A INCAPACIDADE DO ESTADO EM PROMOVER A FUNÇÃO SOCIAL DOS BENS PÚBLICOS

Diante da crescente necessidade social por moradia digna, vem aumentando gradativamente a fiscalização por parte dos entes federados sob a propriedade privada se estas atendem a Função Social em sua destinação. Seja a propriedade, urbana ou rural, há previsões legais eficazes para a intervenção coercitiva do Estado para efetivar a realização deste princípio constitucional. Contudo o que não se vê é uma modalidade legal capaz de forçar o próprio Estado a atender este princípio, quando a sua propriedade é que se encontra em desacordo ao mandamento da Constituição Federal acerca da função social. Dentro deste contexto há de se entender a incapacidade do Estado de prover a função social quanto aos bens públicos que não possuem destinação funcional. Deve-se assim levantar o questionamento interpretativo que defende a finalidade social destes bens em benesse da sociedade necessitada.

Para combater a inércia do Estado e promover a satisfação social, existe a necessidade de aprimorar a ação do Estado respeitando duas bases solidas do Direito, a primeira é a cristalina manifestação constitucional imputando tanto ao particular como ao ente público a promoção da função social, em seu art. 5º, incisos II e XXIII concomitante ao art. 170, inciso III da Carta Magna. A segunda se trata do princípio da Supremacia do Interesse Público, que laça a atividade administrativa do Estado ao intrínseco interesse social, obrigando este em suas atribuições a atuar de forma a satisfazer as necessidades e promover a vontade da sociedade em risco eminente de se não fazê-lo incorrer em desvio de finalidade da atividade pública.

Alterando a postura atual do Estado de grande proprietário de bens públicos, para um Estado compacto possuidor apenas daquilo que é estritamente necessário para sua atuação administrativa, criará duas situações ignoradas pelos defensores da estrutura “feudal” atual do Estado, que se resume em dispor de seu patrimônio para promover sua função social tanto nos centros urbanos quanto na zona rural, o que resultaria na criação de novos contribuintes ao erário público, economia do Estado na manutenção precária praticada aos bens não utilizados, a contribuição significativa nas áreas de saúde e segurança pública nos centros urbanos e a promoção de terras produtivas nas áreas rurais uma vez que os beneficiados atuariam de forma efetiva nestes bens.

O objetivo deste presente artigo é determinar à importância de se aplicar efetivamente os princípios constitucional e administrativo a estrutura atual do Estado, fazer valer à necessidade da sociedade em face da estrutura arcaica do Estado “feudal” atual, redirecionando recursos em ações basilares à estrutura social, e não em manutenção de bens não utilizados para qualquer finalidade pratica.

  • Promover a função social prevista na Constituição Federal em face do bem público assim como é praticada ao particular, em conjunto ao atendimento da supremacia do interesse público, princípio administrativo que entrelaça a atuação estatal à vontade e ou necessidade da sociedade.
  • Para atender ao proposto neste estudo, deve-se levantar a estrutura atual do Estado, para obter de forma satisfatória a atual composição de bens que a administração pública possui, bem como obter as necessidades sociais em proximidade a cada bem com status de não utilizado pelo Estado, seja em área urbana ou rural.
  • Promover a redução do patrimônio público em benesse da sociedade necessitada, como já elencado no estudo, promoverá benefícios à administração pública; redução de gastos em manutenção sabidamente precária de bens não utilizados, inserção de novos contribuintes de tributos, atendimento à necessidade social de forma eficaz irá promover melhorias em vários aspectos sociais como em segurança e saúde pública.
  • Compactar a estrutura administrativa no que tange seu patrimônio não funcional lhe trava benefícios no aspecto de praticidade e foco em suas atribuições funcionais.

 

Para desenvolver um entendimento claro sobre o tema é importante inserir entendimentos comuns a aspectos pontuais deste estudo. Primeiramente é importante apresentar a definição de bem público, que nos dizeres de Hely Lopes Meirelles são: “todas as coisas corpóreas ou incorpóreas, a imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, ás entidades estatais, autárquicas, fundacionais e empresas governamentais”. ( 2004 p.493).

O bem público é o objeto central deste estudo, uma satisfação fática a sua finalidade seguindo o mandamento constitucional da função social patrimonial é o interesse central aqui demonstrado.

            Desta feita outra importante definição a ser levantar é a transformação da função social ao status de princípio constitucional, como nos dizeres de Cristiana Fortini:

“A Constituição da República de 1988 elevou a função social da propriedade à categoria de princípio constitucional ao abordá-la no art.5º. Tal fato reflete a opção do legislador constitucional porque a função social não fosse considerada como comando generalista, sem aplicação prática. Trata-se, ao contrário, de norma jurídica que deve orientar a interpretação das demais normas que formam o arcabouço constitucional”. (FORTINI, 200? p.116)

Apresentando de forma clara o que é bem público e a força mandamental da função social, temos que superar a posição arcaica que as normas infraconstitucionais promovem sobre a exigência da função social recair apenas sobre o patrimônio particular como evidenciado no Código Civil Brasileiro de 2002 em seu artigo 1228, §3º nos diz: “O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente.”

