RESUMO

A crise do subprime iniciou em 2008 nos Estados Unidos, e se alastrou por diversas partes do mundo, por conta de um cenário internacional cada vez mais conectado e interdependente entre diversos países. Isso ocorreu por conta do processo de liberalização pelo qual os sistemas econômicos passaram a partir dos anos 70, o que diminuiu a relevância da teoria keynesiana que dominava as políticas macroeconômicas. Este trabalho examina a economia brasileira no cenário pós-crise internacional, entre os anos de 2011 a 2015 com o objetivo de entender como a teoria keynesiana influenciou as políticas intervencionistas do governo brasileironeste período. A análise utilizou as ideias de John Maynard Keynes e pós-keynesianos como Hyman Minsky para apresentar os ciclos econômicos e explicar a natureza das crises, além de estudar as políticas macroeconômicas brasileiras a partir delas. A conclusão é a de que o governo brasileiro adotou políticas bastante similares às teorias dos autores em questão, principalmente no período expansionista entre 2011 e 2014.Porém, com a recessão iniciada em 2015, a política econômica tomou características contracionistas para evitar piores resultados.

Palavras – chave: Economia brasileira. Crise econômica. Macroeconomia. Pós-crise de 2008. Políticas macroeconômicas.Keynesianismo.

1 INTRODUÇÃO

            A crise econômica que assolou o mundo entre os anos de 2008 e 2009, e ainda faz efeitos até os dias de hoje, pode ser considerada como a mais severa da história do capitalismo moderno. Diversos economistas a utilizaram como comparação à Grande Depressão de 1929, que até então era a maior crise pela qual a economia havia passado, e assim puderam perceber a gravidade da atual situação do sistema financeiro mundial.

Para a origem da crise de 2008, a análise deve ser iniciadaem meados dos anos 1970, década na qual começou a se formar uma onda ideológica neoliberal ou fundamentalista de mercado. Esta nova configuração da economia internacional surgiu após mais de 40 anos de políticas keynesianas e intervencionistas, que apoiavam a interferência dos governos no mercado, com o objetivo de evitar crises como a de 1929. (BRESSER-PEREIRA, 2009)

            Ao longo das décadas de 1980-90, deu-se um longo processo de desregulamentação financeira na economia americana e em diversos outros países – inclusive o Brasil. Os principais traços desse processo foram a gradual eliminação da segmentação dos mercados e a ampliação do grau de abertura financeira entre os países. (HERMANN, 2009)

            O aumento do uso de tecnologias e criação de avançados sistemas de informação ajudaram a acelerar todo o processo de globalização e união dos mercados financeiros internacionais. O volume de transações entre os países aumentou consideravelmente nos últimos 50 anos, trazendo grande interdependência entre eles, junto com uma maior interação entre os atores econômicos.

             De acordo com Paula e Pires (2012), o Brasil experimentou um rápido e profundo processo de abertura da conta capital, incluindo a liberalização de capitais de portfólio (ações e títulos) tanto para residentes quanto para não-residentes. Esta situação sem dúvida contribuiu para o país tornar-se mais vulnerável a contágios externos, em particular após a implementação do Plano Real em julho de 1994, quando se adotou uma taxa de câmbio semi-fixa para propósitos da política de estabilização de preços.

            Sendo assim, os mercados que antes eram regulados por governos, com constantes e altas taxas de crescimento e redução da desigualdade, deram lugar ao neoliberalismo, que apoiava a baixa influência governamental e a livre concorrência no sistema financeiro e comercial mundial. O período liberal durou até o final de 2007 e início de 2008, época que mostrou maior desgaste, que culminou com a crise. (BRESSER-PEREIRA, 2010)

De acordo com Bresser-Pereira (2010),

[...]A crise financeira geral partiu da crise dos subprimes, ou, mais precisamente, de hipotecas oferecidas a clientes de qualidade de crédito inferior que eram depois agrupadas em títulos complexos e opacos, cujo risco associado era de avaliação difícil, senão impossível, para os compradores. Tratava‑se de um desequilíbrio em um minúsculo setor que, em tese, não deveria ter causado tamanha crise, mas o fez porque nos anos anteriores o sistema financeiro internacional fora tão intimamente integrado em um esquema de operações financeiras securitizadas [...](BRESSER-PEREIRA, 2010, p. 53)

            Portanto, nos Estados Unidos, a partir de uma pequena falta de atenção e parcimônia na regulamentação de suas instituições privadas, iniciou-se a maior crise da história mundial, com efeitos generalizados em centenas de países, que podem ser sentidos até hoje.

