A incidência da responsabilidade civil em indenizações por abandono afetivo de filhos após o divórcio[1]

 

Carlos Eduardo Silva Rodrigues2

Mylane Azevedo Mouzinho2

Bruna Barbieri Waquim 3

 

Sumário: 1 Introdução; 2 Pontos de Convergência entre a Responsabilidade Civil e o Direito de Família; 3 O Abandono Afetivo e as possibilidades de Indenização; 4 Indenização por Abandono Afetivo para filhos após o divórcio; 4.1 Decisões contrárias ao dever de indenizar; 5 Conclusão;  Referências

 

                                                                           

 

RESUMO

                                                                                       

O presente trabalho trata da possibilidade de indenização por abandono afetivo, mais especificadamente, a sua incidência diante do abandono de filhos após o divórcio. Todavia, faz–se necessário a visualização de pressupostos da responsabilidade civil, pois o abandono pode vir a causar danos às crianças/ adolescentes e para que haja a reparação temos que verificar nexo causal entre a conduta paterna e o dano causado.  A possibilidade dessa indenização não é pacífica no nosso ordenamento, ao passo que para alguns, o pai não é obrigado a amar o filho, porém a sua função como genitor é garantir a prole um crescimento saudável e com amparo afetivo. Esta afetividade, que apesar de estar implícita na nossa Carta Magna, é verificada na legislação infraconstitucional como o Estatuto da Criança de do Adolescente (ECA) e o Código Civil, sendo um dos princípios basilares da relação familiar.  Desta feita, pretende-se analisar neste paper o que venha a ser o abandono afetivo e a sua relação com a responsabilidade civil, além de se verificar as excludentes de responsabilidade e a melhor maneira de reparar o dano causado pelo pai.

 

Palavras-chave: Abandono Afetivo. Filiação. Indenização. Responsabilidade Civil.

                         

1 INTRODUÇÃO

 

A produção deste presente trabalho ocorrerá de uma proposta que visa explanar a possibilidade de indenização por abandono afetivo, analisando como tal situação vem sendo decidida pelos magistrados, vez que não há uma legislação que regulamente casos referentes à reparação por ao abandono afetivo sofrido pela mãe ou pai. Para tanto, será abordado neste decisões judiciais sobre o abandono de filhos após o divórcio, onde se pretende compreender o trabalho a partir da problemática no que tange a possibilidade de cabimento de reparação as crianças/ adolescente pelos danos sofridos em decorrência do divórcio dos pais.

Tal questionamento será respondido no decorrer do trabalho que objetiva investigar a possibilidade da incidência na responsabilidade civil da indenização por abandono afetivo, bem como os seus aspectos doutrinários e jurisprudenciais no que se refere à monetarização do afeto, em particular nas relações entre filhos do divórcio. Contudo, ao longo do trabalho verificar-se-á que nem todos os doutrinários são a favor de tal medida, ao passo que o amor não pode ser imposto.

Para tanto, o paper será apresentado através dos seus objetivos específicos, onde o primeiro oferece o entendimento a cerca dos pontos de convergência entre a Responsabilidade Civil e o Direito. Em seguida analisaremos o Abandono Afetivo e as possibilidades de Indenização, ao passo que até mesmo as relações familiares podem levar a uma reparação. Por fim, nos ateremos a indenização por Abandono Afetivo de filhos após o divórcio, analisando como o desfazimento da família pode trazer danos aos menores e de que como essa problemática vem sendo resolvida pelo judiciário.

Além do exposto, por se tratar de um paper, trabalhou-se com uma metodologia de caráter exploratório, que visou à tentativa de diminuir as dificuldades encontradas no tema da responsabilidade civil no abandono afetivo, fazendo-se uso de diversas variáveis de fontes para a pesquisa, como doutrinas, jurisprudências, artigos e periódicos, já que se tratou de uma pesquisa de caráter bibliográfica. Para mais a técnica da pesquisa utilizada, é a documental, pois houve a coleta dos dados, baseando-se nas pesquisas realizadas.  

