ambos os pais de proteger e proporcionar formação, educação, saúde, afeto, entre outros direitos inerentes aos menores em condição de pleno desenvolvimento.
Nesse sentido, a origem do fenômeno da alienação parental está diretamente relacionada à desproporção no exercício dos direitos e deveres dos pais enquanto titulares deste poder.
O novo modelo de poder familiar veio para atender aos princípios da proteção dos menores e observar os deveres inerentes e irrenunciáveis da paternidade e maternidade: a proteção integral do menor como pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, reafirmando uma nova feição, agora fundada no afeto, no amor romântico.
Importante acrescer que o divórcio ou separação não exclui o vínculo de filiação nem os direitos e deveres dos genitores em relação aos filhos, que permanecem íntegros, exceto no que tange ao direito de ter os filhos em sua companhia (art. 1632, CC). Os filhos ficarão sob a guarda de um genitor, restando ao outro apenas o direito de visitas.
No entanto, embora instituída a guarda unilateral, sobrevive o poder familiar e o direito do pai não guardião de supervisionar o interesse dos filhos (art. 1583, §3º, CC) e de fiscalizar sua manutenção e educação, o que na guarda compartilhada é amplamente observado, porém, em regra, não é isso que ocorre, pelo contrário, surge a alienação parental.
Ocorre que com a nova concepção de família, manifestou-se uma igualdade de direitos e obrigações no exercício do poder familiar pelos pais e isso levou os homens a reivindicarem seu direito de exercer plenamente o poder familiar em concorrência com as mulheres, o que de forma crescente tem conduzido a litígios acerca da concessão de guarda dos filhos menores.
A prática comum é de que o genitor guardião exerça sozinho o poder familiar. Esta prática, além de representar uma afronta à Lei prejudica a prole que vê ofendido o seu direito à ampla convivência familiar, uma ofensa ao princípio da afetividade, direitos assegurados pela Constituição Federal, por meio da opressão ou violência psicológica (ARAÚJO, 2008).
É cediço que impera a tradição de que a mãe é a mais indicada para exercer a guarda dos filhos, sobretudo quando ainda pequenos (DIAS, 2009, p.548). Assim, no contexto da concentração e disputa pela guarda e custódia das crianças, sobretudo no ambiente da mãe, é que se manifesta o fenômeno da alienação parental.
Sendo assim, o afrouxamento dos laços de afetividade entre pais e filhos, resultado da cessação do convívio, é o cenário propício a que um dos genitores passe a obstar ao genitor não-guardião o convívio com a prole.
Ocorre que, nos casos de separação conflituosa, um dos cônjuges, sabedor da importância de que se reveste o convívio com os filhos, resolve dificultar a relação destes com o outro genitor para atingi-lo, como forma de vingança. Resta que o convívio dos filhos com um dos genitores fica prejudicado, deixando estes de exercerem as funções parentais de forma equânime.
Muitas vezes quando da separação, os adultos não conseguem dissociar seu papel de companheiro/cônjuge do papel de pais. Assim, empreendem uma verdadeira cruzada contra o genitor não-guardião, de modo a afastá-lo do convívio do filho, fruto da agora extinta união. A essa prática dá-se o nome de alienação parental.
A perpetração continuada desta prática, que afeta, sobretudo, a criança, pode culminar com uma manifestação mais grave, que promove o afastamento total da criança do alienador. Resulta, portanto, da conjugação de condutas ou meios que, consciente ou inconscientemente, são utilizadas pelo genitor que intenta alienar o filho, com a ausência da vontade da criança acometida pela síndrome, de ter qualquer espécie de contato com o genitor não-guardião (FONSECA, 2006).
A síndrome da alienação parental, ao afetar o direito à convivência familiar, macula a dignidade humana também por afetar a identidade pessoal da criança, por meio da opressão e da violência psíquica (HIRONAKA; MONACO, 2009, p. 548).
A prática da alienação representa, portanto, a concentração do poder familiar e das prerrogativas a ele inerentes por um dos genitores. Este genitor-alienador, a despeito do poder-dever que lhe é inerente de promover o melhor interesse do menor, afronta o direito fundamental da criança ou adolescente à convivência familiar plena.
Segundo Silva (2009), a síndrome da alienação parental pode ser instaurada também por parte do genitor não-guardião, que no momento das visitas influencia a criança a pedir para ir morar com ele.
Por fim, conclui-se que a alienação parental é um processo de afastamento dos filhos de um dos genitores - abandono afetivo -, cujo agente ativo é o outro, o chamado cônjuge alienador. Já a síndrome se refere às sequelas emocionais e comportamentais de que padece a criança vítima do alijamento, e por vezes também o alienador. A conduta alienante, parte do processo de afastamento entre o genitor e a prole quando ainda não sucedida pela síndrome, é reversível, podendo ter seus efeitos solapados, restabelecendo-se a relação com o genitor preterido (FONSECA, 2006).
2 Guarda compartilhada e o melhor interesse do menor
Entre os direitos fundamentais assegurados à criança e ao adolescente, destaca-se o papel da autoridade parental e da guarda dos menores no caso de separação dos pais (TEPEDINO, 2008, p. 865). Nesse sentido, justifica-se a necessidade de tornar ambos os pais coresponsáveis pela educação dos filhos, valendo-se de instrumentos que privilegiem a democratização dos direitos-deveres dos genitores em benefício dos filhos. Nessa seara destaca-se o novel instituto da guarda compartilhada.