            Um exemplo do impacto da crise na economia mundial, de acordo com Oreiro (2011) é:

Com efeito, no último trimestre de 2008 a produção industrial dos países desenvolvidos experimentou uma redução bastante significativa, apresentando, em alguns casos, uma queda de mais de 10 pontos base com respeito ao último trimestre de 2007. Mesmo os países em desenvolvimento, que não possuíam problemas como seus sistemas financeiros, como o Brasil, também constataram uma fortíssima queda na produção industrial e no Produto Interno Bruto (PIB). (OREIRO, 2011)

A partir do caos instalado no mundo, chegou-se à conclusão de que a política econômica mundial em vigência tinha se esgotado. Estudiosos e lideranças políticas mundiais buscaram novas estratégias que impedissem maiores impactos econômicos, e que ao mesmo tempo renovasse a confiança da sociedade, empresas e dos investidores para retomar o crescimento dos últimos anos.

A opção mais popular em momentos pós-crise é a adoção de políticas keynesianas, que vão de encontro ao proposto em Bretton Woods pelo próprio John Maynard Keynes: fim do lasseiz-fairee maior regulamentação do mercado para promover o pleno emprego (WOLF, 2008).

Atualmente, os mercados se tornam grandes cassinos nas suas formas de atuação.Crises e instabilidades ocorreriam pela própria estrutura e operação deles, que não apresentariam regulação ou algum meio que garanta segurança aos agentes das suas atividades (KEYNES apud SILVA, 2013).

Sendo assim, em épocas de crise, a atitude correta a ser tomada pelos governantes de acordo com Keynes seria a intervenção no mercado.

Entre as ações “anti-crise” adotadas por governantes para mitigar os efeitos da crise, pode-seobservar a influência intervencionista keynesiana no governo de Barack Obama, com a criação de “grandes pacotes de incentivos fiscais” e a Lei de Recuperação e Reinvestimento de 2009. (WOLF, 2008)

De acordo com a teoria keynesiana a regulamentação é explicada a partir do momento que “o Estado é muito maior do que o mercado (...); é o instrumento por excelência de ação coletiva da nação. Cabe ao Estado regular e garantir o mercado e (...) servir de emprestador de última instância”. (BRESSER-PEREIRA, 2009)

            O keynesianismo consegue explicar as causas deuma crise financeira, que podem ser utilizadas para justificar a disseminação da crise pelo mundo. De acordo com Ferrari Filho e Paula (2009), a instabilidade financeira na perspectiva keynesiana não é vista como uma “anomalia”, e sim como o resultado da forma de operação dos mercados financeiros em um sistema no qual não existe uma estrutura de salvaguarda que exerça o papel de uma marketmakerglobal.

            Sendo assim, as crises financeiras não são apenas resultados de comportamentos “irracionais” dos agentes, mas resultam da própria forma de operação dos mercados financeiros globais liberalizados e sem um sistema de regulação adequado. (FERRARI FILHO, PAULA, 2009)  

            Portanto, pode-se perceber que houvenecessidade de mudança na postura dos governantes em relação ao modo pelo qual as políticas econômicas eram selecionadas e implementadas, além da mudança de posicionamento por parte dos indivíduos que fazem parte do sistema econômico. A passividade em relação à “mão invisível do mercado” trouxe muitos impactos negativos para a economia mundial nos 40 anos que esteve em destaque nos países desenvolvidos e emergentes, e abriu novamente espaço para a teoria keynesiana, como na crise de 1929.

            John Maynard Keynes dedicou parte de seu extenso trabalho (chamado de Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda) ao estudo de ciclos econômicos capitalistas, e seus defeitos que levam à instabilidade e crises periódicas. Ele utiliza a ideia do lasseiz-faire, vinda do liberalismo e que prega o livre mercado, para mostrar que é exatamente por conta da falta de uma maior regulamentação dos governos que crises econômicas surgem. (POLARI, 1984)

            Keynes também desenvolveu uma série de medidas que podem ser adotadas para reverter o cenário de recessão econômica. Isso pode explicar a preferência pelo estudo e utilização de sua teoria em momentos de graves crises desde a sua divulgação no final da primeira metade do século XX.

Podem-se observar que um dos canais de contágio da crise de 2008 na economia brasileira surgiu graças à liberalização do mercado financeiro para brasileiros e estrangeiros, o que causou problemas de liquidez na atividade bancária do país (PAULA; PIRES, 2012).