 

2 PONTOS DE CONVERGÊNCIA ENTRE A RESPONSABILIDADE CIVIL E O DIREITO DE FAMÍLIA

 

É relevante que se adentre ao tema do presente artigo estabelecendo os pontos nos quais a Responsabilidade Civil e o Direito de Família eventualmente se encontram, gerando repercussão fática e jurídica passíveis de análise para os estudiosos e operadores do Direito. Tais similitudes quanto ao objeto de estudo devem ser estabelecidas, pois nem sempre os temas atinentes aos dois ramos jurídicos são do mesmo teor, devendo haver a clara menção ao que se está problematizando.

A Responsabilidade Civil, pois, tem como escopo o artigo 5º da Constituição Federal (1988), que enseja a possibilidade de responsabilização civil por danos morais e materiais. Por intermédio da hipótese de reparação por danos morais, existe a comunicação direta com o Direito de Família, que trabalha de forma ativa com os direitos de personalidade e eventuais violações daqueles. O artigo supracitado vigora com a seguinte redação:

 

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

 

No que se refere ao estudo do Direito de Família, Matzenbacher (2009, p. 61-62) afirma que “a família mudou, abandonou características do século passado para agregar as características de uma Entidade Familiar, protegida pela Constituição e os princípios da dignidade da pessoa humana e solidariedade familiar”.

Ainda, “a nova família prima por um ambiente de afeto para propiciar a realização e desenvolvimento de todos os seus componentes e em especial da criança e do adolescente, em face da formação de sua personalidade” (MATZENBACHER, 2009, p. 61-62). Isto é, o desenvolvimento da criança e do adolescente não é totalmente contemplado com o simples fornecimento de condições básicas e primárias de vida, mas sim com a existência de ambiente propício para estimular de forma sadia a personalidade daqueles.

Outrossim, a relação já mencionada é vista, sobremaneira, na temática constitucional da dignidade da pessoa humana, a qual “irradia valores e vetores de interpretação para todos os demais direitos fundamentais, exigindo que a figura humana receba sempre um tratamento moral condizente e igualitário” (FERNANDES, 2016, p. 306). Logo, ao se falar em conceder aos jovens e crianças subsídios mínimos para formação satisfatória de sua personalidade, a reparação quando algo obsta tal processo se dá no campo moral, totalmente possível quando se fala de abandono afetivo.  

Tartuce (2017, online) reitera que “a responsabilidade civil no Direito de Família projeta-se para além das relações de casamento ou de união estável, sendo possível a sua incidência na parentalidade ou filiação, ou seja, nas relações entre pais e filhos”. Desta maneira, é perceptível que há convergência entre os dois campos do Direito desde as relações entre cônjuges até entre pais e filhos.

 

3  O ABANDONO AFETIVO E AS POSSIBILIDADES DE INDENIZAÇÃO

 

É crucial que se estabeleça o vértice em análise entre essas duas retas, quais sejam, a Responsabilidade Civil e o Direito de Família. Reitera-se, assim, que até mesmo as relações de casamento podem ensejar responsabilização civil e, portanto, jurídica (TARTUCE, 2017). Porém, o foco do presente artigo é analisar tal atribuição de responsabilidades nas questões de filiação, ou seja, nas relações entre os pais e os filhos e na necessidade de mantê-las (de forma saudável), sob o risco de configuração do abandono afetivo.

Inicia-se o debate sobre o abandono afetivo em cima da grande problemática e muitos questionamentos acerca de um suposto dever de amar, suscitando até mesmo discussões sobre a legitimidade de tal dever, já que os seres humanos são dotados de liberdades e a sua voluntariedade é, em algum grau, priorizada. Entretanto, não se fala em dever de amar quando se verifica indenizações por abandono afetivo, mas sim no dever de cuidado (TARTUCE, 2016), pois a partir do momento em que se gera filhos, há responsabilizações que devem ser atribuídas aos seus genitores. Tais responsabilizações, desta maneira, geram diferentes formas de indenização.

Tartuce (2017, online) atenta para a aplicação do princípio da solidariedade social ou familiar, estampado no artigo 3º, inciso I, da Carta Magna de 1988, a uma relação de caráter privado, exercendo “eficácia horizontal”. Tal princípio evoca a necessidade de ser solidário principalmente dentro do seio familiar, pois existe uma finalidade que circunda o Código Civil brasileiro e outras legislações atinentes ao Direito de Família, que é a tentativa de manutenção daquela família ou do casamento, já que este gera procriação.