A insuficiência da guarda exclusiva para cumprir o papel parental e a consequente necessidade de manter o afeto entre pais e filhos, mesmo após o rompimento da relação, fez surgir a guarda compartilhada.
A guarda compartilhada pode ser vista como uma forma de manter os vínculos parentais entre pais e filhos após o rompimento dos vínculos conjugais, momento em que afloram os conflitos. Através dela, mesmo com o fim da união entre os pais, permanecem as obrigações e os deveres destes na educação dos filhos e nos cuidados necessários ao desenvolvimento da prole.
Assim, o instituto da guarda compartilhada funciona como um instrumento apto a promover, para além da igualdade de atribuições entre os pais, o melhor interesse do menor nas situações que enredam conflito, com efeito, minorando a possibilidade de desenvolvimento da alienação parental.
A despeito dessa acepção, deve-se considerar a guarda sob a perspectiva de inserção do menor no processo de delineamento dos contornos em que deve ela ser praticada. É fundamental considerar o valor jurídico da guarda no sentido de cuidado com os filhos menores, revelando-se o compromisso dos pais no exercício do poder familiar, notadamente, após a dissolução da sociedade conjugal, com o bem-estar dos filhos em processo de desenvolvimento (GAMA, 2009).
Desta forma, afigura-se a guarda compartilhada como a modalidade mais indicada a conformar o exercício do poder familiar e os interesses do menor, mitigando o fenômeno da alienação parental.
3 Considerações finais
A evolução social e a consequente dinamização das estruturas familiares fizeram prevalecer uma relação fundada no exercício de um múnus ou dever dos pais de proteger e proporcionar formação, educação, saúde, afeto, entre outros direitos dos menores considerados como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento.
A nova compreensão da família como entidade fundada na solidariedade e afetividade, sempre no sentido de promover o desenvolvimento da personalidade de seus membros, levou os homens a reivindicarem seu espaço afetivo em condição de igualdade com a mãe e seu direito de exercer as atribuições pertinentes ao poder familiar em plenitude.
Diante disso, apresentou-se neste trabalho o fenômeno da alienação parental, que tem sua gênese no contexto do exercício desigual do poder familiar por parte dos pais cujo vínculo conjugal se desfez.
O genitor alienador, assim, deixa de exercer o múnus que lhe foi deferido de promover o melhor interesse do menor, desrespeitando frontalmente o direito da criança e do adolescente à convivência familiar plena.
É de rigor observar-se que com o fim da união entre os pais, permanecem as obrigações e os deveres destes na educação dos filhos e nos cuidados necessários ao desenvolvimento da prole.
Nesta seara, justifica-se a necessidade de tornar ambos os pais co-responsáveis pela educação dos filhos, valendo-se de instrumentos que privilegiem a democratização dos direitos-deveres dos genitores em benefício dos filhos.
Desta feita, no afã de promover o melhor interesse do menor assegurando-lhe o direito à convivência familiar, aponta-se como solução deste problema o modelo da guarda compartilhada, como concretizador de um feixe de prerrogativas que devem ser exercidas, mesmo com o fim da união entre os pais.
Através da guarda compartilhada o poder familiar permanece comum para ambos os genitores. Este modelo preconiza uma maior solidariedade e co-responsabilidade entre os pais e sua adoção mostra-se consentânea com o princípio do melhor interesse do menor.
A guarda compartilhada é uma possibilidade de evitar que se instale o conflito, ou seja, é concebida não apenas, mas principalmente, no momento que sucede a separação conjugal, antes que o esmaecimento do convívio entre o filho e o genitor que não detém a guarda física transforme-se em campo fecundo para que o genitor que detém o contato direto com a prole implemente medidas tendentes a dificultar ou obstar o convívio desta com o outro genitor.
Tal medida viabiliza a convivência familiar entre pais e filhos e o exercício equilibrado do poder familiar, como forma de estancar qualquer tentativa alienadora por parte de um dos genitores.
Desta forma, orientada pelos princípios constitucionais da igualdade, solidariedade e do melhor interesse do menor é que se apresenta a guarda compartilhada como instrumento possível a mitigar ou inibir a emergência do fenômeno da alienação parental.
REFERÊNCIA:
ARAÚJO, Sandra Maria Bacarra. Alienação parental. In: Revista dos Defensores públicos do Distrito Federal. Disponível em:
2008.pdf>. Acesso em: 20 maio. 2012.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 5.ed. rev., atual. e ampl. São Paulo,
Editora Revista dos Tribunais, 2009.
FONSECA, Priscila Maria Corrêa da. Bacharel em ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade
Paulista de Direito da Pontifícia Universidade Católica. Artigo publicado em Pediatria
(SãoPaulo), 2006; 28(3)162-8, p. 12. Disponível em: . Acesso em: 15 maio. 2012.
GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família:
guarda compartilhada à luz da lei nº 11.698/08 - família, criança, adolescente e idoso. São
Paulo: Atlas, 2008.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; MONACO, Gustavo Ferraz de Campos.
Síndrome da Alienação Parental. In: DIAS, Maria Berenice (Org). Direito das famílias. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
SILVA, Ana Maria Milano. A lei sobre guarda compartilhada. São Paulo: Leme: J. H.
Mizuno, 2008.
TEPEDINO, Gustavo. A tutela constitucional da criança e do adolescente: projeções civis e
estatutárias. In: SARMENTO, DANIEL, et al. Igualdade, Diferença e direitos humanos.
Rio de janeiros, Lumen Juris, 2008.
* Paper , orientado pela Prof.ª Anna Valéria do curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.
**Advogado.