Mesmo assim, o Brasil mostrou um comportamento diferente em relação ao resto do mundo, por ser um dos últimos países afetados nos primeiros estágios da recessão financeira. A surpreendente reação à crise ocorreu graças a políticas de implementação de um sistema de câmbio flutuante, adoção de um regime de metas de inflação e geração de superávits fiscais primários significativos, além de um ciclo de crescimento voltado para o mercado interno (PAULA; PIRES, 2012)

Por mais que a teoria keynesiana seja preferida em momentos de tensão na economia mundial pelo modo no qual ela lida com a incerteza do mercado mundial, não está claro qual é o impacto que ela trouxe nos anos seguintes ao da crise de 2008, e se este impacto foi positivo ou negativo. É necessário um estudo mais detalhado, principalmente em economias como a brasileira, que em um primeiro momento foi considerada imune à crise, porém não conseguiu bloquear os efeitos da recessão econômica em momentos posteriores.

Portanto, a questão central seria entender como a teoria keynesiana influenciou as políticas intervencionistas do governo brasileirono período pós-crise, de 2011 a 2015.

O objetivo geral do trabalho é estudar a influência da teoria keynesiana nas políticas econômicas brasileiras no período pós-crise de 2008. Para isso, será feita uma revisão da teoria keynesiana acerca das crises econômicas, um breve histórico da crise econômica de 2008, além do efeito do keynesianismo nas políticas macroeconômicas brasileiras durante os anos de 2011 a 2015.

O estudo de crises é fundamental para as diversas linhas teóricas da Economia, seja a partir da visão capitalista, que inclui análises sobre ciclos econômicos, escassez e superprodução, ou a partir da visão socialista, que culpa o capitalismo por apropriação de riqueza e exploração dos trabalhadores, e aponta como causa das crises a ambição pela obtenção de lucro por parte dos donos dos meios de produção, e a manipulação de sinais de recessão.

De acordo comBresser-Pereira (2010), a crise de 2008 foi a crise mais severa enfrentada pelas economias capitalistas desde 1929. Sua magnitude e efeitos em escala mundial, que perduram até hoje, são temas de diversas pesquisas na economia, desde a esfera social até a monetária.

            A teoria escolhida para o presente trabalho é a keynesiana, pois desde o final da II Guerra Mundial, ela é amplamente utilizada em períodos de crise graças ao seu caráter intervencionista e à inovação que ela trouxe frente aos outros teóricos econômicos.

Isso pode ser explicado pelo fato de várias das idéias de Keynesterem sido utilizadas na conferência de BrettonWoods, que serviu como base para a reconstrução da economia mundial após 1945, e auxiliou na retomada do poder econômico de economias como os EUA e Reino Unido, país no qual ele representou na conferência.

A teoria de Keynes traz uma nova visão em relação às crises econômicas, com soluções que se adequam melhor ao sistema econômico mundial. Teorias econômicas, como a Marxista, focam em explicar a crise a partir da visão anticapitalista. Marx utiliza a crise para exemplificar como a utilização da moeda como meio de troca e os meios de produção como culpados diretos da recessão. De acordo com seus seguidores, “enquanto o sistema capitalista predominar, será recorrente a presença de crises” (BARIZÃO; GIL, 2016).

            A economia brasileira foi a escolhida para ser analisada a partir das teorias keynesianas pois ela passou de uma fase liberal (primeira metade dos anos 2000) para uma fase intervencionista (de 2008 a 2016), o que mostra certa influência da teoria. Porém, não está clara quais foram as medidas keynesianas adotadas durante este segundo período, e o trabalho busca fazer um paralelo entre as políticas econômicas brasileiras e o keynesianismo, unindo a teoria com a realidade atual.

Na Economia, há diversas teorias que são aprendidas no meio acadêmico, e que infelizmente são exemplificadas a partir de fatos antigos, que fogem do que é visto no mundo contemporâneo. Uma revisão das antigas teorias a partir do momento presente faz com que a inovação seja promovida e ideias equivocadas sejam abandonadas.

O segundo capítulo do trabalho será composto pelos principais conceitos da teoria keynesiana em relação a crises econômicas, e será seguido pelo terceiro capítulo, que compreende a crise econômica de 2008, com a explicitação dos seus efeitos na economia mundial e destaque aos efeitos dela na economia brasileira.

No quarto capítulo a análise do efeito do keynesianismo nas políticas macroeconômicas brasileiras durante os anos de 2011 a 2015 será explicitada.