Sobre tal princípio, existe a sua mitigação principalmente nos casos de alienação parental, que ocorrem com cada vez mais frequência em território nacional. Em tais ocasiões, um dos pais macula a relação do outro com o filho, o que acaba gerando consequências muitas vezes parecidas com as que são observadas nos casos de abandono afetivo, tal como a própria quebra do vínculo familiar, o qual pauta-se em uma relação de confiança.

Argui-se que:

 

“O exercício da paternidade e da maternidade – e, por conseguinte, do estado de filiação - é um bem indisponível para o Direito de Família, cuja ausência propositada tem repercussões e consequências psíquicas sérias, diante das quais a ordem legal/constitucional deve amparo, inclusive, com imposição de sanções, sob pena de termos um Direito acéfalo e inexigível” (PEREIRA, 2015, p. 401).

 

 

Por conseguinte, o abandono afetivo gira em torno da ideia que muitos pais e mães possuem de pensar no exercício da paternidade e da maternidade como sendo uma faculdade ou como uma opção que tivesse disponível para eventuais idas e voltas na vida de um filho. Isto é, o dever de cuidar de uma prole deve ser dotado de uma constância, que não deixa de existir nem mesmo quando aqueles atingem a maioridade e passam a prover do seu próprio sustento. Os ascendentes e descendentes, assim, continuam sendo responsáveis uns pelos outros, por questões não só patrimoniais, mas também relativas ao afeto, existindo o dever de indenização na omissão de tal cuidado.

 

4 INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO PARA FILHOS APÓS O  DIVÓRCIO

 

Após essa análise da possibilidade de indenização em virtude do abandono afetivo, não porque os pais são obrigados a amar os filhos, mas sim devido às responsabilidades que estes detêm ao gerar proles, cumpre esclarecer a viabilidade de aplicação de responsabilidade civil diante do abandono de filhos advindos do primeiro relacionamento.

É sabido que há institutos que caracterizam o desfazimento da família, sendo eles a separação, o divórcio e a dissolução de união estável. Estes processos tendem a ser dolorosos a prole do casal, uma vez que a criança/ adolescente encontra-se habituada aquele meio familiar, sendo o distanciamento de um dos pais uma abalo emocional (GONZAGA, 2005). Em razão disto é se que preza pela continuidade da convivência com os pais através da guarda compartilhada e das visitações

Em que pese o amparo judicial ao estabelecer regras atinentes à continuidade da relação paterno-filial, a parte mais fragilizada não deixa de sofrer com a separação, ao passo que há dificuldade em dissociar a figura dos pais como genitores, da relação conjugal mantida por eles (GONZAGA, 2005). Esta situação é agravada frente a um abandono paterno. 

Mercê do sobredito, fala-se da possibilidade de indenização decorrente do abandono de filhos do primeiro relacionamento. Demandas com este teor têm sido julgadas no país, cita-se o exemplo da ação que tramitou em Brasília (sentença condenatória, 2ª Turma Cível do TJDFT. Processo: 2013.01.1.136720-0) na qual o autor da ação alegou o sofrimento diante do abandono do pai que não exerceu o direito a visita estipulado pela justiça. O mesmo arguiu ainda, que o pai o ligava alcoolizado, aparecia com mulheres estranhas e que o tratava de forma diferenciada dos outros irmãos, tendo ainda transferido seus bens para não lhe deixar herança (BRASIL, 2016).

Em contrapartida o pai alegou que não realizava as visitas, pois a mãe impunha dificuldades para a realização delas, “mas mesmo assim encontrava o filho em locais públicos; e que a instabilidade da ex gerou situação desagradável para ele e sua atual esposa” (BRASIL, 2016. Online).

No entanto, a ausência do genitor gerou uma doença pulmonar de fundo emocional e problemas comportamentais no autor. A juíza ao analisar o caso concreto observou os elementos da responsabilidade civil presentes na demanda (dano, culpa e nexo de causalidade) e estabeleceu uma indenização no valor de R$ 50.000 (cinquenta mil reais) (BRASIL, 2016).

