Temos positivado na Constituição Federal a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e ainda o respeito à dignidade da pessoa humana. A incomunicabilidade do indiciado tem como principal objetivo, a separação plena do indiciado com o mundo exterior, o que não acontece na prática, pois, o mesmo terá contato com seu advogado, de forma a não dificultar a defesa e a garantia constitucional ao contraditório, logo, a medida não traz nenhum benefício eficaz às investigações, constatando-se uma afronta ao principio da dignidade da pessoa humana e contrário ao Estado democrático de direito.

Devido a sua ineficiência, é necessária a alteração do artigo 21 do CPP, tendo em vista que se tal norma continuar ativa no código de processo penal, é permitir que o princípio norteador da modernidade “a igualdade de todos sem distinção de qualquer natureza”, não passe de palavras escritas na constituição, que demonstre uma representação da linguagem falada por meio de signos gráficos, porém se não produzir um efeito real não atinge aos mais necessitados do amparo judicial.

O indiciado não pode ser privado de sua liberdade, com o simples propósito de não atrapalhar as investigações, estas repercussões negativas não podem ser usadas como desculpa para diferença de tratamento. O Estado deve criar outros mecanismos para aperfeiçoar e diminuir a morosidade dos procedimentos no que tange as investigações. Exemplificando a inconstitucionalidade do artigo em discussão, citaremos o art. 136 § 3º da CF/88, que proíbe expressamente a incomunicabilidade do preso.

Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

§ 3º   Na vigência do estado de defesa:

IV -  é vedada a incomunicabilidade do preso.

 

No país democrático de direito em que vivemos, por estar positivado em sua Constituição, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e ainda o respeito à dignidade da pessoa humana, não pode conviver com o despropósito previsto no artigo 21 do Código de Processo Penal, in verbis: 

Art. 21. A incomunicabilidade do indiciado dependerá sempre de despacho nos autos e somente será permitida quando o interesse da sociedade ou a conveniência da investigação o exigir.”

Parágrafo único. “A incomunicabilidade, que não excederá de três dias, será decretada por despacho fundamentado do Juiz, a requerimento da autoridade policial, ou do órgão do Ministério Público, respeitado, em qualquer hipótese, o disposto no artigo 89, inciso III, do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei n. 4.215, de 27 de abril de 1963).

 

Ainda de acordo com a Constituição Cidadã, em seu art. 5º, incisos LXII e LXIII, os quais preveem que, a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada e também que o preso será informado de seus direitos, entre os quais, o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado, nos deixa claro que a pessoa do indiciado, como a de qualquer outra pessoa deverá ser sempre protegida.

Antes da reforma do parágrafo único do artigo 21 do CPP, a incomunicabilidade atingia até mesmo a pessoa do advogado, prejudicando a defesa e o contraditório, porém após a alteração da redação do parágrafo único, determinando-se o respeito ao disposto no art. 89, III do Estatuto da ordem dos advogados do Brasil (lei 4.215, de 27 de Abril de 1965) não se admitiu a incomunicabilidade do preso com o defensor.

Com a incomunicabilidade o indiciado está sendo punido, sem sequer, saberem se ele é realmente o culpado e ainda que fosse considerado culpado, após o transito em julgado de sentença condenatória, deve ser tratado com o devido respeito digno de qualquer ser humano. Não há a menor razoabilidade nessa medida, que fere o Estado democrático de direito e não deixa de ser uma ofensa à presunção de inocência prevista no art. 5º, LXII da CF.

 Será que não estaremos mascarando um estado ditatorial ao permitirmos que um ser humano fique incomunicável? Em um Estado democrático de direito, no qual, todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, não seria paradoxal a permissão da incomunicabilidade do indiciado? A medida restritiva adotada é apta a atingir o fim proposto? Existe outra medida menos gravosa apta a lograr o mesmo objetivo? O sacrifício imposto ao indiciado, titular de direitos individuais indisponíveis previstos na constituição cidadã, está em uma relação proporcional com a importância do bem jurídico que se pretende salvaguardar; no caso, as investigações?

Todas essas indagações deverão ser respondidas à sociedade.

Parte da doutrina tem equivocadamente entendido ser cabível a incomunicabilidade do indiciado, como nos relata o autor Guilherme de Souza Nucci:

Há posição na doutrina admitindo a vigência da incomunicabilidade e justificando que o art. 136, §3o, IV, da Constituição federal, voltou-se unicamente a presos políticos e não a criminosos comuns. Aliás, como é o caso da previsão feita pelo Código de Processo Penal.

(2009, p.170).

 

Espera-se que a tão aguardada reforma do Código de Processo Penal humanize seus conceitos. Mas enquanto o artigo 21 do CPP permanecer vigente em nosso ordenamento jurídico entende-se que deve o magistrado ter a perspicácia e sensibilidade de verificar em cada caso concreto, se a restrição ao indivíduo é realmente necessária, adequada e se tal procedimento se justifica pelo valor que protege.

 

REFERÊNCIAS

 

 

 

BRASIL. Código de Processo Penal. VADE MECUM. 60. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. VADE MECUM. 60. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 6 ed. São Paulo: Editora RT, p.170, 2009.