Não é meu ponto forte escrever crónicas, mas porque sou alguém viciado pela escrita não resisti a tentação de escrever uma das histórias mais incríveis que já pude ver e ouvir alguém a contar. A história é de uma moça chamada Ana que eu conheci quando ainda estava a fazer ensino secundário entre 2007 à 2011 em Chòkwé, nessa altura, Ana ainda poderia ser chamada de menina, tinha pouco mais que 15 anos e, entre as meninas da Escola Secundária de Chòkwé, lugar onde a conheci e fomos colegas, ela era uma das mais bonitas e, por pouco não se candidatou a miss da cidade porque seu pai que era um dos nossos professores não queria que ela se mostrasse para todo mundo naqueles habituais desfiles de mulheres quase nuas.

Ana era o tipo dessas moças que quando tem oportunidade de sair fora de casa querem experimentar e fazer de tudo porque em casa para sair, mesmo que fosse para casa do vizinho, precisa justificar: onde vai, porque vai e quanto tempo vai levar? E, não era por pouco, o pai dela é daqueles tipos tradicionais que acredita que uma menina deve crescer com princípios rígidos para que não se desvie pelos maus caminhos e, por isso, ele não deixava que suas filhas, incluindo a Ana, saíssem sem justificativa e, quem entre elas ousassem desautorizar essa norma era exemplarmente punida.

Ana era a mais nova entre 3 irmãs, talvez era por isso que ela era a mais controlada e, para o azar dela, a mais velha não aguentou com as regras do velho e acabou fugindo com o namorado para as “terras do rand” e, pouco tempo depois, a outra acabou morrendo em uma suposta tentativa de aborto que segundo a Ana, a morte da sua irmã é culpa do seu pai que por medo da reacção dele, a finada acabou fazendo um abordo secreto em condições descaracterizadas para aquele acto.

A poucos dias, depois de mais ou menos 4 anos encontrei-me com a Ana, ela me pareceu mais crescida mas, também muito magoada. Conversamos por cerca de 1 hora com sorrisos intercalados entre uma lembrança e outra, até ao momento que toquei o nome do pai. Ela diz que se não fosse pelo pai que tem poderia jurar de “pés juntos” que ainda estaria com as suas duas irmãs porque, mesmo aquela que está na África do Sul, diz ela, que lhe disse que não voltaria mais para casa enquanto o pai ainda estivesse vivo.

- Parece que ela está cumprindo a sua promessa; disse ela com um semblante que denunciava a vinda de lágrimas nos olhos, eu já estava a me sentir desconfortável com o ritmo da conversa mas, antes mesmo de eu puder desviar o assunto ela acrescenta;

- Porque já morreu a minha outra irmã, ela não voltou, e recentemente morreu a minha mãe e, ela não voltou. E logo eu cortei-lhe e, fui directo lhe confortar: “- não se preocupe querida, vai passar, também perdi meu pai a pouco tempo”.  Para minha surpresa as minhas palavras espantaram um rio de lágrimas nos olhos dela e, como eu estava-lhe abraçando dava até para sentir os seus músculos trémulos quando eu disse aquelas palavras. Eu logo percebi que havia “metido água”. Sempre pensei que não tinha jeito para confortar as pessoas, mas algumas pessoas próximas de mim vivem elogiando-me e insistindo que sou bom nas palavras, por isso, acabei ganhando confiança, admitindo que eu estava errado e as pessoas que dizem que sou bom tem razão. Mas se eu soubesse o que a Ana pensava a respeito da morte dos pais, pelo menos naquele dia que eu disse que perdi meu pai, pensando que estava-lhe confortando, daria razão a mim mesmo, sou desajeitado para consolar. Pois, depois que ela parou de chorar disse já revigorada e sem hesitação:

- Quem me dera se eu fosse você, me desculpa Agneves, mas eu daria tudo para ver meu pai morto e minha mãe viva. E acrescentou “ – meu pai continua arrogante do jeito que conheces e, infelizmente cheio de saúde”. Eu já estava sem tempo, trocamos de números e prometemos nos encontrar quando for possível. Tudo passou, mas o que ficou na minha cabeça até hoje é a imagem de mágoa e rancor que a Ana tem do seu pai por causa de tudo que ele fez, embora pensando que era o melhor para as filhas.

O pai da Ana é um professor de profissão, licenciado em Geografia, mas se há uma coisa que ele não sabe e, certamente não existem nos livros de geografia, é que o amor deve vir em primeiro na educação dos filhos e, ele só vai perceber isso no dia que a Ana vai explodir na cara dele que, reza todos os dias para ele morrer porque essa é a condição para ela voltar a ver a irmã que é a única pessoa viva que tem lembranças de ter recebido o amor.

Autor: Franquelino Agneves B. Basso