Outro caso com mesmo objeto foi julgado no Mato Grosso do Sul (Apelação julgada pela 4º Câmara Civil do Mato Grosso do Sul), onde dois menores ajuizaram uma ação contra o pai que deixou o lar, mudou-se para outro Estado, assumindo relação extraconjugal, não se fazendo mais presente na vida os filhos. Apesar de tentar contato com o pai, o mesmo se recusou e se distanciou ainda mais, ocasionando abalos emocionais nos menores, além de internações em clínicas psiquiátricas, diagnósticos de depressão e déficit de atenção (BRASIL, 2013). Em contestação o pai alegou que não abandou os filhos, mas que a separação com a ex-esposa foi traumática e longa, e que se mudou por razões de emprego e refez a vida (BRASIL, 2013). Apesar disto, restaram-se demonstrado elementos ensejadores da responsabilidade civil, levando a condenação do réu ao pagamento de R$ 100.000 (cem mil reais) aos menores, devido ao abandono que levou a doença dos mesmos.

Notamos, em ambos os casos, a presença de danos decorrentes da ausência do pai. Trazendo a baila os pressupostos da responsabilidade civil, observamos que houve efetivamente um dano, causado pelo abandono afetivo do genitor, sendo assim há a presença de uma responsabilidade subjetiva, ao passo que como expressa o art. 186 do Código Civil “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito e causar o dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” [grifo nosso].

Apesar se caracterizar uma responsabilidade subjetiva, há certas informações nos presentes casos que merece atenção. O primeiro afirma que não houve um abandono afetivo, mas sim que mãe do garoto impunha dificuldades às visitações, aqui podemos apontar uma possível alienação parental. Esta é caracterizada, segundo o art. 2 da Lei nº 12.318, pela:

 

Interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 

 

 

Uma das formas da alienação se dá por estabelecer dificuldades ao genitor para entrar em contato com o filho (art.2, paragráfo único, III, Lei nº 12.318), dificultando o direito de convivência familiar, afrontando, desta maneira, o princípio da solidariedade familiar. Este se encontra presente no art. 3, I da CF, caracterizando-se pela solidariedade, no qual ser solidário é responder pelo outro, preocupar-se com a outra pessoa, no sentindo amplo, sendo ele afetivo, social, moral ou patrimonial (TARTUCE, 2016).

A presença dessa alienação parental pode excluir o nexo de causalidade, pois a culpa do abandono e de danos ocasionados por este fato recairia sobre terceiros, no caso, a mãe.

 

4.1 Decisões contrárias ao dever de indenizar

 

Correntes contrárias ao dever de reparação se utilizam de argumentos atinentes ao direito fundamental de liberdade, pois já que este é garantido pela Carta Magna, seria uma afronta a ele, obrigar alguém a amar outro indivíduo, vez que a liberdade também diz respeito amar e ter afeto pela pessoa que escolher (DE CASTRO, 2014). Além disso, essa reparação poderia invadir os limites do direito de Família “questionando ainda se seria de fato papel do judiciário tentar equilibrar questões sentimentais entre pais e filhos e ao mesmo tempo punir, seja pecuniariamente ou com responsabilização civil os pais que não cumprirem com o dever afetivo” (DE CASTRO, 2014.p.6).

Além do mais o pagamento pecuniário pelo abandono sofrido, pode não promover a resolução do problema, vez que suprir, ou buscar reparação pelo dano diante da ausência do pai, pode ocasionar maior distanciamento entre os dois, impedindo uma relação afetiva entre pai e filho, além de a prestação pecuniária não levar ao efeito esperado (BARROS, 2017). Assim permitir condenações deste cunho, levaria a uma ingerência não só nas relações familiares, mas também atingiria o campo afetivo, impondo uma obrigação legal de amar que não existe no ordenamento pátrio. Observa-se jurisprudência do TJSP:

 

RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS CUMULADAS COM ALIMENTOS. ALEGAÇÃO DE ABANDONO AFETIVO. TEORIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL QUE NÃO SE CONSUBSTANCIA EM ATO ILÍCITO – ELEMENTO INDISPENSÁVEL PARA CARACTERIZAÇÃO DO DEVER DE INDENIZAR. IMPOSSIBILIDADE OBRIGACIONAL. AFETO É SENTIMENTO INCONDICIONAL. PRECEDENTE DO COLENDO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE ALIMENTOS. REQUERENTE MAIOR. AUSÊNCIA DO TRINÔMIO POSSIBILIDADE - NECESSIDADE - PROPORCIONALIDADE. CORRETA IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.(Apelação Civil nº 0004614-77.2009.8.26.0634, 10 º Câmara de Direito Privado do TJSP, Rel. Des. Coleho Mendes, j. 05.04.2011,DJ 20.04.2011)

 

Aqui há a demonstração de entendimento que se revela contra a possibilidade obrigacional de afeto, revelando a inexistência de ato ilícito, elemento essencial para gerar a responsabilidade civil. Não somente o Tribunal de São Paulo, mas também o do Rio Grande do Sul já se manifestou do mesmo modo, veja-se:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE VISITA PATERNA COM CONVERSÃO EM INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. EXTINÇÃO DO PROCESSO POR IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. A paternidade pressupõe a manifestação natural e espontânea de afetividade, convivência, proteção, amor e respeito entre pais e filhos, não havendo previsão legal para obrigar o pai visitar o filho ou manter laços de afetividade com o mesmo. Também não há ilicitude na conduta do genitor, mesmo desprovida de amparo moral, que enseje dever de indenizar. APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJ-RS - AC: 70044341360 RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Data de Julgamento: 23/11/2011, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/11/2011)

 Deste modo, nota-se que há magistrados filiados a não indenização, uma vez que esta não incidiria na falta de amor em si, mas na presença dos requisitos necessários para a verificação de uma responsabilidade civil (BARROS, 2017).

Assim, a reparação por danos decorrentes do abandono afetivo ainda não possui um entendimento firmado e, como exposto, há argumentos contundentes para a negativa dessa indenização, já que não há no ordenamento pátrio dispositivo legal que regulamente essa situação, tendo os juízes decido de modo divergente. Amar o filho não pode ser obrigatório, porém é dever dos pais construir um ambiente familiar adequado para promover o crescimento dos filhos da melhor maneira possível, sendo o abandono uma lesão ao direito de uma convivência paterna, bem como de possuir uma família saudável e estável. 

 

5 CONCLUSÃO

 

Considerando o estudo do abandono afetivo como um dos pontos de convergência entre a Responsabilidade Civil e o Direito de Família, a possibilidade de indenização daquele é previamente estabelecida no rol dos direitos fundamentais do artigo 5º da Constituição Federal. Desta forma, o presente artigo reitera que as consequências geradas pela inexistência de laço afetivo entre pais e filhos configuram um dano moral, que é reforçado não por um dever de amar atribuído aos pais, e sim um dever de cuidado obrigatório.

Isto é, a partir do momento em que há a geração de um descendente, incorrem responsabilidades inerentes à filiação, que não devem ser negligenciadas, já que em boa parte da vida os filhos necessitam de provimento que advém dos seus pais. Neste sentido, a responsabilidade civil existe nas relações familiares, sob risco de configurar a violação a uma série de direitos, principalmente da criança e do adolescente.

Não obstante, conclui-se que as relações nas quais os casais se divorciam e constituem outra família podem ser ainda mais problemáticas em relação aos filhos, muitas vezes restando caracterizado o abandono afetivo pelo fato do pai ou da mãe concentrar as atenções no novo relacionamento. Tal distinção acaba por ferir o que o princípio da igualdade entre os filhos preconiza, que é a equivalência daqueles, independente de sua origem.

Por conseguinte, fala-se ainda dos casos em que o pai e a mãe impõem dificuldades para o outro cônjuge no que tange ao contato direito com os seus filhos, o que acaba caracterizando alienação parental, o que torna grave a problemática, que não se confunde com a do abandono afetivo.