Em interpretação ao artigo supracitado José Costa Loures nos diz:

Embora a doutrina tenha o direito de propriedade como de caráter absoluto, no sentido de valer erga omnes, sofre ele restrições, como a hipótese de usucapião, ou nos casos de desapropriação previstos em nível constitucional, e atendida a norma da Lei Maior – que condiciona a propriedade à sua função social (CF, art.5º, XXIII).

O §3º faz eco ao artigo 5º, XXIV, da Constituição Federal, e encontra regência adequada nas leis especiais que cuidam das desapropriações (Lei n. 3.365/41; Lei n. 4.132/62; Lei n. 6.602/78; Lei n. 8.257/91; e Lei Complementar n. 96/93). (COSTA LOURES; GUIMARÃES, .2011. p. 663).

Como visto, a preocupação real sobre os bens e suas finalidades, se apresenta rigidamente estruturada na condição de se manter vigilante o bem particular. Em nenhum momento o mecanismo estatal se atenta ao fato de o Estado, também possuir bens, e que estes possam sim carecer dentro de sua estrutura de uma finalidade que atenda a sociedade de forma plena com manda a norma constitucional. Daí advém a importante observação sobre esta realidade nas palavras de Cristiana Fortini:

A Constituição da República não isenta os bens públicos do dever de cumprir função social. Portanto, qualquer interpretação que se distancie do propósito da norma constitucional não encontra guarida. Não bastasse a clareza do texto constitucional, seria insustentável conceber que apenas os bens privados devam se dedicar ao interesse social, desonerando-se os bens públicos de tal mister. Aos bens públicos, com maior razão de ser, impõe-se o dever inexorável de atender a função social. (FORTINI, 200? p.117).

Pode-se imprimir maior valor a citação acima com as palavras do ilustre civilista Nelson Rosenvald que nos ensina:

[...] Os bens públicos poderiam ser divididos em bens materialmente e formalmente públicos. Estes seriam aqueles registrados em nome da pessoa jurídica de Direito Público, porém excluídos de qualquer forma de ocupação, seja para moradia ou exercício de atividade produtiva. Já os bens materialmente públicos seriam aqueles aptos a preencher critérios de legitimidade e merecimento, posto dotados de alguma função social. (ROSENVALD, 2004, p.60).

O entendimento é claro, contudo persiste o Estado em não dispor de seu vasto patrimônio na insegurança de se sentir “lesado”. Contudo deve este se ater ao fato de que sua administração é inteiramente voltada ao interesse público, retomando o segundo princípio basilar deste estudo que é a Supremacia do Interesse Público, o Estado se ausentando desta responsabilidade promove o desvio de finalidade, no caso da função social a administração pública não pode se valer da indisponibilidade do bem público tanto aclamada pelos defensores do Direito Administrativo no molde atual, por se tratar de uma “retomada” de posse do verdadeiro titular do direito. Como bem ensina José dos Santos Carvalho Filho sobre o princípio da indisponibilidade:

Os bens e interesses públicos não pertencem à Administração nem a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-los, conservá-los e por eles velar em prol da coletividade, esta sim a verdadeira titular dos direitos e interesses públicos. (CARVALHO FILHO, 2010. p.37)

            Cabe ao Estado em consonância dos princípios elencados neste estudo, buscar efetivar a aplicação da destinação social dos bens não utilizados, lhe atribuindo caráter altruísta e provedor do mandamento constitucional da função social e da maximização da atribuição e atuação administrativa. Identificar dentre os bens públicos, quais se apresentam sem uso pelo Estado, onerosos, de manutenção precária, aos qual o Estado figura apenas por proprietário sem lhe destinar qualquer função. Bem como identificar a parcela social localizada próxima a estes bens públicos carentes de ação social tanto no meio urbano quanto rural que se beneficiarão com estes. Para assim efetivar a nova destinação dos bens desonerando a administração de gastos de uma manutenção “ociosa”, e atendendo a parcela social desamparada, cumprindo assim o princípio constitucional atendendo a função social, bem como resguardando a administração pública ao zelar os mandamentos da supremacia do interesse público, efetivando o Estado como o garantidor do patrimônio e zelador dos direitos e deveres sociais como lhe confere a Constituição da República.

REFERÊNCIAS

CHAVES DE FARIAS, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – Reais. 8ed. Salvador: Juspodium, 2012.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ed. Ver., ampl. e atualizada até 31.12.2009. – Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2010.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Brasil. 1988.

FERRAJOLI, Luigi. Por uma Teoria dos Direitos e dos Bens Fundamentais. Trad. Alexandre Salim, Alfredo Copetti Neto, Daniela Cadermatori, Hermes Zaneti Júnior, Sérgio Cadermatori.  – Porto Alegre. Livraria do Advogado Editora, 2011.

FORTINI, Cristiana. A Função Social dos Bens Públicos e o Mito da Imprescritibilidade – R. de Dir. mun – RDM, Belo Horizonte, 200? ano 5, n.12. p113 – 122,

ROSENVALD, Nelson. Direitos Reais. 3. Ed. Rio de Janeiro: Impetus. 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro. 29. Ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

COSTA LOURES, José; GUIMARÃES, Taís Maria Loures Dolabela. Código Civil Comentado. 4. Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2011.

Lei 10.406/2002 – Código Civil Brasileiro – Brasil. 2002.