No último caso, a inexistência do vínculo afetivo é causada de maneira voluntária, por quem pratica o abandono. Já nos casos de alienação parental, o pai ou mãe inviabiliza o contato direto do filho com o outro que exerce a filiação. Isto é, existem dois indivíduos que são violados por atos que possuem dolo, havendo dano cometido não só contra o filho. Desta maneira, é deveras relevante salientar que as relações de filiação necessitam de cautela em sua existência, sob o risco da responsabilidade civil incidir em tais casos.

Para mais, demonstrou-se neste argumentos contrários ao dever de indenizar, o passo que o ordenamento não faz nenhuma menção a obrigatoriedade de pai/ mãe amar o filhos, fato que descaracterizaria a responsabilidade civil. Porém, dispositivos infraconstitucionais expõe o dever de cuidado, de oferecimento de um lar saudável, além de educação dos pais para com os filhos, e se este abandono resultou em danos psíquicos, morais e materiais, é sim cabível uma reparação.

Assim, o presente artigo buscou tratar sobre até que ponto o ordenamento jurídico, enquanto instrumento que regula as relações sociais, pode contribuir para o incentivo a um ambiente familiar equilibrado, que possa propiciar o desenvolvimento de todas as aptidões pessoais e profissionais dos filhos. O conceito aristotélico de animal político atesta as

conexões cada vez maiores entre as pessoas, que podem gerar descendentes, que são titulares de direitos, atendendo a premissa de que o ser humano precisa se relacionar para atingir a sua felicidade. Logo, incidir a responsabilidade civil nas questões de filiação pode ser considerada uma das formas pelas quais os operadores do Direito legitimam o Direito Civil.

 

REFERÊNCIAS

 

BARROS, Cláudio R. Abandono Afetivo e os Limites do Dever de Indenizar, 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/57256/abandono-afetivo-e-os-limites-do-dever-de-indenizar> Acesso em 20 Mai 2018

 

BRASIL. Código Civil. In: Vade Mecum Saraiva. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017

 

BRASIL. Constituição Federal (1988). In: Vade Mecum Saraiva. 23. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

 

BRASIL. Pai é condenado a indenizar filho por abandono afetivo, 2016. Disponível em: < http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2016/junho/pai-e-condenado-a-indenizar-filho-por-abandono-afetivo > Acesso em Mar 25 2018

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul. Pai é condenado em danos morais por abandono afetivo de 2 filhos, 2013. Disponivel em: < https://tj-ms.jusbrasil.com.br/noticias/100131148/pai-e-condenado-em-danos-morais-por-abandono-afetivo-de-2-filhos> Acesso em 25 Mar 2018

 

DE CASTRO¹, Lorena Emanuella; GODOY, Ana Paula Zanenga. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO, 2014. Disponível em: <http://nippromove.hospedagemdesites.ws /anais_simposio/arquivos_up/documentos/artigos/90b4303094e611a965d14f4d4b0cb4e5.pdf> Acesso em 20 Mai 2018

 

GONZAGA, Jacyra Carvalho. Os filhos na separação dos pais: uma visão psicológica, 2005. Disponível em: < http://www.avm.edu.br/monopdf/3/JACYRA%20CARVALHO %20GO NZAGA.pdf> Acesso em 22 Abr 2018

 

MATZENBACHER, Solange Regina Santos. Reflexão acerca da responsabilidade civil no Direito de Família: Filho-Dano moral x Pai-abandono afetivo. E a família? Rio Grande do Sul, 2009. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article /viewFile/8212/5899. Acesso em Abr 2018.

 

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Responsabilidade Civil por Abandono Afetivo. In: Responsabilidade Civil no Direito de Família. São Paulo: Atlas, 2015.

 

TARTUCE, Flávio. Da indenização por abandono afetivo na mais recente jurisprudência brasileira. 2017. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI 262537,61044-Da+indenizacao +por+abandono+afetivo+na+mais+recente+jurisprudencia. Acesso em Abr 2018.

 

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único. 6. ed. rev., atual. e ampl- Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016

 

[1] Paper apresentado à disciplina Responsabilidade Civil, da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco - UNDB.

2 Alunos do 6º período A vespertino do Curso de Direito, da UNDB.

3 Professora, Mestre, Orientadora.